A vida, meus caros, é mais do que uma colcha de retalhos, é uma colcha de clichês. Empilhamos clichês ao longo da vida (ou vidas, para quem crê na reencarnação). Um dos clichês mais populares é o “parabéns a você”. É tão clichê que não basta proferi-lo, é preciso cantá-lo, nas mais diversas versões (inclusive o bairrista parabéns gaúcho).
Meu parabéns desta quinta-feira (30) vai para um aniversariante de quarta-feira (29). Pois é, esse é um dos dilemas do jornalismo impresso. Registrar hoje eventos passados, numa tentativa hercúlea de cravar na memória coletiva um marco histórico que seja relevante daqui cem anos ou mais.
O cara para quem tiro o chapéu é um ser humano que merece ser celebrado. Ele não é unanimidade. Aliás, por conta de sua atividade jornalística, colhe detratores sazonais, a depender da estação (não climática, mas política, por vezes econômica). A respeito da unanimidade, o mestre Nelson Rodrigues, sempre ácido e irônico (por vezes, dócil), nos ensina: “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.
O cara que parabenizo nasceu lá no Alegrete, no bioma Pampa. Terra de gente como o diplomata Oswaldo Aranha e o poeta Mario Quintana. Aliás, diplomacia e poesia estão presentes na vida desse cara. Diplomacia, sobretudo na relação com pessoas dos mais diversos grupos políticos da região — quiçá do mundo. E poesia, nas frestas do cotidiano e nas crônicas (aliás, desejo que sempre encontres tempo para abrir janelas arejadas de poética nessa jornada que teima ceifar o lirismo).
O cara que celebro a vida pisou em Caxias pela primeira vez há 35 anos. Chegou aqui dois anos antes do vexame de Sebastião Lazaroni e sua turma, na Copa de 1990. Colorado, já viu o time campeão de todas as galáxias, do Gauchão ao Mundial. Entre as lições do mundo da bola, esse cara certa vez me disse: “Não se corneteia o próprio time, Mugnol”. Piso na bola, confesso, e volta e meia corneteio meu glorioso grená (rumo à Série B).
Meu personagem de hoje é cronista de mão cheia. Já publicou livro. E cabem mais livros, inclusive. Achei um exemplar de Os Meninos do Burgo e Outras Crônicas num sebo aqui de Caxias. Voltando aos clichês e ao Nelson, o cara a quem parabenizo hoje é atento à vida como ela é ou à vida que ninguém vê (parafraseando a Eliane Brum). Seja pelas páginas do Pioneiro, pelo microfone da Gaúcha Serra ou pelos textos em GZH, Ciro Fabres está sempre desvelando as dores do mundo por trás das estatísticas.
Busquei nos versos do Quintana uma espécie de resumo poético do que em vão pretendi escrever:
“Há certas coisas que não haveria mesmo ocasião de as colocarmos sensatamente numa conversa — e que só num poema estão no seu lugar. Deve ser por esse motivo que alguns de nós começaram, um dia, a fazer versos. Um modo muito curioso de falar sozinho, como se vê, mas o único modo de certas coisas caírem no ouvido certo”.
Obrigado, amigo Ciro, por versar o cotidiano, reverberando o que realmente precisamos ouvir.