O Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, ficou sem oxigênio no tanque principal na manhã de 19 de março, quando seis pacientes com covid-19 que estavam entubados morreram. A confirmação consta do relatório de uma auditoria feita pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) e já encaminhada ao Ministério Público e aos responsáveis pelo hospital.
A conclusão apurada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) aponta que o problema no Lauro Reus foi "multifatorial", ou seja, mais de um fator contribuiu para que o tanque principal de ar esvaziasse sem ser reposto e para que o sistema de reserva não fosse acionado imediatamente. Estão na lista desses fatores: a falta de treinamento adequado para agir nesse tipo de situação, falhas na comunicação interna e no uso do Plano de Operação Padrão justamente para casos de emergência.
Também está registrado no sistema de telemetria que o nível de ar do tanque principal caiu abaixo de 30% já no dia 18 e, segundo protocolos de segurança, quando isso é registrado, é preciso fazer o reabastecimento, o que não ocorreu. Somente depois do incidente é que foi feita a reposição no tanque principal.
A SES aguarda resposta da direção do Lauro Reus, com esclarecimentos sobre os problemas levantados, para dar a auditoria como concluída. O hospital é administrado pela Associação Beneficente São Miguel (ABSM). Em abril, o presidente da ABSM, o oncologista Rafael França, já havia admitido ao GDI que a Air Liquide teria ficado de reabastecer oxigênio às 6h de 19 de março, mas não o fez. Às 8h13min, segundo França, teria começado o problema que impediu que pacientes da covid-19 entubados recebessem o ar.
A apuração da SES, com base em informações de telemetria da empresa fornecedora de oxigênio, a Air Liquide, mostrou que faltou oxigênio no tanque principal que abastece o hospital. E que o sistema de backup, que são as baterias reservas, demorou a funcionar.
Este é o segundo ponto de falhas identificado pela auditoria: funcionários do hospital não tinham treinamento para acionar a reserva. Havia oxigênio estocado, mas não foi aproveitado imediatamente. Isso explicaria o motivo de cilindros de ar de fora do hospital terem sido buscados com urgência naquela manhã.
— A ocorrência foi multifatorial. Provavelmente, foi por várias dessas razões que ocorreram falta de oxigênio no cilindro principal e demora de ar existente no backup chegar aos pacientes — diz Bruno Naundorf, diretor do Departamento de Auditoria do Sistema Único de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde.
Naundorf destacou que o trabalho da auditoria é focado em correção de procedimentos para todo o sistema hospitalar, como ocorre em casos de queda de aviões, por exemplo:
— Quando cai um avião, é por uma série de fatores somados e são criados novos mecanismos de prevenção. Estamos trabalhando em recomendações para outros hospitais, para que situações não se repitam. Esse é nosso papel.
A auditoria foi feita com visitas in loco, entrevistas de profissionais do Lauro Reus e acompanhamento de procedimentos, além da requisição de documentos a outros órgãos que estejam fazendo apuração, ao hospital e à Air Liquide. O Lauro Reus e a Air Liquide não entregaram tudo que foi solicitado. Por isso, a SES espera resposta do Lauro Reus para encerrar seu relatório.
Contrapontos
O que diz a Air Liquide:
"Sobre possíveis falhas na distribuição de oxigênio do Hospital Lauro Reus, em Campo Bom (RS):
No dia 19 de março, a Air Liquide foi acionada pelo Hospital Lauro Reus para fornecer suporte técnico e auxiliar na ativação do sistema de backup de oxigênio.
A equipe da Air Liquide prontamente ofereceu suporte remoto para a equipe de manutenção que estava no hospital. Além disso, a Air Liquide forneceu ao hospital novos cilindros de oxigênio para complementar os reservas, que já estavam cheios e em operação.
Atualmente, os fatos estão sendo investigados. A Air Liquide continua colaborando com o governo local, autoridades da saúde e com as investigações em questão.
O hospital já declarou publicamente que, durante o incidente, não ficou sem abastecimento de oxigênio. A central backup de oxigênio do hospital tinha um conjunto de cilindros reserva à disposição para situações emergenciais.
A Air Liquide Brasil tem empenhado todos os seus esforços logísticos, operacionais e de produção para garantir o abastecimento de oxigênio a todos os hospitais que atende em diferentes cidades do País, em consonância com a sua prática de proteger vidas vulneráveis durante a pandemia.
Certos de sua compreensão quanto às informações expostas até aqui, a Air Liquide Brasil agradece a atenção e permanece à disposição."
O que diz Rafael França, presidente da ABSM, que é gestora do Hospital Lauro Reus:
"Analisaremos os dados, para que, eventualmente, possamos nos manifestar. Estamos bem tranquilos, temos acompanhado os resultados do inquérito."