É raro, mas acontece. Eu vi. Ninguém me contou. Eu estava lá. E assisti a uma das mais lindas cenas da vida como ela é.
Rever cenários da infância sempre ativam memórias e despertam o imaginário. Com um certo distanciamento de tempo, contudo, as imagens se redimensionam, a casa, que antes parecia enorme, ajusta-se à realidade das proporções, desconstruindo as velhas lembranças.
Na casa que segue sendo o lar pra vinte e tantas crianças e adolescentes, o tempo parece reenquadrar o passado, como se rejuvenescesse até a desbotada fotografia. Nos mesmos quartos, novos personagens alimentam sonhos, projetam sua vida para fora da casa lar. E quando será? Ninguém disse isso, mas é como se vertesse das paredes da casa essa ansiosa sentença.
A urgência desse quando move sonhos. Remove obstáculos. Uns atribuem uma adoção à sorte, outros ao acaso, ou ainda a um milagre, ainda mais se a casa lar ficar à sombra de Caravaggio. Pouco importa. A vida segue pedindo passagem, com ou sem a consumação da adoção.
– Tu vais mesmo ir atrás da tua mãe? – pergunta uma das senhoras que permanece zelando por quem tanto precisa de cuidado.
– Sim, porque eu sempre quis saber como ela está – responde o rapaz de vinte e poucos anos.
– Eu acho que se fecha hoje um ciclo, com tua visita aqui, depois de tanto tempo, e com esse reencontro com a tua mãe.
Chegando à casa onde nasceu, o rapaz já não suportava a ansiedade. Não sabia o que iria encontrar, qual cenário iria se deparar ou até mesmo que sentimentos despertaria esse reencontro. Contudo, estava convicto e investido de coragem.
– Oi, lembra de mim?
– Sim… me lembro sim.
Sentados à mesa, sobre o piso de madeira que, segundo confidencia o rapaz, segue torto como ele se lembrava, conversaram sobre trivialidades. Depois de um copo de suco servido com grostoli, que a dona da casa chama de cueca virada, o rapaz, envolto em ternura, e olhando nos olhos de sua mãe biológica, disse:
– Eu quero que a senhora se sinta em paz porque eu vim aqui agradecer pelo tempo que a senhora cuidou de mim e sei que a senhora fez o que pôde e fez da forma que era possível. Não quero que a senhora se sinta culpada por nada. Eu fui muito bem cuidado, estou bem, e feliz…
Conforme ele dizia essas palavras era como se eu visse, literalmente, o filho tratar das feridas da mãe, ajudando na cicatrização, não com lágrimas, mas com amor. E abraçaram-se demoradamente.