Um dos maiores especialistas em Amazônia, o doutor em geologia pela Northwestern University Irving Foster Brow afirma que os incêndios que atingem a Amazônia eram uma tragédia anunciada. Com especialização em mudanças globais, queimadas e sensoriamento remoto, o pesquisador, cientista do centro Woods Hole, Massachusetts, e professor da Universidade Federal do Acre, critica as dúvidas levantadas pelo governo sobre os dados científicos e elogia o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais):
— Considero o site do Inpe superior ao do Nasa Earth Observatory (na quinta-feira, as informações desse site da agência americana foi usado por seguidores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais para justificar que as queimadas em 2019 estariam abaixo da média nos últimos 15 anos).
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a GaúchaZH
O senhor estuda a Amazônia há mais de 20 anos. Como avalia esse momento em que o Brasil está exposto por conta dos incêndios?
Fazem algumas décadas que temos a preocupação sobre se poderíamos ter mudanças drásticas na Amazônia. Já temos impactos de secas severas, que ocorrem com frequências extremamente rápidas: 2005, 2010, 2016. Agora, poucos anos depois, e não durante o El Niño, temos grandes queimadas. A preocupação é sobre se esse caminho irá nos levar para uma mudança radical no clima, do colapso da floresta. Não que esse evento ocorra agora, mas estamos em um caminho que potencialmente acelera a possibilidade de uma série de eventos como esse, onde temos uma mudança de sistema. Não será amanhã nem nessa década. Mas estamos vivendo um novo normal agora.
Internacionalmente, os incêndios ganharam uma projeção maior este ano. O senhor percebe diferenças em relação a anos anteriores?
Não fiz a análise de toda a Amazônia, apenas no Acre, onde moro. Até o dia 13 de agosto, o número de focos de incêndio, para o mesmo período do ano, estava equivalente a entre os registrados entre 2005 e 2010, quando houve duas secas severas. Em 2005, queimaram 350 mil hectares de floresta no Acre, em 2010, 120 mil hectares. E estamos entre esses dois números.
Muitas pessoas postaram em redes sociais reproduções do site Nasa Observatory, segundo o qual os focos de incêndio estavam dentro do padrão dos últimos 15 anos. O senhor chegou a ver?
Eu vi o observatório. Olhei e não encontrei os dados para poder compará-los. Confio mais nos dados do Inpe do que o que vi no observatório. Não consegui encontrar os números dos focos (de incêndio). Poderia fazer a comparação entre os dois. Subjetivamente, temos mais fumaça este ano do que em anos anteriores, com exceção de 2005.
Os dados do Observatório da Nasa remetem ao Global Fire Emission. O senhor confia neste site?
Não encontrei os dados lá. Olhei e, quando vi, tinham registros até 29 de abril de 2019, o que é muito atrasado.
Embora estivesse escrito que a última atualização havia sido feita em abril, o gráfico mostrava dados até o dia 21 de agosto.
Quando há um erro elementar de dado, dizendo que está atualizado até abril e não tem (os registros), tenho dúvidas. O site do Inpe tem muito mais informações e permite fazer muito mais comparações. Aliás, considero o site do Inpe superior ao do Nasa Observatory.
E a fumaça está mais persistente do que em anos anteriores?
Há um site chamado purpleair.com. O ponto mais grave (com relação ao acúmulo de fumaça) é onde os países se juntam (a tríplice fronteira Brasil, Peru e Bolívia). O pico foi em 17 de agosto, de quase 600 microgramas por metro cúbico. O recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) seria no máximo 25. As partículas (do material decomposto pelo incêndio) estão no ar. Dependendo do tamanho, podem ir distante ou mais próximo. Depende do vento. Nosso sistema respiratório é feito para filtrar poeira. Material igual ou menor a 2,5 mícron penetra fundo nos pulmões e pode entrar na via sanguínea. Essas concentrações, compostos, estão entrando no fundo dos pulmões das pessoas e no próprio sangue. Por isso, a razão de medirmos. Colocamos dois desses sensores, e o Ministério Público do Acre decidiu expandir 15 vezes. Hoje, temos 30 sensores. O custo de cada um é de aproximadamente US$ 250. Há 20 anos, custava US$ 20 mil fazer algo equivalente. É muito mais barato. Hoje, temos também a internet. Isso permite que você acompanhe em tempo real.
O senhor está preocupado com a situação da Amazônia? Pode piorar?
Do ponto de vista, esperávamos que haveria mais problemas de queimadas, não é uma surpresa. A surpresa é a falta de entendimento da situação. Parece que não aprendemos com os perigos que estamos enfrentando com a questão do clima e com o desmatamento e as queimadas. Esse ano, não é tão atípico. Mas imagine isso acontecendo todos os anos. A situação era mais ou menos previsível, a questão é que, como sociedade, não internalizamos ainda as implicações (do problema dos incêndios).
Como o senhor avalia a forma como o governo lida com dados científicos, inclusive do Inpe?
Fico triste, porque, negando (evidências científicas) você não fortalece (o país). Para um país se fortalecer, precisa ter um setor de ciência forte e crescente. E os institutos nacionais são exemplo para isso. Se não recebem apoio, se não há confiança nessas instituições, o Brasil estará perdendo ciência e status no resto do mundo. Estão negando o melhor da ciência brasileira.
O senhor conhece o trabalho do Inpe? E confia?
Sim. As informações, a transparência deles, todo mundo pode acessar os dados. O mundo inteiro pode acessar as informações. Não há mais maneira de controlar os dados. O problema é a tendência de matar o mensageiro, se não gosta da mensagem.
E essa comoção mundial com relação à Amazônia? O senhor acredita que algo pode ser feito em nível internacional?
O mundo é pequeno. Esse planeta é pequeno. Precisamos aprender a cuidá-lo. É de interesse de todos (sobre a Amazônia), como é de interesse dos brasileiros como estão sendo feitas as emissões de gases pela China, pelos EUA e pela Europa. O que um faz afeta o outro.