
A prefeitura de Campo Bom rescindiu unilateralmente o contrato com a Associação Beneficente São Miguel (ABSM), administradora do Hospital Lauro Reus, o único do município do Vale do Sinos. As principais razões, elencadas em processo administrativo, são ausência de profissionais previstos em contrato, fechamento de unidades (como o plantão de pediatria) e a falta de pagamento de tributos por parte da associação, segundo o Executivo municipal.
O processo de contratação emergencial já foi finalizado e a nova gestora do Lauro Reus, por 90 dias, será a Associação Hospitalar Vila Nova, que também assumirá o comando do Pronto Atendimento da cidade. O Executivo municipal fez publicação legal com o extrato do termo de rescisão, informando que o rompimento com a ABSM passa a valer a partir do dia 17 de agosto, quando a nova contratada assumirá.
A ABSM também sofreu penalidades da prefeitura: uma multa e a proibição de licitar com o município pelo período de dois anos. A associação teria descumprido itens previstos em contrato.
Em junho, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que o Executivo municipal estudava mudar a gestora do hospital, onde, em março de 2021, seis pacientes morreram por asfixia causada pela interrupção do fluxo de oxigênio nos equipamentos de intubação, no ano passado. Outras 15 pessoas internadas faleceram nas horas ou dias seguintes, também por causa do corte no fornecimento de oxigênio, concluiu a Polícia Civil.
As principais razões alegadas pela prefeitura na conclusão do processo administrativo para rescindir o contrato com a ABSM:
- Reiteradas falhas na prestação de serviços (na apresentação de contas, nos atendimentos e no pagamento de contas).
- Ausência de profissionais plantonistas previstos no contrato, com destaque para pediatras (tanto de noite como de dia) e clínicos (durante o dia).
- Médicos sem a devida especialização prestando atendimento no plantão pediátrico.
- Ausência de médicos na escala de plantões do serviço de emergência, em alguns períodos.
- Alvarás sanitários vencidos.
- Contaminação de lixo normal com resíduos hospitalares.
- Relatórios incompletos sobre os serviços prestados e comprovantes de despesas alegadas. Atraso nesse tipo de relatório, apesar das reiteradas cobranças feitas pela prefeitura.
- Débitos com terceiros (inclusive de fornecimento de energia elétrica), que comprometem a qualidade do atendimento no hospital.
A prefeitura admite que a pandemia provocou problemas em todos os hospitais, mas ressalta ter repassado muitas verbas extraordinárias ao Lauro Reus, justamente em decorrência da emergência sanitária no país. Queixas sobre problemas no atendimento não são novidade no histórico da ABSM.
A entidade assumiu o Lauro Reus, por meio de contrato emergencial, em outubro de 2019. Em março de 2020, venceu licitação. Nos meses que antecederam as mortes por falta de oxigênio, o Conselho Municipal de Saúde da cidade vinha fazendo apontamentos e cobranças sobre os serviços oferecidos à população.
Uma vistoria do Conselho Regional de Medicina (Cremers), concluída em meados de 2021, apontou 112 irregularidades no hospital. A principal delas é a ausência de especialistas (que deveriam atuar, pelo contrato) e sobrecarga de trabalho dos médicos.
O conselho registrou que em várias especialidades havia promessa de que o serviço seria prestado por médicos de outros hospitais e clínicas, mas não há comprovação de que isso tenha ocorrido. A análise apontou, ainda, que alguns profissionais estariam vinculados a outros hospitais ligados à ABSM e foram listados como atuantes no estabelecimento de Campo Bom.
Contraponto
O que disse a ABSM, gestora do Hospital Lauro Reus, no processo administrativo:
Na defesa do processo administrativo aberto pela prefeitura de Campo Bom, a ABSM afirma ter respondido os principais questionamentos feitos. A principal alegação para não cumprimento de alguns serviços é o desequilíbrio financeiro decorrente da pandemia de covid-19. A respeito de falta de profissionais especializados, afirma que é uma situação geral no Rio Grande do Sul, notadamente a carência de pediatras. A entidade considera também que nada impede que um médico clínico geral atue em plantões pediátricos (posição que é endossada por algumas entidades médicas). Afirma, em relação aos débitos, que muitos deles (como o de energia elétrica) são anteriores a sua gestão no hospital. E que os principais serviços estão mantidos. Sobre alvarás sanitários, a ABSM afirma que a demora ocorre em decorrência da própria prefeitura ter retardado a novação desses documentos, apesar de isso já ter sido solicitado.
Procurado, Rafael França, presidente da ABSM, disse que a entidade só vai se manifestar após decisão judicial sobre o caso.