Certa vez li uma postagem no Twitter em que um empresário reclamava que uma candidata a uma vaga em sua empresa havia se recusado a participar de uma entrevista de emprego num domingo à noite. Diante da recusa, o empresário se justificou: “Desculpa, eu só faço entrevistas no domingo porque uso os dias de semana para trabalhar”. E ainda deu “lições de moral” do tipo “Boa sorte para arrumar emprego com essa atitude” e ainda “Cuidado com a mentalidade de eu mereço e com a zona de conforto” além de deixar implícito que a garota jamais seria “alguém na vida”. Em suma, usou todos aqueles clichês da turma que brada “trabalhe enquanto os outros dormem” para depois ter um infarto no miocárdio aos 30 e poucos anos porque se destruiu sem piedade em nome de um suposto sucesso profissional e financeiro.
De qualquer maneira, toda essa discussão tem a ver com uma das grandes verdades da nossa era: rico mesmo é quem pode decidir o que fazer com o seu tempo. Se este empresário acha válido usar o domingo para entrevistar candidatos, foi escolha exclusiva dele. Assim como foi escolha da própria moça preservar o único dia de descanso para fazer o que ela bem entendesse (ficar de bobeira, poder ver a família, encontrar os amigos). Talvez alguém pense: "Mas se ela está desempregada, deveria aceitar fazer a entrevista no dia que lhe ofereceram, seja domingo ou não". Contudo, será que neste caso a garota apenas não queria trabalhar para um chefe que marca entrevistas de emprego num domingo?
Tudo na vida é questão de escolha. Escolher como administrar seu tempo é o máximo de liberdade e de riqueza que alguém pode ostentar. Estar preso às decisões de outros sobre o seu próprio tempo certamente gera estresse, ansiedade, frustração. Não é à toa que o trabalho remoto, a flexibilidade de horário, a jornada baseada em projetos finalizados dentro de um prazo determinado parecem ser cada vez mais o caminho a seguir. Produtividade e competência não se medem tanto pela presença física durante 8 horas diárias à disposição da empresa e na empresa, mas pela capacidade do profissional de dar conta de suas tarefas e compromissos acordados, de trabalhar colaborativamente, de cooperar para um ambiente saudável como membro de um time.
Por isso é um contrassenso gigantesco o fato de que haja tantas campanhas – veladas ou descaradas – para que o trabalho presencial volte a ser quase que obrigatório e até pareça o melhor a se fazer. Melhor para quem exatamente? Pelo visto, ainda há recrutadores/empresários que não entendem que o tempo, hoje, é o bem mais importante para qualquer pessoa numa sociedade livre e democrática. Ter tempo para si, para a família, para os amigos, para se exercitar, para usufruir do "ócio criativo" é um bem imensurável. Nosso tempo é essencial para preservarmos outra importante riqueza desta época: nossa saúde mental.