Conforme já abordado neste espaço, as denominações Guarani e Caipora são até hoje lembradas entre os moradores mais antigos do bairro Lourdes e seus arredores. Parte dessa curiosa história, que mescla aspectos comportamentais e sócio-econômicos, foi destacada também pelo arquiteto Roberto Filippini, autor do recém-lançado livro O Outro Lado da Júlio - Histórias e Memórias de uma Avenida.
Citando as pesquisas do historiador João Spadari Adami, Filippini ressalta que Caipora era um apelido popular da parte leste da cidade – o nome perdurou bastante tempo como uma referência sarcástica entre os próprios caxienses a partir do final do século 19.
Uma das definições da caipora vem do Brasil Colônia, que corresponde, segundo o Aurélio, ao homem do mato, infeliz ou coitado. A Grande Enciclopédia Larousse Cultural completa com a expressão “pessoa que, na crença popular, prejudica o bom andamento dos negócios de outrem”.
Filippini acrescenta:
“O termo era depreciativo, o que certamente não representava a dedicação ao trabalho ou o caráter moral dos moradores da referida região. Para alguns, era a Rua Caipora. Para outros, referia-se à Zona Caipora ou Vila Caipora. Porém, por muito tempo, vigorou a contragosto daqueles que habitavam a região”.
Conforme Filippini, o processo de zombaria foi duradouro, e os desgostosos recorreram ao poder público para reivindicar a troca do nome, em 1930 (leia abaixo). O episódio, no entanto, ficou marcado na memória da principal avenida de Caxias.
Nas fotos comparativas abaixo, um dos trechos da Caipora: a Av. Júlio esquina com a Vereador Mário Pezzi, em direção a BR-116, em 1910 e em 1947. Detalhe: as imagens foram feitas por duas gerações de fotógrafos da família Mancuso: o pai Domingos (1885-1942) e o filho Reno (1919-1974).
A extensão
A Caipora abrangia, em seu início, uma área territorial considerável. Seguia a Júlio de Castilhos a partir da Rua Do Guia Lopes e avançava até o extremo-leste da cidade, em direção à Avenida Guarany, posteriormente denominada Rua Angelina Michielon – segundo João Spadari Adami, o nome primitivo da Avenida Guarany era Rua Mantua, devido a grande quantidade de famílias oriundas daquela região da Itália que lá habitavam.
Filippini complementa que, no final do século 19, saindo das imediações do Centro e indo em direção ao leste, a ocupação de moradias na Júlio se configurava de forma rarefeita.
“Os negócios mais importantes para a Vila de Caxias permaneciam na Rua Humberto de Campos, com o casarão do (Vicente) Rovea e, mais tarde, com a Vinícola Pieruccini, na esquina da Júlio com a futura Angelina Michielon”.
Mudança de nome em 1930
A partir da década de 1930, a região foi crescendo e agregando qualidade à sua configuração urbana. O autor Roberto Filippini destaca que a construção da Capela do Santo Sepulcro, nos anos 1930, juntou-se a um aglomerado de outras habitações que se tornaram conhecidas e respeitadas.
Citando texto de 1966 do historiador João Spadari Adami, Filippini comenta que já havia um constrangimento por parte dos moradores com a denominação pejorativa. Não tardou para que eles solicitassem a adoção de um nome oficial para a localidade.
Pelo Ato Institucional nº 48, de 5 de agosto de 1930, finalmente o nome de Bairro Guarany foi oficializado, iniciando-se uma longa desconstrução do apelido de Caipora. Já em 1942, com a inauguração da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, o nome do bairro foi novamente modificado, agora para o mesmo da igreja: bairro Nossa Senhora de Lourdes.
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