Seu Rubem Muraro, 82 anos, e dona Zelinda Paviani Muraro, 80, namoraram na Praça da Bandeira, em Flores da Cunha, tendo o campanário como testemunha. Em 25 de janeiro de 1964, casaram com os sinos anunciando a cerimônia na Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes. Os filhos, Adriane Muraro Venturini e Adriano Muraro, realizaram ali boa parte dos ritos de infância, adolescência e vida adulta — cerimônias religiosas de batismo, primeira comunhão, crisma, casamento, formatura, todas iniciaram-se ao som dos badalos. Anos depois, os netos Paulo, Mateus, Alessandro e Bruno, seguiram a tradição.
Em meio a fotos da Fenavindima de 1987, em que Adriane foi princesa, à lembrança do irmão puxando as cordas dos sinos na infância e às memórias do avó materno, Raymundo Paviani, — ex-prefeito da cidade —, a breve conversa com os Muraro, na última quarta, não deixou dúvidas: o campanário foi, é e continuará sendo personagem de vários momentos emblemáticos da família.
Logicamente, todos deverão acompanhar a missa e a solenidade de entrega da revitalização neste sábado, a partir das 19h. Ou talvez nem seja necessário, visto que boa parte deles mora em um prédio a menos de meia quadra da torre — coincidentemente, na Rua Frei Eugênio, nomeada em homenagem ao frei capuchinho idealizador do “gigante de basalto”.
É dali, das várias janelas dos apartamentos, que os Muraro têm uma vista privilegiada do maior símbolo religioso do município, uma espécie de vizinho permanente, quase um “membro da família”. Assim como centenas de outros moradores de Flores…
OS SINOS PARAM
O projeto de revitalização do campanário de Flores da Cunha englobou uma série de ações, iniciadas em maio do ano passado. Entraram aí a correção das lesões do sistema construtivo em pedra, a instalação de equipamentos contemporâneos para os sistemas elétricos e de iluminação, a automação do relógio e do toque dos sinos, e a criação de um sistema de proteção de descargas atmosféricas. Também foram contempladas uma nova cruz, cobertura e nova acessibilidade ao pavimento térreo.
Obviamente, todo esse “agito” alterou o cotidiano do centro da cidade. O cercamento da torre por tapumes, os andaimes e o vaivém de trabalhadores, porém, ficaram em segundo plano:
— A primeira grande surpresa foi a repercussão, em Flores da Cunha, quando o relógio e os sinos pararam de tocar. Não tínhamos a noção da importância que o campanário tinha na vida, no dia a dia das pessoas. Foi algo imediato — recordou a gestora cultural Cristina Schneider, de São Leopoldo, responsável pelo projeto de revitalização.
Moradora “raiz” de Flores da Cunha, a contabilista e massoterapeuta Adriane Muraro Venturini, 57 anos, sabe bem o que isso significa:
— O que a comunidade mais sentiu falta, num primeiro momento, foi o relógio, olhar a torre e não ter as horas. Então, todo mundo ficou meio perdido. Num segundo momento, foi o badalar dos sinos no horário das missas e ao meio-dia, com as 12 badaladas indicando a troca de turno. De repente, tudo emudeceu — recordou Adriane na última quarta-feira, enquanto os trabalhos em torno do campanário seguiam em ritmo acelerado para a inauguração deste sábado.
Outro impacto foi em relação aos comunicados de falecimentos e notas fúnebres:
— Quando se ouvia o Toque do Silêncio, na cidade e arredores, todo mundo parava e tentava escutar o que o padre iria dizer, para saber quem tinha falecido. No passado, se sabia que, se tocasse o sino e após o Toque do Silêncio, tinha falecido alguém da cidade. Se tocasse só a música do silêncio, era alguém do interior. Com o passar do tempo, ficou só a música “O Silêncio”, então todo mundo parava para saber se era alguém conhecido — conta Adriane.
CLIMA DE ANSIEDADE
Expectativa para ter seu “gigante de volta” não falta à comunidade. Conforme o pároco de Flores da Cunha, frei Jadir Segalla, além da novidade da iluminação noturna, é sobre o relógio que recai a ansiedade dos paroquianos.
— O relógio é o referencial, o badalar dos sinos ao meio-dia, que marca o momento do almoço. O (descendente de) italiano é muito pontual, bateu, parou. Por trás de tudo isso também existe uma questão espiritual: o meio-dia é a hora da oração, de parar, rezar, agradecer e se alimentar — avalia Segalla.
O frei também foi testemunha, nos últimos meses, do impacto do silêncio dos sinos na hora da missa:
— Eles estão esperando ansiosos, comentam ‘a gente tá meio perdido, se a gente não bota o despertador, a gente se perde’, porque o sino bate meia hora antes da missa. O sino também tem o significado de acolher. Então, esse momento é aguardado com muito carinho — completa.
Responsável pelo projeto de revitalização, Cristina Schneider, lembrou que tamanha expectativa verificou-se recentemente, quando foram feitos testes de som pela equipe:
— Quando eles badalaram, as pessoas postaram no Instagram dizendo: “olha, o sino voltando a tocar, não vejo a hora de ele voltar a fazer parte das nossas vidas”.