Prepare-se: assistiremos a dias dramáticos na Europa. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, mal cruzou o Canal da Mancha, de volta do encontro do G7, e protagonizou uma manobra política que, fosse na América Latina, haveria quem a considerasse um golpe branco. Ele pediu e a rainha Elizabeth II deu a bênção (um sinal apenas simbólico) a suspensão das atividades do parlamento por cinco semanas, a partir de 10 de setembro. O que isso significa? Os deputados, que estão em recesso de verão no Hemisfério Norte, voltarão ao trabalho na próxima terça, 3, pararão de novo no dia 10 e só retornarão em 14 de outubro, ou seja a 17 dias da fatídica data anunciada para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). O objetivo da manobra: restringir o tempo para que a Casa possa discutir alternativas para uma saída negociada do bloco econômico. O Reino Unido caminha a passos largos para o divórcio litigioso, o "no deal".
"Ultrajante", "golpista" e "imprudente" foram alguns dos adjetivos — para ficarmos nos publicáveis — usados pela oposição para classificar a ação de Johnson, que mostra sua face autoritária.
— Este dia vai entrar para a História como o dia em que a democracia do Reino Unido morreu — afirmou à rede BBC a premier da Escócia, Nicola Sturgeon.
O que o primeiro-ministro fez é legal? Sim. Mas é questionável. Nos últimos 40 anos, o parlamento nunca foi prorrogado por mais do que três semanas _ o prazo médio é de uma semana ou menos. Com essas cinco semanas em que a Europa irá prender a respiração, Johnson estará roubando do parlamento o direito (e dever) de discutir o futuro do país. Segundo os defensores da medida, é uma estratégia constitucional legítima para implementar a vontade expressa no referendo de 2016 _ 51,9% dos britânicos votaram a favor do Brexit contra 48,1% que optaram pela permanência.
O parlamento está com as mãos amarradas: mesmo se houver um voto de censura aprovado no plenário e o gabinete for extinto, o próprio Johnson permanecerá no cargo até que outra gestão conquiste apoio majoritário do Legislativo. Sem acordo para a formação de um novo gabinete, caberá ao líder interino (também Johnson) fixar a data das eleições gerais — e ele pode decidir fazê-lo só depois de 31 de outubro, forçando o Brexit duro. Outra medida poderia ser antecipar as eleições, como fez sua antecessora, para favorecer a si próprio. Johnson poderia tentar voltar com maioria mais ampla de apoio, ou seja com potência máxima para governar. Nesse caso, entretanto, seria um blefe. Theresa May tentou e o tiro saiu pela culatra.