Alvo de mandado de busca e apreensão na segunda fase da Operação Capa Dura, da Polícia Civil, nesta sexta-feira (5), o ex-secretário-adjunto da Educação em Porto Alegre Mário de Lima é suspeito de ter atuado para direcionar uma compra da pasta para a Edulab Comércio de Produtos e Equipamentos, de Curitiba (PR).
Em dezembro de 2022, a empresa fechou a venda de R$ 4,2 milhões à Secretaria Municipal de Educação (Smed). Foram entregues itens como camas infantis, estantes organizadoras, gira-gira, jogos pedagógicos de encaixe e do alfabeto, entre outros.
Elementos colhidos após a primeira fase da operação, realizada em janeiro, apontam que uma servidora da Smed fazia a instrução de processo administrativo para qualificar as praças das escolas municipais com a aquisição de balanços, casas de bonecas, mesas de pebolim, escorregador e gangorra. A compra seria feita junto a uma fornecedora que não é investigada.
Conforme depoimento de duas servidoras investigadas e outros indícios colhidos pelo inquérito, o representante comercial Ciríaco Pereira Freire Junior, da Edulab, teria conseguido uma interlocução na prefeitura, por fora da Smed, para que a operação com a concorrente fosse cancelada. A aquisição foi, de fato, interrompida com a outra fornecedora. No final, a compra foi feita junto à Edulab por adesão à ata de registro de preço, instrumento conhecido como carona por permitir o aproveitamento de licitação feita por outro órgão público.
A ex-servidora da Smed Mabel Luiza Leal Vieira, que fazia a instrução da compra cancelada para as praças, disse em depoimento à Polícia Civil que Lima foi emissário da suposta ordem. Mabel atuava no gabinete da ex-secretária Sônia da Rosa, de quem tinha proximidade.
— Ele (Lima) vinha com as informações de reuniões de fora e chegava com determinações. Derrubou as praças para entrar a Edulab. Foi dito pelo Mário que deveria ser desta empresa, a mando de alguém dessas reuniões que ele participava — depôs Mabel, que foi presa temporariamente em janeiro pela Capa Dura e segue sendo investigada, em liberdade.
Nas CPIs da Câmara de Vereadores, a suspeita sobre a compra da Edulab foi abordada no dia do depoimento de Lima, em 16 de outubro de 2023. Na ocasião, foi apresentado no telão do plenário o print de uma conversa de WhatsApp que teria Mabel e Lima como interlocutores, em 29 de novembro de 2022. No diálogo, Mabel teria dito que a compra da Edulab deveria acontecer ainda em 2022 porque era "dos caras". Não foi esclarecido quem eram "os caras".
Embora vendidos pela Edulab, os brinquedos e equipamentos entregues pela empresa eram da marca Brink Mobil. Essa segunda empresa também é investigada pela suspeita de ter atuado em conluio com a Edulab nesta operação. Elas pertenceriam ao mesmo grupo econômico.
Em junho de 2023, reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que milhares de materiais comprados pela Smed da Edulab estavam empilhados em um galpão precário da Avenida Voluntários da Pátria, em meio à sujeira e ratos mortos. Neste mesmo mês, após as publicações, Lima deixou o cargo na Smed.
— Houve prejuízo à administração pública por não haver prévios estudos da necessidade dos bens, nem confecção de termos de referência adequados e outros requisitos legais. Esses brinquedos restaram estocados em depósitos, sem atender adequadamente ao interesse público — afirma o delegado Augusto Zenon, da 2ª Delegacia de Combate à Corrupção.
Conforme o delegado, a investigação reuniu elementos que deram maior solidez à versão da ex-servidora Mabel.
— Havia uma contratação em andamento de brinquedos de pracinhas que foi cancelada por pressão de um representante de outra empresa junto a altos escalões de poder — comenta Zenon.
Contraponto
O que diz Adriano Puerari, que defende Mário de Lima: "A defesa esclarece que, conforme orientação telefônica da própria Polícia Civil, em 21 de fevereiro de 2024, foi enviado e-mail a DECOR, responsável pela investigação, colocando o ex-secretário e todos os documentos a que tem acesso à disposição da Autoridade Policial. Mario requereu que fosse ouvido pela Polícia, que o ignorou. Agora, passados quase 5 meses, deflagra-se essa operação espetaculosa, para acessar o que Mario já havia colocado à disposição. Os documentos e arquivos eletrônicos apreendidos haviam sido entregues de forma espontânea, inclusive ao Ministério Público, em 2023. Sobre a definição de compras pedagógicas, o ex-secretário esclarece que as determinações cabiam exclusivamente à equipe técnica pedagógica da secretária Sônia e que os projetos passavam por avaliação orçamentária por uma equipe técnica. Caso algum projeto pretendido não tivesse orçamento, era passado à secretária titular, que fazia a definição e os encaminhamentos pertinentes. Mario reitera, ainda, que, normativamente e politicamente, não tinha nenhum poder de definição de compras ou relação com fornecedores, conforme legislação e normas de sua atuação institucional. Além disso, semanalmente, era apresentado ao centro do governo, pela SMED, a situação orçamentária do Órgão, e o governo dava a orientação final de acordo com seus objetivos políticos. O ex-secretário é e sempre foi testemunha desses fatos, não existindo absolutamente nenhuma razão para que seja considerado acusado."
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