O Ministério Público (MP) de Campo Bom, no Vale do Sinos, investiga se a morte de uma sétima pessoa está ligada à falha no sistema de oxigênio distribuído para pacientes com covid-19 entubados, na última sexta-feira (19), no Hospital Lauro Réus. O óbito ocorreu durante a tarde do mesmo dia, horas depois de a equipe médica ter de buscar às pressas cilindros de oxigênio portáteis para fornecer o insumo aos internados.
De acordo com a promotora Letícia Eslner Pacheco de Sá, apesar de a probabilidade da morte ter ligação com a falha ser menor em uma análise inicial, o caso precisa ser investigado:
— Pedimos também a certidão de óbito dessa pessoa para verificar qual foi a causa mortis. De qualquer modo, esse óbito da tarde já reduz bastante a probabilidade de prova desse nexo causal (relação entre causa e efeito).
No procedimento instaurado pela promotoria e enviado ao Judiciário, sete pessoas constam como vítimas. São elas: Fernando Cora da Silva, 39 anos, Malsia Beatris Mauser, 49, Suaraí Silva da Silva, 51, Zeli Maria Dias, 59, Vani Heloína Diesel, 66, Carmem de Fátima Liczbinski, 66, e Maria Gerda Kafer, 76. O MP pontua, no entanto, que ainda aguarda a chegada do atestado de óbito de todos.
No dia dos fatos, o hospital alegou que não havia como confirmar se o óbito dos pacientes ocorreu devido à falha no oxigênio e que as mortes poderiam ser consequência de uma coincidência do agravamento da doença no momento do problema. No entanto, para a promotora, não há dúvida de que faltou oxigênio para as pessoas internadas.
— Faltou oxigênio, ainda que existisse nos tanques, ele faltou no acesso aos pacientes, tanto que precisou ser substituído em todos os 26 pacientes entubados, mobilizando toda a equipe médica. Naquele intervalo de uma hora, uma hora e meia após a instabilidade, ocorreram seis óbitos. Em termos processuais, vai competir ao hospital comprovar que essas mortes ocorridas após a falta de oxigênio não decorreram desses fatos — diz Letícia.
Ainda segundo a promotora, não está claro até o momento o que causou a falha no oxigênio. Na tarde de terça-feira (23), agentes do Instituto-Geral de Perícias vistoriaram todo o sistema para elaborar um relatório técnico a fim de embasar a investigação. Além disso, uma falha humana não está descartada.
Faltou oxigênio, ainda que existisse nos tanques, ele faltou no acesso aos pacientes, tanto que precisou ser substituído em todos os 26 pacientes entubados, mobilizando toda a equipe médica
LETÍCIA ESLNER PACHECO DE SÁ
Promotora de Justiça de Campo Bom
De forma reservada, funcionários do hospital afirmaram à reportagem de GZH que o servidor terceirizado responsável pelo monitoramento e manutenção do sistema de oxigênio teria sido demitido dias antes. A promotora recebeu relato semelhante e solicitou informações ao hospital e à empresa responsável, a Air Liquide. Letícia quer saber detalhadamente quem são os responsáveis pelo monitoramento, se houve demissão e também se outras pessoas estavam treinadas para a ativação de um plano de contingência.
MP pode pedir indenização às famílias
Além da investigação para descobrir o que ocasionou a falha e se há culpados, tocada pela Polícia Civil em um inquérito, um outro procedimento deve ser aberto pelo MP para pedir indenização às famílias das vítimas. Isso só será feito após a finalização da fase inicial da investigação. Além de reparação em dinheiro, a promotoria deve buscar garantias de que o erro não volte a acontecer.
A Polícia Civil apura se houve homicídio culposo — sem intenção. O delegado Clóvis Nei da Silva está encaminhando os primeiros pedidos de depoimentos após solicitar informações ao hospital.
Além disso, o Departamento de Auditoria do SUS abriu uma apuração para verificar o ocorrido. Sanções podem ser aplicadas ao hospital, já que é um serviço público concedido. A Câmara de Vereadores de Campo Bom também instaurou comissão parlamentar de inquérito (CPI).
Posição do hospital
A Associação Beneficente São Miguel, administradora do hospital, confirmou que tomou conhecimento de um sétimo óbito. No entanto, não teria relação com a "instabilidade temporária" ocorrida durante a manhã. Sobre a investigação, declarou que "todos esses questionamentos estão sendo levados em conta em todas as investigações e que após o resultado das oitivas as autoridades e a instituição deverão se manifestar".
A empresa responsável pela distribuição de oxigênio, a Air Liquide, afirmou em nota, ainda no dia dos fatos, que "cabe à unidade de saúde gerir o seu próprio estoque de oxigênio" e que apoiou, a pedido do hospital, o restabelecimento de oxigênio após a falha, apesar de a equipe da instituição ter sido treinada para isso.