Uma auditoria especial feita pela Controladoria-Geral do Município (CGM) confirmou suspeitas reveladas pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre o descontrole no uso de verbas extras para obras de emergência em escolas municipais de Porto Alegre. A apuração também indicou que empresas de fachada seriam usadas para dar aparência de legalidade ao processo de contratação, que acabava sendo direcionado a determinadas firmas, e que orçamentos de supostos concorrentes eram produzidos pela mesma pessoa. De R$ 4,4 milhões pagos em cinco anos por serviços, pelo menos R$ 1,4 milhão está sob suspeita de sobrepreço.
Também causou preocupação o fato de o valor de verba extra para obras ter aumentado 320% em 2020, primeiro ano da pandemia, em relação a 2019. Com o resultado da auditoria, que foi determinada pelo prefeito Sebastião Melo, foram feitas 28 recomendações de controle interno para a Secretaria Municipal de Educação (Smed).
Uma das principais é de que aquisições, obras e serviços tenham planejamento anual, reduzindo a necessidade de verba emergencial, cujo uso se banalizou e teria permitido desvios. A verba extra é um valor liberado para a solução de casos emergenciais nas escolas.
Em 4 de novembro, o GDI publicou série de reportagens mostrando os indícios de irregularidades, possibilidade de manipulação nas contratações e de desvio de valores. As reportagens esmiuçaram casos de serviços malfeitos e pagos sem fiscalização, de um mesmo empreiteiro apresentando três orçamentos - o dele e os de supostos concorrentes -, e de processos sendo montados como se o serviço fosse necessário agora, mas, na verdade, com a finalidade de pagar obras feitas anos atrás.
À época, a prefeitura informou que já vinha detectando problemas por meio de auditoria. Um dia antes da veículação das matérias, a abertura de uma sindicância foi publicada em edição extra do Diário Oficial do município.
Nesta segunda-feira (10), a CGM, por meio da Secretaria de Transparência e Controladoria, entregou ao Ministério Público o resultado da auditoria. A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público tem expediente em andamento.
A apuração do executivo municipal verificou 310 orçamentos de obras feitas em 88 escolas nos últimos cinco anos. A análise englobou documentos de 62 empresas, das quais 13 despontam como possíveis "laranjas", ou seja, concorriam nos processos, mas nunca venceram uma concorrência. Seriam usadas apenas para compor o cenário disputa. Também foi detectado que os serviços ficavam concentrados nas mãos das mesmas firmas, um grupo de seis, ao menos.
Quanto a orçamentos manipulados, a auditoria verificou que há documentos com formatação idêntica, mesmo modelo de texto, algumas vezes, com a mesma letra e até contendo os mesmos erros de cálculo. O secretário da Transparência, Gustavo Ferenci, destacou que a Smed tem se empenhado para ajudar a esclarecer todas as situações e corrigir processos. A secretaria já está trabalhando para verificar os motivos do aumento do uso de verba extra em 2020, ano de escolas fechadas pela pandemia, e também para implantar as recomendações feitas pela auditoria.
— A secretária Janaína Audino é apoiadora das investigações, assim como o prefeito. Não resta dúvida sobre descontrole e problemas de gestão, mas pode ter corrupção também e isso o MP tem mais condições do que nós de apurar. A sindicância que está em andamento também poderá aprofundar indícios — destacou Ferenci.
O trabalho teve ainda análises de serviços nos locais. Foram escolhidas as 10 escolas que gastaram os maiores valores. O prefeito Melo havia anunciado que a verificação de possíveis irregularidades ocorreria em um período de 10 anos para trás. Essa primeira etapa da auditoria contemplou cinco anos, até 2017, período em que os processos são informatizados.
A sindicância do caso deve ser concluída até o final de janeiro e também enviada ao MP. A Polícia Civil também verifica as suspeitas.
Algumas das recomendações
- Desenvolver sistema de prestação de contas dos Conselhos Escolares para permitir transparência, monitoramento e controle de gastos.
- Responsabilizar servidores envolvidos na liberação de recursos sem os procedimentos adequados.
- Planejar anualmente aquisições, obras e serviços para os Conselhos Escolares.
- Exigir que Conselhos Escolares façam fotos antes, durante e depois de cada serviço/obra.
- Adotar rotinas para verificar se há comprometimento do caráter competitivo da contratação.
- Normatizar e padronizar o fluxo de liberação de recursos.