Sete histórias, muitos sonhos, diversas provações no dia a dia e uma grande competição. Pela primeira vez na história, a América Latina vai receber as Surdolimpíadas, a maior disputa desportiva entre surdoatletas do mundo. Fazer parte desta história em casa será um momento ímpar para seis caxienses e um morador de Nova Petrópolis.
A seleção brasileira de basquete feminino é composta por cinco atletas de Caxias do Sul. Estarão em quadra, sob o comando do técnico caxiense Jean Emer: Andressa Teles de Oliveira, Morgana Gentlin Camargo, Laura Backendorf Andreazza, Marina Carvalho de Castilhos e Ketlim Janaina de Moraes Rodrigues. Seus nomes ficarão gravados na história da seleção feminina de basquete surdo, pois é a primeira convocação oficial.
No tiro esportivo, Mariana Menegotto Cassina, 41 anos, vai para sua primeira Surdolimpíada. A surdoatleta tem conquistas com armas de fogo em campeonatos internos da cidade. Contudo, na categoria de ar comprimido (tiro esportivo), ainda não.
Já no lançamento de dardo e disco, o representante da região será Jonas Moisés Petry, 36 anos, natural de Nova Petrópolis. Ele iniciou no esporte através da Sociedade dos Surdos de Caxias do sul (SSCS).
PRIMEIRO TIME DA HISTÓRIA
As meninas do basquete entrarão em quadra pela primeira vez com a bandeira do Brasil no uniforme. O projeto foi criado em 2020, e após dois anos vem a primeira competição oficial de grande porte. No quarta-feira (4), termina a espera e a bola estará no ar contra a Polônia, às 15h, no Ginásio do Vascão. Além de derrotar as adversárias, a jogadora Ketlim Rodrigues, 31 anos, vê a competição como uma oportunidade de derrubar o preconceito.
— É a oportunidade de quebrar barreiras e mostrar que temos capacidades. Só quero respeito e confiança em nossa capacidade — contou a atleta que mora em Porto Alegre.
Marina Castilhos, 19 anos, é apaixonada por esporte. A jovem fala do apoio fundamental da família para seguir no esporte:
— Estou muito animada. Gosto muito do esporte. Eu nasci surda, tenho uma irmã mais velha, Cristina Castilhos, que me ajudou muito, é uma inspiração para mim. Estou muito animada, adoro jogar basquete.
Andressa de Oliveira, 18 anos, começou cedo no esporte. Aos 10, praticava o basquete em Caxias do Sul através do apoio da Sociedade dos Surdos. Segundo ela, o momento pré-Deaflympics é um misto de ansiedade e nervosismo.
— É uma oportunidade para nós, surdos. É tudo muito novo, mas estou feliz e entusiasmada. A minha vida se transformou com o basquete. Hoje, estamos aqui em Caxias com esse orgulho de representar a cidade. É a primeira vez mesmo. O Brasil nunca teve time de basquete feminino surdo. Por isso é muito importante esse momento e a representatividade do basquete feminino — frisou Andressa.
Assim como Andressa, Morgana Camargo, 30 anos, também começou a praticar esporte quando criança. Depois parou por um período e, agora, volta para fazer parte da história.
— A Surdolimpíada vem pela primeira vez na América Latina. Eu já tinha visto os mundiais. Nesse momento estou focada no basquete. É a nossa primeira vez na história com o time feminino participando. É um marco na história — Morgana
Laura Andreazza, 19 anos, também vai participar pela primeira vez dos Jogos. Logo na estreia, terá a oportunidade de ter a família na arquibancada assistindo as partidas, um momento único para os surdoatletas.
— Na verdade, tinha interesse em participar e conhecer, mas nunca participei. Estou muito feliz, ainda mais com a família perto. Eles são meu orgulho, me incentivam e investem em mim nesta caminhada — destacou a atleta do time feminino.
TIRO ESPORTIVO
Mariana Cassina começou no esporte muito cedo, aos 12 anos, acompanhada do pai, que era instrutor e proprietário de um loja especializada em armas. Ela explica que o tiro esportivo é uma outra modalidade, pois usa pistola de ar comprimido, diferente das armas de fogo. Por conta própria, a surdoatleta começou a treinar a modalidade em 2021. Somente em janeiro deste ano conseguiu um técnico que se dispôs a auxiliá-la, mas à distância. Vladimir Silveira mora em Santos-SP e ajuda Mariana com correções técnicas.
— Ele me passa os treinos quase todos os dias pelo WhatsApp e eu faço meus exercícios aqui mesmo, em casa. Em fevereiro, tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente no Rio de Janeiro, no Centro Militar de Tiro Esportivo. Voltei munida de conhecimentos técnicos, o que melhorou muito meus treinos seguintes — detalhou.
Mariana não tem adversárias na modalidade no Brasil. Assim, não tem como participar de campeonatos na categoria surda. Desde março, ela coloca em prática os ensinamentos no Campeonato Brasileiro da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, como forma de treinamento. Quanto ao fato de participar das Surdolimpíadas na sua cidade natal, a atleta diz ser uma grande responsabilidade.
— Pelo fato de ter nascido na cidade que sediará os Jogos, a expectativa é ainda maior. Para mim, é tudo uma novidade, já que não praticava essa modalidade. Sei que a responsabilidade é grande, pois estarei competindo com atletas que possuem mais experiência e que já disputaram outras Deaflympics, enquanto ainda estou estreando nesse mundo — comentou Mariana .
Na quinta-feira, a surdoatleta recebeu uma notícia inesperada. Ela estará no revezamento da tocha, no próximo sábado (30). Questionada sobre a emoção, Mariana foi tomada de surpresa, pois não sabia da informação.
— É com muita alegria e gratidão que recebo essa notícia. A única atleta caxiense selecionada para carregar a tocha olímpica, na minha estreia na Surdolimpíada, que será realizada na minha cidade. Com certeza isso ficará marcado na minha história. Muito honrada em fazer parte deste momento — observou a surdoatleta do tiro esportivo.
Sobre as dificuldades enfrentadas, ela elenca a falta de incentivo e de conhecimento da população sobre a modalidade. Ela também questiona o fato dos surdoatletas não terem direito ao Bolsa Atleta, programa do governo federal de incentivo a atletas de alto nível.
— Poderia ter mais incentivos dos governos federal, estadual e municipal, pois muitas pessoas têm vontade de se envolver e desenvolver nas mais variadas modalidades, só que do próprio bolso fica muito difícil ou mesmo impossível. Outra sugestão seria criar ou juntar a Confederação de Tiro Surdo e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para ter mais visibilidade na mídia/patrocinadores, campeonatos nacionais e internacionais. Também seria importante fortalecer as federações, mesclando com os atletas olímpicos e paralímpicos — sugeriu a atleta caxiense do tiro esportivo.
Lançamento de dardo e disco
Competir do lançamento de dardo e lançamento de disco, Jonas Moisés Petry, 36 anos, mantém vivo o sonho de medalhas. Ele busca estar no pódio, mas participar do maior evento esportivo para surdoatletas já é uma conquista. As provas começam no dia 7 de maio para Petry.
Foram 98 anos de espera para o Brasil sediar uma Surdolimpíada e muitas dificuldades enfrentadas, desde a comunicação para treinar até tirar do próprio bolso recursos para treinar.
— São muitas dificuldades na área do esporte. A maioria das pessoas profissionais não sabem a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para se comunicar. Eu faço a minha atividade sem pessoas, é triste. A gente não ganha salário, para treinar tenho que gastar recursos próprios — lamentou o atleta.
Assim como Mariana, o surdoatleta de Nova Petrópolis também sente falta da inclusão no bolsa atleta. O projeto para englobá-los tramita na Câmara dos Deputados, mas sem avanços significativos. O programa criado em 2005 destina valores que variam de R$925,00 a R$15.000 para atletas de alto rendimento.
— Nós da comunidade surda temos de lutar pela inclusão no bolsa atleta. Nós precisamos do recurso para bancar a preparação, os treinos, a academia, uma alimentação saudável, roupas para a prática do esporte e outros — finalizou Jonas Petry.