As suspeitas de que ao longo de anos um recurso chamado verba extra foi usado para pagar serviços malfeitos ou inexistentes e sem qualquer controle ou fiscalização por parte da Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre embasaram a operação deflagrada nesta segunda-feira (9) pela Polícia Civil.
Em 2021, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que recursos públicos estariam escoando em um esquema de orçamentos combinados e superfaturados entre empreiteiros e gestores municipais, resultando em contratações direcionadas sempre para as mesmas empresas.
Na Operação Verba Extra, foram cumpridos 26 (vinte e seis) mandados de busca e apreensão (na sede de pessoas jurídica, seus sócios e dos servidores públicos) em Porto Alegre, Novo Hamburgo, Esteio, Gravataí, Viamão, Alvorada, Capão da Canoa e São José, em Santa Catarina. Na Capital, as duas sedes da Smed foram alvo de cumprimento de ordens judiciais.
Ao destacar o trabalho da Divisão de Combate à Corrupção, focado na má utilização do dinheiro público, a delegada Vanessa Pitrez, diretora do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), falou dos reflexos de desvios na área da educação:
— A operação de hoje toca num segmento muito sensível e relevante das políticas sociais, que é a educação. Os crimes apurados decorrem de fraudes licitatórias, falsificação de orçamentos, superfaturamento de contratos e consequente utilização ilegal de verbas públicas em obras e reformas de escolas que não foram feitas ou ficaram inacabadas. Isso afeta diretamente crianças e jovens que dependem de uma boa estrutura educacional para que tenham melhores perspectivas e oportunidades no futuro — concluiu.
A verba extra é um valor que deveria ser usado para socorrer escolas municipais da Capital em casos de urgência, como de um cano estourado ou de avarias em um telhado devido a temporais. Entre 2017 e 2021, R$ 8 milhões foram desembolsados pela Smed a título de verba extra. O que o GDI flagrou em 2021, no entanto, foi escolas com problemas se arrastando por anos sem solução efetiva, enquanto uma longa e repetitiva lista de serviços era paga pela Smed sem confirmação sobre a realização do trabalho.
A reportagem revelou indícios de que empresários acertavam entre si para garantir um rodízio de algumas empresas nas contratações pela Smed e que processos eram forjados para que valores de serviços supostamente feitos em anos anteriores fossem pagos com correção anos depois. O GDI também mostrou que não existia norma legal para regular o uso desse tipo de recurso extraordinário.
A investigação da 2ª Delegacia de Combate à Corrupção (2ª Decor), coordenada pelo delegado Augusto Zenon e que foi aberta a partir de reportagens do GDI, esmiuçou serviços e relações de empresários com a Smed. O trabalho foi feito em conjunto com a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, com a promotora Josiene Menezes Paim.
Ao confrontar receitas declaradas e movimentações bancárias, policiais encontraram incompatibilidades financeiras nas contas de investigados e de empresas. A falta de declaração de Imposto de Renda por parte de alguns motivou o pedido para que a Justiça autorizasse o envio de provas coletadas à Polícia Federal para eventual apuração de sonegação fiscal.
O inquérito também usou informações do relatório da auditoria especial que a prefeitura abriu quando as reportagens foram veiculadas. O trabalho da Controladoria-Geral do Município confirmou o que foi mostrado pelo GDI, indicando que empresas de fachada seriam usadas para dar aparência de legalidade ao processo de contratação, que acabava sendo direcionado a determinadas firmas, e que orçamentos de supostos concorrentes eram produzidos pela mesma pessoa.
As apurações também constataram que os processos não tinham um rito padrão que permitisse o controle sobre o que era supostamente feito e pago. Foram destacados casos em que os expedientes para execução de um serviço não eram abertos a partir de um pedido vindo das escolas, mas sim iniciados diretamente por algum dos servidores investigados.
Além das buscas, a Justiça determinou o bloqueio de bens dos investigados e a indisponibilidade de 34 veículos de propriedade dos suspeitos.
— A investigação tem caráter estritamente técnico e republicano, uma vez que houve a análise dos fatos por três instituições — Polícia Civil, MP e Controladoria Geral do Município— concluindo todos pela presença inequívoca de práticas ilícitas no gerenciamento do dinheiro público — disse o delegado Zenon.
Com a análise do material apreendido na operação, a investigação continua e os investigados serão chamados a depor.
Contraponto
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) enviou uma nota comentando a operação policial. No texto, a Smed ressaltou que, em 2021, determinou o afastamento de quatro servidores.
Confira a nota na íntegra Os fatos abordados na operação da Polícia Civil nessa segunda-feira, 9, referente a destinação de verbas extras pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) às escolas entre os anos de 2017 e 2021, foram objeto de investigação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre ainda em 2021. À época, após indicativos presentes em auditoria ordinária, o prefeito Sebastião Melo determinou a abertura de sindicância e de auditoria especial para apurar ocorrências na aplicação das verbas extras, nos repasses trimestrais às escolas e nos procedimentos administrativos.
Entre as providências estão o afastamento de quatro servidores públicos da Smed – três de carreira e um cargo em comissão – e mudanças nos processos de destinação de verbas extras às escolas.
O resultado das apurações foi remetido ao Ministério Público Estadual (MPE) e Tribunal de Contas do Estado (TCE). A prefeitura se mantém à disposição das autoridades para colaborar nas investigações da Polícia Civil.