O encontro desta segunda-feira (9) entre a prefeitura de Caxias e os credores da dívida do Caso Magnabosco foi a culminância de uma tratativa que vem se desenrolando há cerca de dois anos. Depois dos contatos iniciais com poucos avanços, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2023, que sinalizou uma possibilidade de rediscutir a questão e chamou as partes para uma conciliação, abriu as portas para negociações mais profundas.
Com isso, os contatos se intensificaram. Sem alarde, cerca de 20 reuniões foram realizadas entre as partes, e a vinda a Caxias do Sul de representantes do fundo que adquiriu os direitos da dívida é um sinal de que a situação chegou perto de um acerto. Para tal, o ponto fundamental é a proposta da prefeitura sobre os valores que serão repassados aos credores, que foi inicialmente apresentada na segunda e ampliada durante uma nova reunião na manhã desta terça-feira (10). Há um acordo de confidencialidade sobre a negociação, mas a coluna conseguiu algumas informações em torno dos números apresentados e sobre como as coisas se desenvolveram.
Além de buscar um desconto no valor total, que chega a cerca de R$ 1 bilhão (contando o valor da área e, principalmente, os juros e correções desde o momento em que o município foi condenado), o Executivo caxiense levou em conta o quanto poderia desembolsar mensalmente, apertando um pouco o orçamento, mas sem comprometer as demais atividades de gestão. Com isso, a proposta inicial sinaliza um valor de pagamento mensal na casa de R$ 3 milhões. Isso pode se alongar por um prazo de quase duas décadas, fechando um desconto de 30% no valor total da dívida.
Há cerca de dois meses, uma fonte ligada às negociações confirmou que se trabalhava com a possibilidade de a prefeitura pagar até R$ 5 milhões ao mês, o que faria com que o prazo de quitação fosse menor, de aproximadamente 12 anos. A diferença entre o que se pensava naquele momento e o que foi apresentado agora pode indicar alguma margem para negociação. O tempo total de pagamento, que vai influenciar no valor mensal e no montante de desconto, é um tema que segue em debate.
A correção da parcela a ser paga, que era outra questão pendente, avançou. As partes definiram um indicador ligado à variação da Taxa Selic, e que vai fazer a correção anual das parcelas. Após o consenso, a ideia é fazer a audiência de conciliação proposta pelo STF, para consolidar o acordo, e também enviar um projeto à Câmara de Vereadores, que vai dar a autorização para a assinatura do prefeito.
As pessoas envolvidas nas tratativas têm a impressão de que as duas partes têm bons motivos para fazer o acordo, e por isso houve o avanço dos últimos meses. De parte da prefeitura, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no último mês de agosto, que cassou uma liminar que impedia o bloqueio de valores da prefeitura, aumentou a urgência, a fim de afastar essa possibilidade preocupante.
Pelo lado do fundo de investidores, que comprou a maior parte dos direitos da dívida e representa todos os credores na negociação, há a visão de que é melhor garantir logo a entrada de algum recurso, além de consolidar um fluxo constante de pagamentos. A sinalização de uma possível reabertura da causa no STF ligou o alerta de que mesmo com grandes possibilidades de vitória, a questão poderia se arrastar ainda por muitos anos, o que não interessa ao grupo.
Entenda o caso
- O Caso Magnabosco nasce a partir de um litígio que envolve a área de 57 mil metros quadrados que a família Magnabosco doou, em 1966, para construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O terreno acabou não sendo utilizado para a finalidade inicial, e acabou ocupado por centenas de moradores 10 anos depois, dando início ao bairro Primeiro de Maio. Desde então, a questão se arrasta na Justiça.
- Após ter oficialmente devolvido a área aos antigos proprietários, em 1982, o município de Caxias do Sul foi incluído no processo como polo passivo, por supostamente ter colaborado com o processo de invasão, especialmente por ter fornecido infraestrutura para a urbanização da área.
- Depois de ter sido condenado, o município ingressou com a ação rescisória, solicitando a retirada do polo passivo, em tentativa de não ter de pagar a indenização total. A questão se arrastou por anos no STJ, e em 2023 chegou ao STF.