![Lauren Dauphin / NASA Earth Observatory Lauren Dauphin / NASA Earth Observatory](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/25312272.jpg?w=700)
Com experiência de 25 anos nos combates a incêndios na Amazônia, o coronel Paulo André Barroso é um dos homens no front da operação brasileira de combate ao fogo na floresta. Ele lidera até 400 pessoas de diferentes agências especializadas que tentam debelar os incêndios no Mato Grosso, Estado brasileiro que registra o maior número de focos. Nessa entrevista a GaúchaZH, o policial militar, secretário-executivo do Comitê estadual do Fogo, conta que a prioridade é o combate às chamas nas unidades de preservação ambiental. Nesta sexta-feira (23), por exemplo, o fogo recomeçou no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Ele explica também a dificuldade da operação na mata:
— Há muitos animais: onça, tamanduá, cobras. E, quando o fogo adentra na mata, os animais ficam perdidos, não sabem para onde ir. Eu já deparei com um tamanduá vindo na minha direção.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como está a situação hoje?
Até o dia 16 de agosto, somatório total, do dia 1º de janeiro a 16 de agosto, estamos com 12.999 focos. Isso corresponde a um aumento de 81% em relação ao mesmo período do ano passado em Mato Grosso. Mas vale destacar que os Estados da Amazônia legal tiveram aumento de 100% no número de foco em relação ao mesmo período do ano passado. Estamos com 87 veículos em campo, somando bombeiros, Defesa Civil, da Polícia Militar Ambiental, Ibama. Temos duas aeronaves apoiando combates e operações de fiscalização. Temos entre 350 e 400 homens atuando diariamente nesse combate. Estamos atendendo a 48 municípios dos 141 do Estado, isso corresponde a 34% do território.
É um território muito grande. Como está sendo feita a operação?
É muito grande a operação, o valor total dessa operação está previsto em R$ 8,5 milhões, mas, provavelmente vai aumentar, porque a gente está tendo suplementação em razão da quantidade de incêndios. Mesmo com esse efetivo no terreno, não é suficiente para atender a demanda. Há municípios aqui que são maiores do que o Estado de Alagoas. O município de Colniza tem 28 mil quilômetros quadrados, há inúmeros incêndios nesse município. A gente consegue atender alguns. São muitos incêndios. Estou agora no sul da Amazônia, estou na base aérea de combate a incêndio florestal na Amazônia (em Sorriso). Estamos com a operação Abafa, de combate a crimes ambientais relacionados a desmatamento e degradação florestal, em especial as queimadas irregulares e incêndios. Aqui, temos o período em que a gente proíbe o uso do fogo, entre 15 de julho e 15 de setembro, normalmente prorrogável até 15 de outubro. Não pode fazer fogo. Então, onde tiver fogo, além de a gente combater, multa, autua, se pegar em flagrante, conduz para a delegacia. Essa operação tem muito impacto porque colocamos todas as agências especializadas em fogo, de maneira integrada, e atuam em combate a esse tipo de crime.
Em qual local as chamas estão mais intensas?
É difícil falar onde o fogo está mais intenso. Hoje, começou incêndio florestal na Chapada dos Guimarães. A prioridade de atendimento são os incêndios em unidades de conservação. Até ontem (quinta-feira) final da tarde não tínhamos mais nenhum incêndio em unidades de conservação, estávamos combatendo incêndio em propriedades privadas e terras indígenas. E hoje estamos com incêndio no município de Chapada dos Guimarães. A região que mais queima é a região noroeste do Estado. É uma região que ainda passa por uma fase de desmatamento. A lógica aqui é assim: derruba a floresta, queima floresta. Ou queima floresta e derruba a floresta, para fazer a conversão da floresta para uso do solo, seja para pecuária ou lavoura.
Recomeçou na Chapada dos Guimarães?
Recomeçou. Houve um incêndio há duas semanas, controlamos junto com o pessoal do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Hoje, pediram apoio nosso e já fomos com uma equipe.
Como são as chamas em termos de intensidade?
Depende do tipo de vegetação. Temos três biomas aqui: pantanal, cerrado e amazônico. No bioma amazônico, o fogo, quando entra na floresta, é rasteiro. Só que é de difícil acesso, porque tem muito cipó, muitas árvores, você se perde. Não há uma referência dentro da mata, às vezes o GPS não funciona. Tem o risco dos animais. Há muito animais: onça, tamanduá, cobras. E, quando o fogo adentra na mata, os animais ficam perdidos, não sabem para onde ir. Eu já deparei com um tamanduá vindo na minha direção. Tamanduá-bandeira. Ele se assustou, voltou em direção ao fogo, tive que contornar por trás dele para jogá-lo para fora do fogo. Tamanduá é um animal que parece inofensivo, mas se ele der de cara com você ele te abraça e te mata. É um ambiente inóspito na mata, mas o fogo é baixo dentro da floresta. Do lado de fora, na lavoura, por exemplo, se pegar fogo em lavoura de milho, acontece muito aqui. O resíduo da colheita vira uma palha. Se pegar fogo nesse tipo de vegetação é muito difícil combater. O fogo atinge chamas altas, quatro metros de altura. No caso de pastagem, dois, três metros grandes. No cerrado, desde campo limpo até árvores grandes, a gente também encontra chamas grandes. Daí, a importância de uso das aeronaves.
Como as aeronaves são usadas?
Temos duas aeronaves Air Tractor, são aviões de combate a incêndio florestal de pequeno porte, que lança 3,1 mil litros de água cada vez que faz o voo. Fazemos um ataque combinado: a aeronave joga a água, diminui as chamas, dai o bombeiro, o combatente florestal, consegue se aproximar do fogo e debelá-lo até extingui-lo. É um trabalho de formiguinha. E assim a gente vai trabalhando. A base é em Sorriso, mas a gente bota o combate no local mais próximo possível do local do incêndio. Temos muitas pistas particulares. Deslocamos uma equipe de terra, estabelece uma piscina para ele ser abastecido de água. Ele fica decolando, jogando água, voltando, aterrissa, abastece. São oito a 10 voos diários. Chega a lançar 20 a 30 mil litros de água durante um dia.
O senhor trabalha há 25 anos combatendo incêndios. Que comparação faz com anos anteriores?
O que a gente observa até com os dados estatísticos, registros estatísticos do Inpe, ano sim, ano não queima. Nos últimos 10 anos, tem ano que aumenta o número de focos de incêndios, tem ano que reduz. Ano passado reduziu. Esse ano aumentou. Nossa expectativa é que diminua. mas isso não é regra, a gente depende das condições climáticas. a ação indesejável do homem é o maior motivador do início do incêndio. Se a gente entrasse em uma máquina do tempo e viajasse para 50 anos atrás não teria nenhum incêndio aqui no Mato Grosso, porque era tudo floresta ou cerrado. Mas o homem acaba por criar uma condição de risco que ameaça não só a natureza mas a própria vida humana.
Esse ano está pior ou não?
Tá difícil. Esse ano está difícil, mas não é nada extraordinário, como já não tenha sido em 2017, 2015, mas está tendo mais comoção em razão do novo governo. Tem vários agentes operando nesse cenário. Tem as fake news.