O médico Jimmy Luis Herrera Espinoza, que coordena a central estadual do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Porto Alegre, admitiu possíveis problemas no cumprimento dos horários dos médicos reguladores revelados pelo Grupo de Investigação do Grupo RBS (GDI). A reportagem acompanhou por dois meses a rotina de profissionais que atuam entre a noite e a madrugada na maior central de atendimento do Samu no Estado, que fica na Capital, e constatou que um grupo de médicos ignora escalas, deixa o local de trabalho no meio do expediente e submete pessoas que precisam de socorro a esperas angustiantes ao telefone.
O coordenador da central estadual do Samu, que também presta serviço numa clínica em Porto Alegre durante a semana, negou que precise estar na central diariamente, pois tem "isenção de ponto e está à disposição do Estado 24 horas por dia". Em entrevista, Espinoza ainda afirmou que outros gestores também têm conhecimento da situação.
— Na verdade, tudo que acontece dentro do Samu é de conhecimento da chefia toda — garante.
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O diretor do Departamento de Regulação Estadual na Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), Eduardo Elsade, disse não ter conhecimento sobre as cargas horárias não cumpridas. O departamento coordenado por Elsade envolve as centrais de regulação de transplantes, ambulatorial, hospitalar e de urgências. Esta última é a do Samu. Questionado sobre a demora de alguns pacientes para conseguir contato com um médico regulador, Elsade negou que o problema tenha ligação com o descumprimento de horários:
— Às vezes, o atendimento é demorado, mas não é por problema de escala. Não existe uma prática sistemática de descumprimento de horário.
Em relação à ausência da médica Giordana Vargas Correa por cerca de meia hora num plantão, caso mostrado pela reportagem, Elsade assumiu que a SES-RS teve conhecimento do caso. Mas não detalhou que medidas foram tomadas.
A SES-RS afirmou que só teve conhecimento da situação após contato do GDI, na quarta-feira (23). A pasta anunciou a criação de uma comissão de sindicância para apurar as possíveis irregularidades. O prazo para conclusão dos trabalhos é de 30 dias (veja a nota completa abaixo). A SES-RS ainda reforçou que "se comprovados os fatos, podem estes ser considerados crime e, como em todos os casos, terá encaminhamento ao Ministério Público".
Especialista vê indício de crime
Para o professor de Direito José Luiz Blaszak, especializado nas áreas administrativa e constitucional, há um forte indício do crime de omissão de socorro. Entretanto, ele afirma que esta é a ponta do iceberg. Isso porque a falta de atendimento, segundo ele, indicaria que alguém não cumpriu um plantão que deveria. E aconteceria porque quem deveria fiscalizar também não o teria feito.
— E nós vamos subindo nessa hierarquia até chegar ao ordenador dessa contratação, que provavelmente é o governo do Estado, por meio da sua Secretaria de Saúde — diz Blaszak.
Na avaliação do professor, a situação expõe descaso com a população que, muitas vezes, está com a vida em risco enquanto aguarda do outro lado da linha:
— Estamos diante de um quadro gravíssimo de má gestão pública e, sobretudo, de omissão dos médicos que deviam cumprir seu contrato integralmente.
Quem financia o Samu?
Conforme a legislação, o Samu é financiado por União, Estados e municípios, de forma tripartite. A União entra com a maior parcela (50%, conforme portaria do Ministério da Saúde). E Estados e municípios dividem o restante.
As centrais de regulação de urgência (CRUs), que recebem os chamados, podem ser divididas por cidades ou regiões. No Rio Grande do Sul, há outras três centrais regionais, em Caxias do Sul, Bagé e Pelotas. Porto Alegre tem duas centrais, a estadual, que atende a maior parte do Estado, e uma central própria, municipal, em separado.
No entanto, a SES-RS explicou que o pagamento dos médicos reguladores da CRU Estadual em Porto Alegre é feito integralmente pelo governo estadual, sem verbas da União, pois eles são servidores do Estado.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que "o incentivo federal para custeio anual repassado ao programa SAMU do Estado do Rio Grande do Sul é de R$ 64,5 milhões". A pasta afirmou que fará uma visita técnica à central estadual do Samu em Porto Alegre para verificar as informações trazidas pelo GDI.
Contrapontos
O coordenador do Samu no Estado, Jimmy Luis Herrera Espinoza, confirmou possíveis descumprimentos de horário.
O Conselho Regional de Medicina (Cremers) não quis comentar o caso.
O GDI também procurou os médicos Fabiane Andrade Vargas, Renan Rennó Schumann e Giordana Vargas Correa, mencionados nestas reportagens, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A doutora Fabiane Andrade Vargas pediu demissão na quarta-feira (23), conforme apurado pelo GDI.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) negou ter conhecimento do problema e instalou uma comissão de sindicância após o contato do GDI.
O Ministério da Saúde afirmou que irá fazer uma visita técnica à central estadual do Samu em Porto Alegre para verificar as informações trazidas pelo GDI.
Entre em contato com o GDI
Tem uma história que devemos ouvir ou sabe sobre alguma irregularidade? Entre em contato pelo e-mail gdi@gruporbs.com.br ou pelo WhatsApp (51) 99914-8529.
O que é preciso enviar?
Por favor, seja o mais específico possível. O que aconteceu e por que você acha que devemos acompanhar essa história? Documentos, áudios, vídeos, imagens e outras evidências podem ser enviados. A sua identidade não será publicada nas reportagens.
Qual é o foco das reportagens do GDI?
O GDI se dedica principalmente, mas não apenas, a verificar uso de dinheiro público, veracidade de declarações de autoridades e investigações em geral.
Veja a nota completa da SES-RS
"A SES não compactua com qualquer irregularidade na administração pública.
Este Gabinete da SES teve ciência sobre estes fatos na quarta-feira ao meio-dia e, de imediato, determinou a abertura de processo administrativo, que culminou com a assinatura da Portaria n. 802/2023-DGESP instaurando sindicância para apurar eventuais irregularidades já na quinta-feira, dia 24 de agosto, publicada nesta sexta-feira no Diário Oficial do Estado.
Na presença de Diretores da SES e de representante da Procuradoria-Geral do Estado, a Secretária da Saúde instalou a Comissão nesta sexta-feira, solicitando à Comissão a agilidade necessária ao deslinde do caso e a punição dos responsáveis em caso de comprovada irregularidade.
A Comissão já teve os trabalhos iniciados nesta sexta-feira (25), inclusive com oitiva de servidores e análise de documentos, e tem prazo de 30 dias para a conclusão dos trabalhos.
Ressalte-se que a SES, sempre que constata fato de irregularidade, seja por identificação própria ou por denúncia, adota as medidas cabíveis.
Reitera, ainda, que cumprimento da carga horária é dever do servidor público (Lei 10.098/94 - Estatuto do Servidor) e que o não cumprimento de carga horária é infração administrativa e sempre que identificado servidor, deve ser apurada e, se comprovada, punida.
Se comprovados os fatos, podem estes ser considerados crime e, como em todos os casos, terá encaminhamento ao Ministério Público.
A SES sempre se pauta pelo cumprimento de normas e toda e qualquer possível irregularidade será corrigida e, nos termos da lei, quando comprovada, punida.
Também conta com sistema de controle interno e, havendo necessidade, além de sindicâncias, podem ser realizadas ações internas e auditorias para qualificar e corrigir situações encontradas.
Assim, o encaminhamento foi e sempre será de corrigir erros, punir os responsáveis, quando identificados, com a total transparência que a SES sempre teve e se pauta."
Veja a nota completa do Ministério da Saúde
"O Ministério da Saúde informa que a Política de Atenção às Urgências estabelece uma quantidade de médicos por Central de Regulação de Urgência (CRU) conforme a cobertura populacional de cada localidade. É previsto que as centrais encaminhem, a cada seis meses, documentação que comprove o funcionamento do serviço, incluindo o Relatório Descritivo Analítico (RDA) que consta a escala vigente da equipe médica. Contudo, a gerência e fiscalização das escalas dos profissionais cabe aos gestores locais.
O incentivo federal para custeio anual repassado ao programa SAMU do Estado do Rio Grande do Sul é de R$ 64,5 milhões. Os critérios para manutenção de repasse está previsto pela portaria n° 3/2017. Qualquer irregularidade ou descumprimento dos critérios exigidos em portaria podem acarretar na suspensão dos repasses.
O quantitativo mínimo de profissionais para compor a sala de regulação médica do programa deve ser de 12 Médicos Reguladores/dia e 10 Médicos Reguladores/noite, conforme portaria. A unidade citada é habilitada para estimativa de cobertura populacional de 7 a 8 milhões de pessoas.
Em relação ao caso citado, o Ministério da Saúde vai realizar visita técnica à Central Estadual de Regulação do SAMU para verificar as informações trazidas pela reportagem e o funcionamento do programa SAMU na região."