Atravessando a rua eu pensava em voz alta: “preciso encontrar uma crônica pelo caminho”. De todos os assuntos borbulhantes, o mais urgente (se é que a crônica se preocupa com isso) parecia ser a novela Carpini. O treinador vai manter o relacionamento com a torcida alviverde ou vai pular a cerca e se envolver em um novo projeto amoroso-futebolístico? Daí lembrei do Dante Andreis: “Futebol é bola na rede”. E então, sendo ou não o Carpini o treinador do próximo ano, desejo um 2024 glorioso ao Juventude.
E se eu falasse sobre a temporada de altas temperaturas? Diz que até domingo vai fazer sol de ferver a cachola. E lembrei que “cachola”, segundo o dicionário, além de ser sinônimo para “cabeça” é também o nome que se dá para aquele truque de lançar uma moeda para cima, atribuição que fica ao encargo dos árbitros de futebol, na hora de escolher quem começa com a bola. Ou seja, o Carpini tá nessa vibe, entre a cara e a coroa.
Não há um só cronista nesse mundão (cada dia menos interessado no prosaico) que não tenha sido pressionado pela falta de tempo a escrever justamente sobre a falta de assunto. A crônica, que é uma narrativa leve, registro de um cotidiano aparentemente banal, pode virar-se contra o cronista nessa luta contra o tempo. Porque, religiosamente, sempre às quartas-feiras, eu preciso entregar o texto a ser publicado no dia seguinte.
O tempo é o senhor da atividade jornalística. E já não tenho mais tempo de lançar uma moeda para cima e ver se vai dar cara ou coroa, tenho de entregar o texto para ser enquadrado nesse espaço retangular. Minha aflição, num paralelo com o futebol, é como se eu estivesse perdendo a grande chance de subir da série D para a C. E, aos 42min do segundo tempo, entre a cruz e a espada (só para não dizer cara e coroa), assim como o glorioso grená, eu entrego a crônica que me tira uma tonelada das costas. Nada apoteótico como a sapatada do Eron, de pênalti, mas tá feito. E como dizia o Dante: “Futebol é bola na rede”.
Pelo menos não recorri ao plágio, como confessou Rubem Braga, o pai da crônica brasileira. Ele revelou que usou crônicas do Carlos Drummond de Andrade, em um dos momentos em que foi pego pela dita “falta de assunto”. A confissão está na saborosa crônica Crime (do plágio) perfeito, que pode ser lida no site cronicabrasileira.org.
“O remorso, na verdade, não era muito: Carlos não sabia de nada, e o que eu fazia não era propriamente um plágio, porque nem usava matéria assinada por ele, nem punha o meu nome em trabalho dele. E Laio Martins (o editor do semanário) sorria feliz, comentando com o meu colega de redação: O Rubem não quer assinar, mas que importa? Seu estilo é inconfundível”, escreveu, bem humorado, o velho Braga.
Dos 25 mil réis que o cronista recebia, ele pagava cinco para um rapaz “contratado” por Braga para datilografar o texto do Drummond e enviá-lo ao editor do Interventor, um semanário humorístico. “Enfim, lá em São Paulo, todos éramos felizes graças ao seu trabalho: Laio, o menino, os leitores e eu – e você (Drummond) em Minas não era infeliz. Não creio que possa haver um crime mais perfeito”.
Crime mesmo, para a torcida do Juventude é a dramática novela do Carpini. Pois é, meu filho, o futebol está sempre à mercê daquela moedinha que gira alto e se revela em cara ou coroa. E ainda mais com sol na cachola. Bom para quem?