A Polícia Civil indiciou oito pessoas por homicídio culposo e duas por falso testemunho na investigação de seis mortes ocorridas no Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, depois de ocorrer interrupção de fornecimento de oxigênio, em 19 de março. A conclusão do delegado Clóvis Nei Da Silva foi entregue nesta sexta-feira (18) à Justiça de Campo Bom.
O delegado entendeu que o nexo causal entre a falha no fornecimento de oxigênio e a morte dos pacientes foi suficientemente documentada por informações constantes nos prontuários médicos dos pacientes, além de depoimentos de familiares, médicos e enfermeiras.
Ligados ao hospital foram indiciados Ricardo Pigatto, diretor-executivo da Associação Beneficente São Miguel (ABSM, gestora do hospital), e Melissa Fuhrmeister, ex-diretora administrativa do Lauro Reus, além de quatro funcionários do setor de manutenção: Diordinis Maciel de Mello, Jeferson Oliveira Miranda, Paulo Ricardo Machado Lopes e Douglas Pereira Gomes.
Da Air Liquide, empresa fornecedora de oxigênio, dois funcionários foram enquadrados por homicídio culposo, Marcelo Sauner Junior e Bruno Elias de Souza, e dois por falso testemunho: Sérgio Aguiar e André Luis Maciel.
A apuração é do Grupo de Investigação da RBS (GDI).
Para a Polícia Civil, o hospital e a Air Liquide são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de oxigênio aos pacientes. O delegado entendeu que houve falha injustificada da Air Liquide ao não repor o insumo no tempo correto e que o hospital deixou de adotar medidas necessárias para prevenir a falta do gás.
A advogada Franciele Kozlowski, que representa quatro famílias que tiveram pacientes mortos na tragédia do hospital Lauro Reus, gostou do resultado do inquérito. Ela já comunicou os indiciamentos aos seus clientes, parentes de Málsia Beatriz Mauser, Carmem de Fátima Liczbinski, Vani Heloína Diesel e Suraí Silva da Silva.
— Eles sabem que não há valor que lhes devolva os familiares vivos. Não há o que pague. Mas querem que os culpados sejam punidos. Vamos acompanhar até o fim esse processo, pressionar o Ministério Público para que denuncie a todos.
Franciele considera claro que uma cadeia de omissões levou às mortes, como é usual em acidentes:
— Óbvio que ninguém desejava as mortes, mas vários deixaram de cumprir seu dever e têm de pagar por isso.
Na sindicância que conduziu, o Lauro Reus indicou, por meio de conversas telefônicas registradas em cartório, que Marcelo Sauner Junior, representante da Air Liquide, foi avisado dos níveis de oxigênio um dia antes da tragédia e prometeu fazer a reposição no Lauro Reus na manhã do dia 19. Mas o reabastecimento só ocorreu depois que o gás acabou no cilindro principal e as baterias reserva não funcionaram como deveriam.
Para a polícia, as seis mortes registradas naquele dia foram em decorrência da falta de oxigênio. As vítimas são Suraí Silva da Silva, 51 anos, Fernando Cora da Silva, 39 anos, Zeli Maria Dias, 59 anos, Carmem de Fátima Liczbinski, 67 anos, Málsia Beatriz Mauser, 48 anos e Vani Heloína Diesel, 66 anos.
Os indícios levados em consideração pela Polícia Civil são materiais e testemunhais:
- Os prontuários médicos dos pacientes, assinados por médicos e enfermeiros embasaram o inquérito. Eles escreveram que as mortes ocorreram durante falta de fornecimento de oxigênio nos dutos dos pacientes entubados
- Os depoimentos desses profissionais da saúde que atenderam aos pacientes que morreram também viraram provas. Eles descrevem como causa das mortes hipóxia (falta de ar) e síndrome respiratória aguda (Sars, um dos sintomas de covid-19)
- A Polícia Civil diz que documentos demonstram o dever de fornecimento de oxigênio aos pacientes por parte do Hospital Lauro Reus. O delegado entende que os dirigentes da ABSM (a mantenedora do hospital) são culpados de negligência ao contratar uma mesma equipe de manutenção para atuar em diversos hospitais. Isso impediu que ela estivesse em Campo Bom na manhã da tragédia
- Os quatro funcionários da mantenedora (a ABSM) que deveriam estar no Lauro Reus e tinham conhecimento para restabelecer o fornecimento de ar, não estavam. Eles estavam em outros hospitais gerenciados pela ABSM. Por isso, também foram indiciados por homicídio. Ao menos um deles deveria ter verificado os níveis de oxigênio
- A empresa Air Liquide do Brasil, mediante contrato firmado com o hospital, tinha dever de fornecer oxigênio. A polícia entende que esse dever não foi cumprido. O inquérito conclui que a Air Liquide poderia reabastecer o oxigênio na noite anterior às mortes e não o fez, de forma injustificada. Por isso, dois dirigentes da Air Liquide foram indiciados por homicídio culposo
Com a conclusão do inquérito, o Ministério Público de Campo Bom também deve fechar o expediente que apura o caso. A polícia, no entanto, tem mais dois inquéritos sobre mortes no Lauro Reus: um apura 15 óbitos ocorridos nos dias posteriores ao problema com oxigênio e o outro verifica as circunstâncias de três mortes, mais recentes.
Além disso, o Ministério Público Federal também verifica possíveis irregularidades financeiras nos repasses de verbas da prefeitura à mantenedora do hospital. Também deve ser concluído na próxima semana o relatório da CPI da Câmara de Vereadores de Campo Bom.
Contraponto
O que diz a Associação Beneficente São Miguel, gestora do Hospital Lauro Reus
"Até este momento, o hospital não teve acesso ao inquérito e não irá se posicionar."
O que diz a Air Liquide
"A Air Liquide se manifestará somente após ter acesso ao relatório final das investigações, o que ainda não ocorreu. Reitera, no entanto, sua postura de total colaboração com as autoridades e investigações em curso."
O que dizem os indiciados
Melissa Fuhrmeister, ex-diretora administrativa do hospital: ainda não foi notificada e, por isso, diz que não tem o que manifestar, por enquanto.
Ricardo Pigatto, diretor da ABSM: "Estou chocado. Não sabia. Tenho de ver essa informação com o advogado."
GZH tenta contato com os demais.