
As coisas no Brasil andam tão surreais que Dias Gomes, se vivo fosse, chamaria de inverossímil o roteiro que nos rege. A distorção entre realidade e ficção atingiu tal ponto que até bebê reborn parece coisa normal. Porque tudo, absolutamente tudo, beira o inacreditável.
A grande história de ontem deveria ter sido a patética participação da influenciadora digital Virgínia na CPI das Bets. A moça, de vocabulário pueril e carisma de garrafa plástica, tratou o Congresso como se fosse uma extensão da sua mansão cafona em Goiânia. Mostrou que, num país onde tipos como ela são ídolos e políticos como os que a questionaram são eleitos, o fracasso institucional não é hipótese, é destino.
Mas quando o assunto é surrealismo, ninguém concorre com Janja da Silva. A primeira-dama — a quem chamo carinhosamente de “presidente em exercício” — acredita, com todas as forças do seu protagonismo imaginário, que ocupa um cargo que não tem, que foi eleita por um eleitorado que não existe, e que exerce funções que ninguém lhe atribuiu.
A viagem de Lula à China era para estreitar laços comerciais. O governo anunciou parcerias bilaterais, dezenas de bilhões em investimentos chineses, um reforço ao comércio exterior. Tudo parecia dentro do script até que, na despedida, Janja resolveu que não sairia dali sem deixar sua marca. Pediu a palavra, em um jantar de Estado com o presidente Xi Jinping, para criticar o TikTok. Isso mesmo: ela resolveu alertar o governo chinês de que seu aplicativo estaria favorecendo o avanço da extrema-direita no Brasil. Um delírio cognitivo completo, afinal de contas a China pode ser muitas coisas, mas definitivamente não é um polo de disseminação do bolsonarismo.
Janja, no fundo, fez algo pior do que falar bobagem: ela sugeriu a um governo autoritário que reprimisse ainda mais. A realidade, para ela, é uma alegoria, uma rede social com filtro. E, como sempre, coube a Lula, de volta ao papel de coadjuvante, tentar conter o dano. Disse que se tratava de um “encontro pessoal”, o que apenas reforça o quanto esse governo confunde a República com o quintal da Alvorada.
Claro, os de sempre gritam: “Ah, tá vendo? Tá criticando a mulher só porque é mulher!”. E eu respondo: se fosse o marido do governador Eduardo Leite fazendo esse papelão, meu comentário seria o mesmo. Outros dirão: “Preferia a Michelle Bolsonaro, então?”, como se o Brasil só tivesse direito a duas opções igualmente constrangedoras. Eu prefiro lembrar de dona Ruth Cardoso ou de dona Maria Thereza Goulart, que construíram um legado social sem posarem de ministras e ocuparam o cargo de primeira-dama com dignidade. A diferença é abissal.
O mais simbólico, porém, foi o vazamento da fala da imparável Janja. A informação veio de alguém graúdo, um ministro ou talvez o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que também estava lá no jantar. E isso escancara o que eu venho dizendo há meses: o governo Lula está isolado até mesmo entre os seus supostos aliados. Quando até os “amigos” começam a vazar os bastidores mais constrangedores da República, é sinal de que o barco está sem comando e a tripulação já prepara os botes salva-vidas.
O Brasil de hoje parece governado por um consórcio de egos, vaidades e delírios. A influenciadora virou pensadora nacional. A primeira-dama virou ministra. E o presidente... o presidente parece apenas um parlapatão, lutando para não perder o controle do circo enquanto os leões rugem, os palhaços tropeçam e a plateia, exausta, assiste tudo em silêncio.