A Câmara de Vereadores de Caxias promoveu o primeiro debate público ampliado sobre o programa de concessões de rodovias para a Serra Gaúcha nesta quarta-feira (23). Representando o governo do Estado e a principal pasta da articulação do projeto, o secretário de Parcerias do RS, Leonardo Busatto, respondeu a questionamentos, contestações e críticas de vereadores, prefeitos, deputados, representantes de entidades envolvidas pelo tema e do público.
Apesar de receber críticas sobre suposta pressa e restrição ao debate, o secretário ressaltou que a construção da proposta precede o atual governo e que o Executivo estadual está disposto a prorrogar o processo caso haja necessidade de ajustes.
— É uma proposta que vem sendo construída desde a época do governador José Ivo Sartori (MDB), que iniciou processo de concessão, os estudos, passando agora para o governador Eduardo Leite (PSDB). Não foi construído de supetão, de última hora. Tem sido uma construção muito grande e por causa da pandemia acabou demorando um pouco mais para ser discutido. É um tema que precisa envolver a comunidade, mas sabemos que nao é simples do ponto de vista do entendimento — disse Busatto.
Ele afirmou que articula junto ao Corede-Serra, o Conselho Regional de Desenvolvimento, a participação de um grupo técnico externo para alinhamento de interesses.
— Foi citado pela presidente do Corede (Mônica Mattia) e já foi aceita pelo governo a participação de um grupo técnico para melhorar o projeto e alinhar o que a comunidade entende que é o melhor. Fazemos questão dessa visão externa a quem conhece a realidade para tentarmos fazer ajustes e tornar projeto mais palatável e aceitável para a comunidade _ assegurou.
O evento ocorreu presencialmente com público limitado na Sala das Comissões Vereadora Geni Peteffi e foi promovido pela Frente Parlamentar das Concessões Rodoviárias, presidida pela vereadora Denise Pessôa (PT). O público pode acompanhar e participar por meio de transmissão online.
Participação expressiva de autoridades
A reunião contou com participação expressiva de deputados, inclusive teve a aparição do deputado federal Paulo Caleffi (PSD). Da Assembleia Legislativa, apenas Neri, o Carteiro (Solidariedade), não participou. Ele mandou representante, que alegou que o deputado já tinha agenda prévia marcada para o mesmo horário. Contribuíram ao debate Pepe Vargas (PT), Carlos Búrigo (MDB), Fran Somensi (Republicanos) e Tiago Simon (MDB).
O debate foi amplo, com quase duas horas de participação das autoridades presentes. Confira algumas falas de destaque:
"Hoje se sabe que dificilmente vamos escapar do pedágio. Sempre tive muita reserva em relação aos pedágios, pois essa região ficou muito traumatizada. Infelizmente, no passado, embarcamos numa canoa furada, sofremos muito. Caxias ficou cercada de pedágios e investimentos nenhum. As rodovias continuam as mesmas, problemas seríssimos. (...) As estradas que circundam municípios da região não condizem com arrecadação e contribuição desses municípios para o Estado e à União. Temos problema sério de infraestrutura e logística, é o que mais afasta investimentos na nossa região. (...) Que a gente construa um modelo que seja positivo e aceitável por parte das comunidades, porque depois por 30 anos teremos de viver com essas cancelas.", Adiló Didomenico (PSDB), prefeito de Caxias
"Flores da Cunha é ainda um dos únicos municípios da região que ainda tem uma praça de pedágio e está numa localização não tão boa. Essa é uma questão, que as novas praças sejam estudadas para que não limitem os municípios. Temos um pedágio que isola parte do município e o desenvolvimento acaba não acontecendo. A grande maioria (das pessoas), pelo estado das estradas, defende que sim, precisamos de concessão, porém, desde que não seja no território do seu município. Por isso, precisamos levar em conta a arrecadação do ISS que se pense em alguma estratégia para beneficiar um pouco mais as cidades que são impactadas pelas praças em seus territórios. Além da praça de Flores da Cunha nós teremos mais uma praça, que pela quilometragem está localizada em Ipê. Teremos duas praças de pedágios e nos 30 anos não temos previsão de duplicação de nenhum trecho desses trajeto. É uma forma, dentro de um entendimento básico, de que estaremos financiando os investimentos e duplicações nas outras localidades. Mais uma vez acabamos sendo penalizados". Cesar Ulian (PP), prefeito de Flores da Cunha
"O Governo do Estado em momento algum pediu que fosse feito estudo para ver da viabilidade da EGR receber concessão e fazer investimentos. Não vai ser a empresa que vai trazer os investimentos. O que a empresa que vencer uma licitação fará: terá um contrato de concessão com 30 anos de duração, com recebíveis e receberá um financiamento para fazer os investimentos. E quem vai pagar o financiamento seremos nós, os usuários que pagamos a tarifa no pedágio. Então não tem dinheiro privado para fazer investimento, tem investimento privado, mas dos usuários. As coisas têm de ser ditas como elas não. Quem vai pagar essa conta somos nós, cidadãos e cidadãs. A vantagem que teríamos com a EGR é que não precisaria ter uma taxa de retorno de 9%. Façam uma conta, o que é uma taxa de retorno de 9%, R$ 10 bilhões de investimentos, quanto vai dar por ano e a lucratividade líquida que tem um negócio desses. (Governo) ficou meses estudando e agora temos 30 dias para poder analisar milhares de páginas e estudos. É difícil fazer análise detalhada. Temos de discutir com mais calma. Achamos que poderia ter outras modelagens, não foram atrás, nos está sendo apresentado um prato feito com fato consumado e nessas alturas precisamos no mínimo minimizar os impactos." Pepe Vargas (PT), deputado estadual
Pontos abordados por secretário
Confira o que foi dito pelo secretário Parcerias do RS, Leonardo Busatto:
PRIVADA X PÚBLICA
"Não existe lugar do Brasil uma empresa pública que gere pedágios, é uma jabuticaba gaúcha. E acho que nove anos de EGR já demonstrou que esse modelo não deu certo, e acho que grande parte da população concorda. Comparar a questão privada da pública, só porque tem uma taxa de lucro (a privada), do outro lado, o público é afeito a questões políticas. Por exemplo, a tarifa da EGR não é reajustada desde a sua origem, aliás, foi reajustada em 2017, mas não existe nenhum lugar do mundo que uma tarifa não seja reajustada. Pela nossa proposta, ela é reajusta pelo IPCA a cada 12 meses. Isso sem contar das dificuldades de fazer investimentos, porque tem licitação, a questão de pressão política para eventualmente dar isenção para determinado grupo ou outro. A gente entende que o modelo da EGR demonstrou que não deu certo. E qualquer lugar do mundo, qualquer rodovia de outros Estados e inclusive da União, mesmo na época do PT, só para colocar que não é uma coisa de agora, sempre foi feita concessão para a iniciativa privada e não pela gestão pública. Acho que é um debate que já foi superado, não que não possa continuar ele, mas entendo que a maior parte da população entende que tem de ser feita concessão para uma iniciativa privada. Com regulação, fiscalização, conselho de usuários, mas é um debate que entendo que não é mais atual, já foi superado."
MODELO DE OUTORGA
"Esse modelo de outorga foi aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa. Os deputados, que são os representantes dos gaúchos, entenderam que poderia ser uma alternativa para o modelo de concessão, mas o debate está posto. Se eventualmente mantemos esse critério, se eventualmente aumenta valor de desconto, se vincula o recurso para a região, tudo isso é objeto de debate, de discussão. Estamos abertos para esse debate. Se no entendimento da maior parte das pessoas esse for o critério que não é o melhor, certamente vamos evoluir nisso e tentar chegar a uma questão mais palatável a todos nós."
CURVA DA MORTE
"Vai ser duplicada no ano quatro da concessão, vai ser corrigido traçado. Esse é só um dos exemplos dos benefícios que a concessão trará. Infelizmente, trago infelizmente porque é a falência do setor público, o setor público não consegue e não conseguirá por muitos anos, com recursos próprios, fazer as melhorias necessárias. Então, essa é a alternativa proposta e a alternativa que pode realmente ser melhor. É o que existe hoje. EGR e Daer, acho que não preciso explicar, os senhores vivem a realidade o que é uma administração hoje do Daer e da EGR, por maiores esforços que os gestores tentem fazer, mas é limitado ao dinheiro. Coloco esse exemplo da Curva da Morte, algo que será resolvido no curto prazo.
INVESTIMENTO ANTES DE ARRECADAÇÃO
"A concessionária inicia no momento zero a prestar o serviço à população, fazer tapa-buraco, sinalização. Por que não inicia no primeiro ano a fazer projetos de duplicação? Porque ela precisa aprovar os projetos, ter licenciamento ambiental, das obras, que o poder público aprove o projeto, e isso tudo demora pelo menos um ano, e ela só vai cobrar o valor nas novas praças no segundo ano. Ela começa a gastar do próprio bolso no primeiro ano e só começa a arrecadar no segundo ano. E só começa a pagar a sua despesa, o seu investimento, perto do 20º ano da concessão. Isso significa que a empresa vai tirar do próprio bolso e aplicar na rodovia e só passará a ter ganho lá no vigésimo. Investimento privado nos primeiros 20 anos vai ser muito superior à receita que a concessionária vai auferir nesse período."
CONTRATO DE 30 ANOS
"Por que 30 anos e não menos? Porque ninguém vai botar R$ 2,9 bilhões de investimento se não tiver a garantia desses 30 anos para poder se financiar. Menos de 15 anos não paga, a empresa teria prejuízo, com 20 anos só cobriria o custo, ninguém entraria nesse modelo, e, portanto, ela só vai ganhar alguma arrecadação extra a partir de cerca do vigésimo ano."
PRAÇA EM IPÊ
"A praça em Antônio Prado, inclusive, por diálogo do governo com os prefeitos da região, já estamos fazendo proposta de alteração para o Km 150, não penalizando a cidade de Ipê, falamos inclusive com o prefeito. Exemplo da forma que estamos conduzindo. Estamos ajustando o modelo de pedágio, a praça de pegádio, ao diálogo e o melhor local no entendimento da própria prefeitura, das lideranças comunitárias. Assim como Carlos Barbosa também, do outro lado, na 446, estamos contemplado a partir do diálogo com a prefeitura."
ISENÇÕES
"Existe uma frase clássica em economia de que não existe almoço de graça. Se alguém é isento, os que pagam pagam mais, é simples. É uma decisão da sociedade se quer beneficiar um grupo ou não. O fato é que a localização das praças propostas, se forem nas localidades, são zonas rurais, com pouquíssimas pessoas morando lá. Então não haverá esse impacto social para as pessoas que moram no entorno. Na verdade, a intenção é deslocar as praças dos eixos urbanos, não repetir o erro do passado de incluir uma praça entre Farroupilha e Caxias, justamente para evitar penalizar as pessoas que moram próximo. Não existe um modelo de concessão nos últimos 20 anos no Brasil, de qualquer governo, de qualquer partido, de qualquer viés ideológico, que tenha isenção. Justamente porque é um modelo que penaliza quem paga. Tem 'n' exemplos de Estados da federação, dos mais variados partidos, fazendo cocnessões, e nenhum deles possui isenções. Isso é mais uma questão que acaba sendo gaúcha, em função da EGR ser uma empresa pública. 140 mil veículos hoje têm isenção pelas praças da EGR. Significa que as outras pessoas, caminhões, ônibus, pagam mais caro. Encarece o custo, a produção e o produto no bolso do consumidor".
ABERTO AO DEBATE
"Não fugimos de debate, muito pelo contrário. Só com alguns prefeitos estou na quarta vez, só que a nossa agenda é limitada e estamos falando com mais de 70 municípios do Estado e a equipe muitas vezes acaba atendendo quando a gente não pode participar. Estamos abertos ao diálogo. Tentando otimizar as discussões, dando prazo, não temos problema se precisar estender um pouco mais o prazo de debate para amadurecer a ideia. Fato é que temos oportunidade porque o governador teve coragem de procurar algo que é polêmico um ano antes das eleições."
PARTICIPAÇÃO POPULAR
"A gente está trabalhando já, até por uma questão de dificuldade no formulário de consulta pública, de tentar colocar na web, fazer formulário online para as pessoas preencherem ali. E a gente não tem pretensão de que as pessoas conheçam tecnicamente tudo. Se o formulário não for preenchido da maneira completa ele também será respondido. Só precisamos ter informações básicas, se pede uma passarela tem de dizer ondem, o quilômetro. Talvez seja uma informação difícil para um leigo, mas sem essa informação não temos como responder. Precisamos ter informações mais detalhadas para poder responder de maneira precisa. Todas manifestações da consulta pública serão respondidas, nem todas atendidas porque certamente é impossível, mas todas serão respondidas dentro do prazo da discussão pública".
ROTA DO SOL FORA DO PACOTE
"A Rota do Sol é uma rodovia extensa e muito cara. Foi cara para fazer e seria cara para manutenção e eventuais investimentos. Se colocássemos ela no pacote agora ia encarecer ainda mais esse ponto que está sendo colocado do custo entre Caxias e Porto Alegre, por exemplo. Nosso compromisso é estudar para fazer uma parceria público-privada (PPP). A gente entende que ela não se sustenta somente com tarifa. Ela é muito cara. Estudamos fazer um projeto de concessão só da Rota do Sol, inclusive olhando a questão do Aeroporto de Vila Oliva e do porto do Litoral Norte. Hoje a Rota do Sol tem volume de tráfego muito sazonal, sabemos que vai aumentar, que é uma demanda da região, mas entendemos que têm de ser projeto específico."