É a partir da busca por aprender Libras, a Língua Brasileira de Sinais, que passamos a integrar automaticamente a comunidade surda. E para essa comunidade, que possibilitou que a Serra Gaúcha sediasse o maior evento poliesportivo da sua história, é gratificante quando ouvintes demonstram interesse em aprender a se comunicar através das mãos. Para a 24ª Surdolimpíadas, que reunirá mais de cinco mil pessoas entre delegações, dirigentes e árbitros, um batalhão de 250 voluntários terá o desafio de entender e ser entendido para orientar público e atletas estrangeiros nas praças esportivas localizadas em Caxias do Sul e Farroupilha.
Vindos de diferentes partes do estado e de países como Estados Unidos e Japão, o grupo de voluntários é formado, em geral, pela comunidade acadêmica, intérpretes de Libras e surdos, que deverão usar além da linguagem brasileira os Sinais Internacionais para se comunicar com pessoas de outros países. Afinal, cada país tem a sua língua de sinais, e é com os Sinais Internacionais, a língua global entre os surdos, que a comunicação entre estrangeiros acontece.
De Itaqui, na fronteira oeste do estado, Bruna Todeschini, 32 anos, se inscreveu como voluntária tão logo as inscrições iniciaram. Para a surpresa da professora de Educação Física e intérprete de Libras, a iniciativa se espalhou entre os colegas da Universidade Federal do Pampa, e um grupo de 80 pessoas se formou para, com o auxílio da Instituição, chegar no sábado à noite em Caxias do Sul.
— A comunidade surda está enlouquecida, estão eufóricos em poder conhecer pessoas de outros lugares do mundo. Estão se sentindo valorizados também em ver a Unipampa investindo em colocar tanta gente para poder aprender sobre a organização de um evento desse porte — afirma Bruna, que faz parte do grupo formado também por professores surdos e monitores da área de inclusão e acessibilidade.
Com transporte financiado pela Universidade e alojamento disponibilizado pelo Comitê Surdolímpico, os voluntários acadêmicos que chegarão à cidade vão encontrar um universo à parte da comunicação, que possibilitará a troca de experiências e o aperfeiçoamento dos Sinais Internacionais.
— Temos no nosso grupo uma intérprete fluente em LSU, a Língua de Sinais Uruguaia e uma intérprete fluente em Língua de Sinais Francesa, que é a área de estudo dela. Os demais já fizeram cursos, mas estamos contando com a imersão que será o evento para poder nos aprimorarmos — contou Bruna.
O desafio em compor uma equipe capacitada para a Surdolimpíadas ficou à cargo de uma empresa especializada em eventos esportivos. Sediada em São Paulo, a Sportsnetwork começou em 2014 como uma rede colaborativa de apaixonados por esporte, que atuavam nos bastidores de competições de diversas modalidades. A necessidade de gerir os interessados em trabalhar nos eventos se fez negócio e hoje, contratada pelo Comitê Surdolímpico, a empresa é responsável por fornecer transporte, alimentação e acomodação aos voluntários durante o evento.
— Eles chegam na cidade com recursos próprios e aqui ganham uniforme e hospedagem. A experiência é enriquecedora também no aspecto profissional, porque é possível fazer muitos contatos, é uma troca bem legal — afirma Everton de Andrade, diretor do programa de voluntariado da Sportsnetwork, que explica que o número de voluntários precisou ser reduzido a menos da metade do esperado devido aos custos de acomodação.
— Antes, nossa operação ia rodar com 600 pessoas envolvidas, mas a organização optou por reduzir devido a questão da hospedagem. Agora somos em cerca de 250, conversamos com o responsável de cada modalidade e ajustamos quantos voluntários seriam necessários para a disputa dos jogos.
A distribuição e organização do pessoal é por conta do farroupilhense Douglas Faggion, responsável por direcionar as pessoas a resolver os problemas que venham a aparecer. A quatro dias da abertura oficial do evento, o líder dos voluntários circulava por uma Praça Surdolímpica ainda em construção, no Centro de Eventos da Festa da Uva, quando através da intérprete Maitê Amorim, conversou com o Pioneiro.
— É uma grande família e temos trabalhado para atender o evento com o melhor que cada um pode oferecer. São voluntários de todo o país, o Brasil inteiro está vindo para Caxias para ajudar na Surdolimpíada. É um marco, mostra a força que nós temos e a importância do esporte feito com trabalho e união — afirmou.
Como não poderia ser diferente, a Cruz Vermelha também voltou as atenções à Surdolimpíadas e reveza até o fim dos jogos seus 130 integrantes para trabalhar de forma permanente na Praça Surdolímpica, nos Pavilhões da Festa da Uva. Serão quatro voluntários por escala, disponíveis em três turnos para atendimentos os de urgência no local. Após dois anos sem cobrir eventos devido a pandemia, a 1ª vice-presidente Débora Machado não esconde a felicidade em poder voltar a ajudar a comunidade.
—É um sentimento de gratidão, teremos um corpo de voluntários treinados para dar suporte e nosso ambulatório estará à disposição para os atendimentos - explicou Débora.
Assegurada a equipe médica e com ouvintes interessados em aprender as línguas de sinais, a Surdolimpíadas prepara um ambiente nunca antes visto pela comunidade surda na Serra Gaúcha. Para os competidores, serão dias para dar o seu melhor no campo esportivo, e, para os voluntários, a certeza de que as duas semanas de evento reservam, além do trabalho, muita comunicação, inclusão e aprendizado.