"Uma ideia ultrajante", um ato "destrutivo para a democracia" e um "insulto à memória" dos combatentes que defenderam o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial (1939-45). As impressões acima sobre a suspensão do parlamento britânico poderiam ter sido ditas por qualquer membro da oposição trabalhista, mas saíram da boca de lideranças do Partido Conservador — meses antes do primeiro-ministro Boris Johnson, um conservador, fechar o parlamento nesta quarta-feira (28).
Vídeos com as declarações têm sido recuperados por usuários de redes sociais insatisfeitos com a medida. Em um deles, de três meses atrás, Sajid Javid, atual secretário de Finanças do governo, chegou a associar a medida a uma escolha ditatorial.
—Nós temos que fazer o Brexit porque é nosso dever democrático (após decisão do referendo), mas você não promove a democracia destruindo-a. Não estamos escolhendo um ditador para o nosso país — afirmou Javid, então secretário do Interior, ao ser questionado sobre a possibilidade de prorrogação do Parlamento por um novo premiê.
Em sua coluna no periódico Telegraph publicada na quarta à noite, após a decisão, Javid limitou-se a dizer que o momento é de concentração para "garantir que estamos prontos para deixar a União Europeia (UE) em 31 de outubro, aconteça o que acontecer".
As atividades do Parlamento serão suspensas por cinco semanas, a partir de 10 de setembro. O gesto visa a reduzir o tempo que deputados — agora em recesso — terão, a partir da semana que vem, para bloquear uma saída abrupta do Reino Unido do bloco, como a que o líder conservador vem repetidamente mencionando em discursos e entrevistas.
Outra liderança conservadora que já fez críticas ao recurso foi a secretária do Trabalho e Pensões e ministra da Mulher e da Igualdade, Amber Rudd. Em julho, ao ser questionada por uma repórter do canal britânico Sky News se apoiaria a proposta de suspensão, Rudd classificou-a como absolutamente ultrajante e uma sugestão ridícula.
— Considerar fechar o Parlamento para lidar com isso (o Brexit) é a ideia mais extraordinária que eu já ouvi — disse.
Desde que a decisão tornou-se pública, o Partido Conservador registrou apenas duas renúncias. Um dos dissidentes é George Young, líder do governo na Câmara dos Lordes (equivalente ao Senado). Sua função era negociar para que os representantes votassem de acordo com a orientação do partido.
Em sua carta de demissão, Young admite estar insatisfeito com o momento escolhido e a duração da prorrogação. "(A decisão) mina o papel fundamental do Parlamento em um momento crítico da nossa história", escreveu.
A líder do Partido Conservador na Escócia, Ruth Davidson, renunciou horas após o anúncio da suspensão. Notória opositora a um Brexit sem acordo, Davidson poupou críticas ao primeiro-ministro e afirmou que sua decisão se devia à maternidade.
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres ao bloco foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio. Contudo, o pacto fechado entre a antecessora de Boris, Theresa May, e os europeus no fim de 2018 acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da primeira-ministra em julho passado.
Horas após Boris Johnson anunciar sua decisão, protestos se organizaram em importantes cidades do Reino Unido. Além de Londres, Manchester, Edinburgo, Liverppol, Bristol e Cambridge receberam manifestantes pedindo que o "golpe" seja impedido e que o premiê renuncie.
Nas redes sociais, a hashtag #StopTheCoup (pare o golpe, em tradução livre) tem sido utilizada para organizar novas manifestações para esta quinta.