Por seis meses, ZH investigou como o DEP fiscaliza os serviços prestados por empresas que deveriam manter limpos os equipamentos de drenagem em Porto Alegre. Sem controle, os serviços são mal feitos e superfaturados, com prejuízos aos cofres públicos e reflexos para a população, que sofre com alagamentos decorrentes de temporais.
Pequena via de 300 metros de extensão, a Rua Porto Rico, no bairro Lomba do Pinheiro, é um exemplo de cobrança superlativa. Pelo cadastro geral da prefeitura, tem apenas três equipamentos de drenagem (EDs). Mas por um serviço feito em dezembro de 2014, a JD apresentou na cobrança 229 EDs limpos. São 226 a mais do que há no mapa oficial.
Considerando que possa haver dados defasados nesse cadastro, ZH foi ao local conferir. Visíveis na rua, de fato, existem apenas três poços de visita e nenhum bueiro.
O excesso de serviços na Porto Rico poderia se justificar por ela estar, quem sabe, em uma área que sofre com inundações rotineiras e, por isso, a equipe da JD teria voltado lá mais de uma vez naquele mês. Dessa forma, para chegar ao número de 229 EDs cobrados, a empresa precisaria ter limpado cada um dos três poços de visita 76 vezes em 30 dias.
Moradores até relatam alagamentos na parte baixa da Porto Rico, um misto de terra e de capa asfáltica, sem meio fio, e cortada por um arroio, o Taquara. Mas os poços de visita sequer estão situados no trecho baixo da via.
Outra hipótese para o excesso de cobrança pode ser de que a empresa limpou várias ruas na mesma região e, na hora de declarar o serviço na folha de medição, tudo foi descrito apenas em nome da Porto Rico. Esse tipo de declaração, porém, é inaceitável, segundo órgãos de controle consultados por ZH. Acarretaria, por exemplo, problemas de organização e controle dos serviços.
Se várias ruas de um bairro são limpas e o nome delas não consta na medição dos serviços, como o DEP saberá que esses equipamentos já foram desentupidos e que não é preciso enviar novas equipes à região?
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Uma coleção de superfaturamentos
Mas a apuração detectou que, mesmo quando ruas vizinhas de um bairro são declaradas nas medições, há ágio na cobrança. No bairro Anchieta, por exemplo, um mergulho revela isso. A JD Construções apresentou ao DEP cobrança pela limpeza, em novembro de 2015, de equipamentos de drenagem em 17 ruas do Anchieta. Em todas houve cobrança a mais.
O cadastro oficial indica que esse grupo de ruas soma 530 EDs. A empresa cobrou, no entanto, pela limpeza de 1.460. São 175,4% a mais do que o registrado no mapa da prefeitura. Essas vias ficam em uma área crítica, muito atingida por alagamentos, e, talvez por isso, merecessem reforço nas limpezas dentro de um mesmo mês, o que poderia explicar o ágio. Mas a reportagem apurou que 13 dessas 17 ruas já haviam sido visitadas pela JD apenas dois meses antes, em agosto de 2015. E a cobrança relativa a agosto também tem dados superfaturados em todas as 13 ruas. Nesse caso, foram cobrados 719 EDs que não existem.
ZH verificou também outros bairros. Veja quantos equipamentos a mais a empresa cobrou da prefeitura:
DEP mantém cadastro que poderia ser usado para controlar excessos
O contrato que prevê a limpeza de equipamentos de drenagem deve ser fiscalizado pela Divisão de Conservação (DCON) do DEP, setor responsável pela manutenção do sistema de drenagem pluvial, bem como pela operação e manutenção da proteção contra cheias.
Portanto, é a divisão que tem de zelar pelas boas condições de bueiros e poços de visita, cujo pleno funcionamento interfere diretamente na possibilidade de alagamentos em caso de temporais.
Bueiros, ou bocas de lobo, são bem visíveis e reconhecíveis nas ruas. Já os poços de visita, que também são EDs, não são tão óbvios. São identificados, geralmente, por tampas retangulares de concreto que ficam nas calçadas. Mas podem ter tampa de ferro redonda e estar instalados no meio das ruas. Se para o cidadão pode ser difícil identificar e contar esse material, para o DEP não é.
O cadastro geral é uma espécie de mapa oficial da rede pluvial da cidade. Para detectar excessos nas cobranças, bastaria que o servidor responsável por atestar o serviço fizesse uma consulta ao cadastro que, segundo norma do próprio DEP, deve ser constantemente atualizado quando ocorrem obras em Porto Alegre.
Esse mapa oficial pode ser acessado por qualquer cidadão na página da prefeitura na internet. Também é possível retirar cópia do documento diretamente no DEP. É o que engenheiros e construtores fazem para guiar suas obras sem risco de interferir na rede pluvial da cidade.
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