Contando o número de bueiros nas ruas de Porto Alegre, há quatro anos, GaúchaZH revelou na série de reportagens "Dinheiro pelo Bueiro" que o extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) pagava à empresa JD Construções por serviços de limpeza que não eram executados. Planilhas de cobrança descreviam limpeza de bocas de lobo que não existem.
Ao concluir inquérito sobre as suspeitas, o Ministério Público (MP) ingressou com ação civil pública contra um sócio da empresa, dois ex-gestores do DEP e dois servidores do município. Segundo a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, as condutas configuram atos de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, lesão ao patrimônio público e ofensa aos princípios da Administração Pública.
Os réus são um sócio da JD, Eduardo Trizotto Maia, os ex-gestores do DEP Francisco José Ferreira Pinto e Francisco Eduardo Mellos dos Santos e os servidores municipais Fausto Missel Vasques e Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva. A ação também é contra a empresa.
Os requeridos foram notificados a se manifestarem sobre as acusações. Depois disso, a Justiça analisará se aceita ou não a ação, mas já foi deferido pedido de indisponibilidade de ativos financeiros da JD Construções e de Maia.
A empresa recebeu pelo contrato, em cinco anos, R$ 6,4 milhões. Cálculo do próprio DEP à época, depois da publicação das reportagens, apontou que o valor ganho pela JD de forma fraudulenta teria sido de R$ 5,1 milhões, que é o valor cobrado na ação do MP.
O contrato, firmado em 2011 entre o DEP e a JD, previa serviços de limpeza de equipamentos de drenagem urbana (que são os bueiros e os poços de visita) e de bacias de retenção e detenção.
Para a promotoria, as planilhas com declaração de trabalhos superfaturados (descritos acima do que era feito) eram elaboradas por empregados da JD com a concordância de Maia. Apresentadas ao DEP, as planilhas eram aprovadas pelos fiscais do contrato sem qualquer fiscalização.
Na impossibilidade de ir às ruas conferir o trabalho, bastaria aos agentes confrontarem os dados com o cadastro geral da prefeitura. Com o aval dos fiscais, o dinheiro público vertia para pagar pela limpeza de bueiros que sequer existiam nas ruas da Capital.
Na reportagem de julho de 2016, GaúchaZH apresentou exemplos da situação de cobrança superlativa em algumas vias. Uma delas foi a Porto Rico, no bairro Lomba do Pinheiro. Via com apenas 300 metros de extensão, tinha na época, pelo cadastro geral, apenas três equipamentos de drenagem (EDs). Mas, por um serviço feito em dezembro de 2014, a JD havia cobrado a limpeza de 229 EDs. Eram 226 a mais do que havia no mapa oficial.
A ação do MP citou as suspeitas reveladas por GaúchaZH: "A partir das reportagens publicadas pelos órgãos de imprensa do Grupo RBS, o Ministério Público (pela Promotoria Criminal e pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio), o Tribunal de Contas e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre instauraram procedimentos investigatórios. O exame dos elementos de prova colhidos nas investigações do Ministério Público e da Prefeitura Municipal permitiu confirmar a integral procedência das suspeitas constantes nas reportagens jornalísticas".
Apuração da prefeitura e do MP também confirmaram que a JD cobrou valores por outro serviço previsto no contrato e que nunca foi feito: limpeza das bacias de contenção e retenção. Mesmo ser fazê-lo, a empresa inseriu nas planilhas, segundo o MP, cobrança pelo transporte de resíduos supostamente retirados das bacias.
Na ação, o MP explicou que a investigação no inquérito civil não encontrou evidências de recebimento de propina por parte dos agentes públicos suspeitos de improbidade e destacou: "No entanto, a participação dos servidores do órgão público consistiu em colaborar comissiva ou omissivamente para a fraude perpetrada pela empresa, o que os tornou coautores dos ilícitos descritos".
O promotor Cláudio Ari Mello registrou ainda que "considerando o prolongado tempo de execução de fraude, que perdurou por cinco anos e se repetia com frequência mensal, tendo se reproduzido com três engenheiros responsáveis pela fiscalização do contrato e corroborado por um diretor-adjunto do órgão, é evidente que os servidores do DEP sabiam da fraude e foram cúmplices dela".
A promotoria também apontou como "prova do dolo do empresário Eduardo Trizotto Maia na prática das fraudes" o fato de ter firmado, ainda em 2016, um Termo de Ajustamento de Conduta TAC) comprometendo-se a pagar ao município, conforme descrito na ação do MP, R$ 5,4 milhões por valores supostamente recebidos indevidamente. Mas depois de começar a pagar, a empresa recuou, e ajuizou uma "curiosa ação de anulação do TAC porque teria sofrido coerção e extorsão por parte da Prefeitura". A ação de Maia contra o município e a da prefeitura contra ele seguem tramitando na Justiça.
Enquadramento feito pelo MP
- Francisco José Ferreira Pinto, Fausto Missel Vasques, Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva e Francisco Eduardo Mellos dos Santos cometeram atos de improbidade administrativa nas modalidades de enriquecimento ilícito, lesão ao patrimônio público e violação aos princípios da administração Pública, todos na forma dolosa, porque, no exercício de suas funções de fiscais do contrato designados pelo DEP, consciente e voluntariamente aceitaram e assinaram as planilhas de cobrança de execução do serviço de limpeza de equipamentos de drenagem apresentadas pela empresa JD Construções ao Município de Porto Alegre sabendo que o número de EDs informado pela empresa era muito superior ao efetivamente existente na cidade.
- Eduardo Trizotto Maia, na qualidade de sócio e administrador da JD Construções Ltda., cometeu atos de improbidade administrativa nas modalidades de enriquecimento ilícito, lesão ao patrimônio público e violação a princípios ético-jurídicos da administração Pública, todos na forma dolosa.
- JD Construções: a responsabilidade jurídica da JD Construções decorre do fato de que a empresa, na qualidade de pessoa jurídica, beneficiou-se das fraudes cometidas pelos demais réus porque recebeu do Município de Porto Alegre o pagamento indevido de serviços que não foram prestados e que foram pagos em decorrência da fraude perpetrada pelo seu sócio e administrador Eduardo Trizotto Maia.
O que o MP pediu na ação
- A decretação da indisponibilidade dos bens de todos os réus até o valor de R$ 5 milhões. A Justiça aceitou deferiu parcialmente o pedido, bloqueando ativos financeiros de Maia e da empresa JD.
- A condenação dos requeridos pelas condutas descritas.
- A perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, o ressarcimento integral do dano, a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a 10 anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos.
Contrapontos
O que diz Daniela Soares Pereira, advogada de Francisco José Ferreira Pinto:
"Meu cliente não foi citado. Em razão de não termos conhecimento dos autos, ainda não podemos nos manifestar".
O que diz Thiago Bandeira Machado, advogado de Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva:
"Paulo Guilherme vem colaborando com as instituições de persecução criminal com o objetivo de elucidar os fatos e esclarecer sobre a sua responsabilidade acerca das imputações."
O que diz César Augusto Hack Filho, advogado de Eduardo Trizotto Maia:
"O MP entrou com uma ação que rediscute a mesma matéria já discutida no processo que tramita sobre o TAC. Tanto é verdade que o assunto está em análise pelo Tribunal de Justiça e já decisão mencionando que há conexão entre as ações. Além disso, na ação do TAC já está demonstrado que não houve fraude".
O que diz Fausto Missel Vasques:
"Não tenho informação do processo. Não posso falar no momento".
O que diz Francisco Eduardo Mellos dos Santos:
GaúchaZH tentou contato pelos telefones de Santos, mas não obteve retorno.
A série "Dinheiro pelo Bueiro"
- A primeira matéria da série foi publicada em 11 de julho de 2016.
- O impacto junto à prefeitura de Porto Alegre e aos órgãos de fiscalização foi imediato. Enquanto a matéria era veiculada na Rádio Gaúcha e no site de ZH, a Polícia Civil já abria inquérito e o então prefeito, José Fortunati, determinava abertura de sindicância no DEP.
- Na tarde do mesmo dia, a direção do departamento foi afastada. O Ministério Público de Contas abriu expediente e pediu informações ao DEP sobre o contrato. O Ministério Público Estadual igualmente abriu investigação. No dia seguinte, o engenheiro fiscal de 11 contratos, incluindo o de limpeza de bueiros, foi afastado.
- Foram suspensos todos pagamentos feitos a terceirizadas, com exigência de comprovação de serviços, e o DEP rescindiu o contrato com a empresa JD Construções, responsável pela limpeza de bueiros.
- A Procuradoria-Geral do Município concluiu sindicância confirmando as denúncias de ZH e indo além: detectou superfaturamento na limpeza de bueiros em torno de 35% nos últimos anos.
- Em setembro de 2016, a empresa JD firmou TAC por meio do qual se comprometia a ressarcir R$ 4,9 milhões, valores que teria recebido irregularmente.
- Hoje, ainda tramitam investigações na Polícia Civil e ações na Justiça referentes às fraudes.
- Na gestão do prefeito Nelson Marchezan, duas empresas suspeitas de fraudarem contratos foram declaradas inidôneas: a JB Comércio e Serviços Ambientais e JD Construções LTDA.