O caso de servidores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) flagrados descumprindo a carga horária, como mostrou reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI), já está nas mãos do Ministério Público (MP). O órgão deverá investigar as condutas praticadas pelos médicos e, também, se algum superior tinha conhecimento do esquema.
A denúncia foi encaminhada na manhã desta terça-feira (29) à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre. O documento, entregue pelo ex-servidor do Samu Cleiton Felix, contém diversas alegações de que um grupo de médicos plantonistas que atuavam na central de regulação na Capital praticavam diversas irregularidades para trabalhar por menos tempo do que o previsto.
O GDI apurou que profissionais falsificavam atestados, conseguiam abonar as faltas no ponto-relógio a até colocavam garrafas d'água no teclado para se manter conectados no sistema. Tudo isso seria feito para que os servidores continuassem ganhando o salário integral mesmo trabalhando até um terço da carga horária.
A partir de agora, o MP passará a investigar os tipos de crimes que foram praticados pelos participantes do esquema. Segundo a diretora da promotoria, Roberta Brenner, trata-se de um esquema organizado em que servidores se aproveitam para receber dinheiro público de forma ilícita.
— A própria reportagem já mostra que houve fraude. Pelo que se verifica, é uma fraude estrutural. Se constata um enriquecimento ilícito que deve ser apurado. A gente busca o ressarcimento e a responsabilização na parte da área da improbidade. Isso pode acarretar a perda da função pública perda e dos direitos políticos — afirma a promotora.
Uma das linhas de investigação será verificar se o esquema era de conhecimento de superiores do Samu ou até mesmo de autoridades da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
Ao GDI, Claiton disse ter reportado o caso ao chefe. Já o coordenador do Samu no Estado, Jimmy Luis Herrera Espinoza, confirmou possíveis descumprimentos de horário.
O denunciante, que pediu exoneração do órgão, diz que espera deixar um legado de reestruturação no setor em que atuava.
— Eu sei que vai ter um impacto muito grande na minha vida, mas esse é o objetivo principal. Eu quero um dia dizer: "Não fui embora simplesmente. Reorganizei a casa, pois ela precisa urgente de uma reorganização" — afirma.
Em paralelo ao trabalho do MP, uma sindicância foi aberta pela SES e outra está sendo instaurada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). Além disso, o Ministério da Saúde afirmou que irá à Porto Alegre fazer uma vistoria na central de regulação, onde atuam os servidores.
Contrapontos
O que diz a Secretaria da Saúde do RS
"A SES não compactua com qualquer irregularidade na administração pública.
Este Gabinete da SES teve ciência sobre estes fatos na quarta-feira ao meio-dia e, de imediato, determinou a abertura de processo administrativo, que culminou com a assinatura da Portaria n. 802/2023-DGESP instaurando sindicância para apurar eventuais irregularidades já na quinta-feira, dia 24 de agosto, publicada nesta sexta-feira no Diário Oficial do Estado.
Na presença de Diretores da SES e de representante da Procuradoria-Geral do Estado, a Secretária da Saúde instalou a Comissão nesta sexta-feira, solicitando à Comissão a agilidade necessária ao deslinde do caso e a punição dos responsáveis em caso de comprovada irregularidade.
A Comissão já teve os trabalhos iniciados nesta sexta-feira (25), inclusive com oitiva de servidores e análise de documentos, e tem prazo de 30 dias para a conclusão dos trabalhos.
Ressalte-se que a SES, sempre que constata fato de irregularidade, seja por identificação própria ou por denúncia, adota as medidas cabíveis.
Reitera, ainda, que cumprimento da carga horária é dever do servidor público (Lei 10.098/94 - Estatuto do Servidor) e que o não cumprimento de carga horária é infração administrativa e sempre que identificado servidor, deve ser apurada e, se comprovada, punida.
Se comprovados os fatos, podem estes ser considerados crime e, como em todos os casos, terá encaminhamento ao Ministério Público.
A SES sempre se pauta pelo cumprimento de normas e toda e qualquer possível irregularidade será corrigida e, nos termos da lei, quando comprovada, punida.
Também conta com sistema de controle interno e, havendo necessidade, além de sindicâncias, podem ser realizadas ações internas e auditorias para qualificar e corrigir situações encontradas.
Assim, o encaminhamento foi e sempre será de corrigir erros, punir os responsáveis, quando identificados, com a total transparência que a SES sempre teve e se pauta."
O que diz o Ministério da Saúde
"O Ministério da Saúde informa que a Política de Atenção às Urgências estabelece uma quantidade de médicos por Central de Regulação de Urgência (CRU) conforme a cobertura populacional de cada localidade. É previsto que as centrais encaminhem, a cada seis meses, documentação que comprove o funcionamento do serviço, incluindo o Relatório Descritivo Analítico (RDA) que consta a escala vigente da equipe médica. Contudo, a gerência e fiscalização das escalas dos profissionais cabe aos gestores locais.
O incentivo federal para custeio anual repassado ao programa SAMU do Estado do Rio Grande do Sul é de R$ 64,5 milhões. Os critérios para manutenção de repasse está previsto pela portaria n° 3/2017. Qualquer irregularidade ou descumprimento dos critérios exigidos em portaria podem acarretar na suspensão dos repasses.
O quantitativo mínimo de profissionais para compor a sala de regulação médica do programa deve ser de 12 Médicos Reguladores/dia e 10 Médicos Reguladores/noite, conforme portaria. A unidade citada é habilitada para estimativa de cobertura populacional de 7 a 8 milhões de pessoas.
Em relação ao caso citado, o Ministério da Saúde vai realizar visita técnica à Central Estadual de Regulação do SAMU para verificar as informações trazidas pela reportagem e o funcionamento do programa SAMU na região."
Entre em contato com o GDI
Tem uma história que devemos ouvir ou sabe sobre alguma irregularidade? Entre em contato pelo e-mail gdi@gruporbs.com.br ou pelo WhatsApp (51) 99914-8529.
O que é preciso enviar?
Por favor, seja o mais específico possível. O que aconteceu e por que você acha que devemos acompanhar essa história? Documentos, áudios, vídeos, imagens e outras evidências podem ser enviados. A sua identidade não será publicada nas reportagens.
Qual é o foco das reportagens do GDI?
O GDI se dedica principalmente, mas não apenas, a verificar uso de dinheiro público, veracidade de declarações de autoridades e investigações em geral.