Como é a vida de quem tem a vida bagunçada dentro de si?
Bagunça é bagunça. É desordem. É caos. E todo mundo sabe que nível de caos suporta. Há quem empilhe desordens em categorias e cores, ou até mesmo em odores. Outros incineram suas dores, mas não sabem o que fazer com as cinzas. Difícil saber como começa a bagunça, quando se vê está instaurada a confusão.
Tem a bagunça das infinitas demências que embaralham os sentidos. Meu avô Floriano era metódico e organizado, gostava de ver as coisas no seu devido lugar. Gostava de colecionar gibis, lápis, chaveiros, bolinhas de gude. Gostava de contar sobre os filmes de bang-bang que assistia na matinê. Ele só não gostava de queijo. Mas daí, quando a bagunça da demência havia embaralhado o sentido das coisas, ele passou a comer queijo.
— Tá bom, vô? — perguntou meu pai, ao vê-lo sorver agnolini com queijo ralado.
— Hmmmm, muito bom — respondeu meu avô, que, até então, não comia queijo.
Tem ainda a vida que vira do avesso quando a morte de alguém deixa uma marca tão profunda que o luto parece não ter fim. Ouvi de uma mãe que perdeu o filho de uma maneira estranhamente trágica, que a dor de sua partida ainda ecoa quase 20 anos depois que ele tombou de uma cadeira na sala de jantar. Laudo médico: morte súbita, causa desconhecida. Era um guri saudável, praticava esportes e, ironicamente, cursava Medicina.
Tem também a bagunça causada pelo horror da violência. Os livros de História relatam dezenas, centenas, milhares de guerras, batalhas, revoltas e revoluções. Houve um tempo em era preciso esperar que algum diretor de cinema inventasse as cenas de guerra pra dar conta de recriar o horror. Hoje, basta ligar a tv em qualquer horário e canal e será possível assistir a guerra ao vivo. Somos testemunhas minuto a minuto do que os livros de História vão contar. E não haverá consenso na narrativa. Porque cada um olha a vida sob o ponto de vista que consegue suportar.
E a bagunça que fica na cabeça de quem pensa que ninguém mais se importa com a morte acelerada do planeta? Animais padecem sob a cinza das florestas que ardem em chamas. Peixes asfixiam-se em terra seca onde antes era inundada pelo rio. Temperaturas extremas são reflexo do caos? Ou é o caos que provoca a distopia? E tudo vai depender sempre do ponto de vista, de qual perspectiva se observa a vida.
Enquanto isso, lembro que sempre tem alguém procurando por atalhos, geralmente os que têm algo em troca pra dar àqueles que têm a habilidade de organizar o caos alheio, no sentido coach de ser. Ou, como se diz no bom Português, o dinheiro não compra a felicidade, mas compra quem pode vender a ideia de felicidade. Só vive fora da bagunça quem tem tempo pra dar e vender, ou quem tem dinheiro pra comprar o tempo de alguém.