Às 8h12min da manhã de 19 de março, surge no grupo de WhatsApp denominado "Gestores HLR/ABSM" o primeiro alerta do horror que se instalaria no Hospital Municipal Lauro Reus, de Campo Bom, a partir daquele momento: "Gente, estamos sem oxigênio".
E segue, às 8h13min: "Urgente, quem pode ajudar", questiona a mesma funcionária.
A fala seguinte revela a surpresa de membros da própria direção do hospital. Também às 8h13min, o então diretor-técnico da instituição, o clínico geral Thiago Serafim, pergunta: "Como assim?".
Os pedidos de socorro e diálogos para tentar socorrer pacientes entubados — seis deles morreram durante o episódio — foram extraídos do telefone celular de um funcionário do setor de compras do Lauro Reus e registrados em ata notarial que faz parte da sindicância feita pelo hospital para apurar as circunstâncias da interrupção do fornecimento de oxigênio.
Há mensagens escritas e gravadas. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) teve acesso à íntegra da apuração interna.
No momento em que a conversa começa, o tanque principal de gás estava zerado e o sistema reserva não funcionava como deveria. Entre as hipóteses mencionadas por testemunhas na sindicância para a falha do back up estão a falta de pressão do tanque reserva, congelamento do sistema de acionamento e até falta de conhecimento sobre como acionar a última bateria reserva — já que a primeira teria sido toda gasta ou estaria prestes a acabar.
A conversa segue com o médico Serafim perguntando pelo pessoal da manutenção. Às 8h13min, outro funcionário diz: "Alguém da manutenção tem que vir urgente, não acionou a bateria reserva".
Quatro minutos depois, uma enfermeira pede: "A gente precisa de ajuda lá na unidade dois, gurias. Vão pra lá, pelo amor de Deus".
Às 8h18min, o diretor-técnico escreve: "Meu Deus!". E complementa, às 8h21min: "Chamei o Dieison" (funcionário da manutenção que havia sido demitido quatro dias antes do fato). Um minuto depois, diz: "Mora perto aí".
Uma funcionária manda emojis de mãos rezando. Às 8h31min, uma notícia boa: "Rede estabilizada".
Às 8h37min, um funcionário do setor de faturamento informa: "Oh, gente, ligaram da prefeitura disseram, dizendo que quem tem carro é para passar em cada unidade de saúde que eles estão disponibilizando o que tiver em cada unidade de saúde. Pra pegar o carro particular e passar em cada unidade de saúde que eles estão disponibilizando o que tiver de, de, oxigênio pra trazer pro hospital".
Às 8h44min, mais uma mensagem tranquilizadora: "A rede está estabilizada, Air Liquide já está vindo".
Air Liquide é a empresa fornecedora de oxigênio do Lauro Reus. Na sindicância, o hospital apontou responsabilidade dela no evento, pelo fato de não ter ido repor o insumo quando teria sido avisada dos níveis baixos, um dia antes da tragédia.
Na sequência da conversa, às 8h45min, a diretora administrativa do Lauro Reus, Melissa Fuhrmeister, envia emojis de mãos rezando.
Às 9h10min, nova mensagem sobre entrega do insumo: "Previsão do caminhão de cilindros 10 minutos, do oxigênio de rede 50 minutos". Às 9h54min: "Chegou".
No período de interrupção de fornecimento de oxigênio, seis pacientes morreram, sendo dois que estavam na emergência e quatro, na UTI. O caso segue em investigação pela Polícia Civil e pelo Ministério Público estadual e federal.
O que diz a empresa Air Liquide:
"No dia 19 de março, a Air Liquide foi acionada pelo Hospital Lauro Reus para fornecer suporte técnico e auxiliar na ativação do sistema de backup de oxigênio. A equipe da Air Liquide prontamente ofereceu suporte remoto para a equipe de manutenção que estava no hospital para iniciarem com sucesso o sistema backup. Além disso, a Air Liquide forneceu ao hospital novos cilindros de oxigênio para complementar os reservas, que já estavam cheios e em operação quando eles nos contataram. Atualmente, os fatos estão sendo investigados. A Air Liquide continua colaborando com o governo local, autoridades da saúde e com as investigações em questão".