Mesmo após a manifestação feita pelo Ministério Público nesta quinta-feira (08), que rechaçou a possibilidade de prefeituras decidirem não cobrar a vacinação contra a covid dos estudantes da rede pública, a posição do Executivo caxiense segue sem alteração. Nesta sexta-feira (09), em entrevista à coluna, o prefeito Adiló Didomenico ressaltou que não vai tomar nenhuma medida em relação a pais ou responsáveis que não fizerem a imunização das crianças contra o coronavírus.
Vale ressaltar que as medidas cabíveis não se referem a qualquer bloqueio da matrícula. Todas as autoridades concordam que a inscrição tem que ser garantida, sendo necessária somente a apresentação da carteira de vacinação no primeiro momento.
A divergência começa depois, quando os documentos apresentados são avaliados, e caso seja constatada a falta de alguma vacina do calendário obrigatório do Ministério da Saúde (o que é o caso da covid, deste o início deste ano), devem ser tomadas medidas administrativas. O primeiro procedimento é recomendar aos pais que seja feita a imunização, e caso ela não ocorra, órgãos como o Conselho Tutelar e o MP são acionados.
E é esta última etapa que a prefeitura de Caxias não vai fazer. Segundo Adiló, as famílias vão ser chamadas, orientadas e encaminhadas a uma UBS. No entanto, quem não vacinar contra a covid não terá nenhuma consequência, sem encaminhamento do caso para outras instâncias.
— Nós continuamos com a mesma posição: a escola vai orientar e vai encaminhar a família à UBS, mas nós vamos respeitar a autonomia dos pais. Nós vamos fazer encaminhamento, mas não vamos exigir, pois isso aí é uma questão extremamente polêmica, nós só vamos criar animosidade entre as famílias, e não é esse o nosso objetivo — ressalta.
De acordo com o prefeito, o foco está em outras doenças, e a polêmica em torno da questão da covid estaria, inclusive, prejudicando as demais imunizações. Nestes casos, segundo ele, a administração seguirá cobrando dos pais e exigindo providências de outros órgãos.
— O Conselho Tutelar é chamado quando uma criança pequena está em falha com aquelas vacinas tradicionais, e isso vai continuar acontecendo. É o fim da picada ver um bebê de dois ou três anos que não recebeu as vacinas básicas. Hoje a gente tem que ter um cuidado, e temos que dar preferência às vacinas da pólio, do sarampo e a tríplice. Se nós criarmos tumulto, acaba não acontecendo a vacina. E estamos muito mais preocupados com a dengue, que está avançando de forma assustadora em todo o país, do que com a covid, que está basicamente sob controle — entende o prefeito.
Quanto ao risco de ser responsabilizado por descumprir uma determinação do Ministério Público, Adiló se apega à questão da escassez de vacinas:
— Em primeiro lugar, tem que ter vacina disponível. Hoje não tem suficiente. Então tem que resolver outras coisas antes de cobrar do prefeito uma postura em relação a isso.
Provocado a se posicionar após as declarações de prefeitos de cidades da Serra sobre o tema, o Ministério Público do RS emitiu uma nota na quinta-feira. No documento, o órgão ressalta a obrigação legal dos municípios em exigir o cumprimento do calendário de vacinação, independentemente da vontade dos pais. Em entrevista à Rádio Gaúcha, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do Ministério Público Estadual, Cristiane Della Méa Corrales, explicou o entendimento do MP, e descartou argumentos como falta de vacinas ou de tempo hábil para a imunização.
— A Secretaria Estadual da Saúde já se manifestou a respeito desses decretos, no mesmo sentido que o Ministério Público está interpretando. A informação que eu tive é que não faltam doses nessa região, talvez em algum município, mas aí pode ser remanejado de outro. E o tempo hábil, a própria legislação estadual prevê 60 dias para a família fazer a imunização, o que significa que nós podemos organizar um cronograma que seja possível a imunização. Mas isso não é justificativa para, até porque não há uma legitimidade em nosso ordenamento jurídico, o prefeito fazer essa dispensa para as famílias. Isso não é um argumento válido para fazer esta ilegalidade — declarou Cristiane.
Outro ponto ressaltado pela coordenadora é a possibilidade de responsabilização dos prefeitos que descumprirem a norma:
— A responsabilização jurídica é possível, pois há subsídios suficientes para discutir a legalidade das determinações e também a responsabilização dos gestores, pois com estes atos estão impactando a política nacional de vacinação e obstaculizando o exercício da saúde de crianças e adolescentes, baseada em uma política pública do Ministério da Saúde. O MP está advertindo e esclarecendo que estes atos não são permitidos.
Confira a íntegra da nota do Ministério Público:
O Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio dos Centros de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude e dos Direitos Humanos e da Proteção aos Vulneráveis, nesta quinta-feira, 8 de fevereiro, manifesta-se acerca da vacinação de crianças e adolescentes, considerando que prefeitos Municipais do Estado editaram decretos dispensando a obrigatoriedade da apresentação de atestado de vacinação contra a COVID-19 durante matrículas e rematrículas em estabelecimentos de ensino.
O MPRS ressalta que estes decretos contrariam as legislações federal e estadual, violando assim o direito fundamental à saúde assegurado pela Constituição Federal. Reforça também a importância da vacinação para o controle e a erradicação de doenças imunopreveníveis, alertando para os riscos causados às crianças e adolescentes que porventura não se imunizarem, de acordo com critérios definidos pelas autoridades sanitárias.
Segundo a Lei Estadual nº 15.409, de 19 de dezembro de 2019, é obrigatória a apresentação, pelos pais ou responsáveis, da carteira de vacinação dos alunos no ato de suas matrículas ou rematrículas nas escolas das redes de ensino público e privado do Rio Grande do Sul. Portanto, todas as escolas devem exigir, no ato de matrícula e rematrícula, a carteira de vacinação completa dos alunos, de acordo com o Programa Nacional de Imunizações (PNI) definido pelo Ministério da Saúde, que inclui a vacinação contra COVID-19 para crianças entre 6 meses e 4 anos, 11 meses e 29 dias de idade.
Destaca, ainda, que Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2020, fixou a seguinte tese sobre a constitucionalidade da vacinação obrigatória de crianças: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
A partir de tal entendimento, uma vez recomendada pelas autoridades sanitárias, não apenas a imunização contra a Covid-19, mas todas as demais incluídas no PNI, sob os mesmos fundamentos, devem ser exigidas pelas autoridades competentes, ainda que contra a vontade dos pais ou responsáveis, considerando o dever de proteção da criança e do adolescente pela Sociedade e pelo Estado, previsto no art. 227 da Constituição.
O descumprimento da lei deve ensejar, por parte das escolas, notificação aos órgãos competentes, em especial ao Conselho Tutelar. Mas, em nenhuma hipótese, pode significar a negativa da matrícula ou a proibição de frequência à escola, em razão do caráter fundamental do direito à educação.
O MPRS prima pela atuação resolutiva, dando preferência para a intervenção na esfera extrajudicial. Mas, quando esgotadas as possibilidades de resolução consensual da situação, é necessária a adoção das medidas cabíveis, inclusive judiciais, visto que a vacinação é um direito das crianças e um dever dos pais ou responsáveis, de modo que a omissão no cumprimento desse dever inerente ao poder familiar pode ensejar a responsabilização, na forma prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.