O delegado da Polícia Civil Paulo Costa, que descobriu uma fábrica clandestina de cigarros em Montenegro, em dezembro passado, resume como os suspeitos faturavam com o negócio:
– O esquema permitiu à organização criminosa a venda com carga tributária zero, o que torna tudo muito lucrativo para eles. Há um consórcio por trás desse delito, feito para evitar o risco do crime de contrabando. Eles se associaram e concluíram que não precisam levar tabaco ao Paraguai para fabricar cigarro com marca de lá. Fazem aqui mesmo e não pagam a taxa tributária paraguaia, nem a brasileira. Têm 0% de imposto.
O delegado não sabe informar se indústrias instaladas legalmente no Paraguai estão envolvidas nas fábricas clandestinas no Brasil ou são vítimas de pirataria de marca. Chamou a atenção que a fabriqueta descoberta em Montenegro tinha documentos fiscais paraguaios e selos do país, aparentemente autênticos.
– Pode indicar possível participação de empresários do Paraguai nesse esquema de venda no varejo brasileiro, ou não. Se fizesse isso, o empresário estaria escapando do crime de contrabando. É enquadrado apenas por sonegação e falsificação, mas não comete crime federal (contrabando), cuja pena é bem maior – diz o delegado.
A escolha pelo Rio Grande do Sul se dá em razão da oferta de matéria-prima – 80% da produção de tabaco processado (pronto para fazer cigarro) no Brasil acontece no Estado, estima o delegado federal Gustavo Schneider, de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco.
– Parte desse tabaco é desviada para cigarro clandestino, por empregados ou até pelos donos de algumas empresas – afirma Schneider.
Falências no Paraguai podem explicar migração
Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf ), estima que o cigarro clandestino no Brasil movimente de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões por ano:
– Transferir indústrias para o Brasil traria risco menor e lucro maior. Tudo indica que há ligação entre as fábricas paraguaias legais e as ilegais, que usam mão de obra paraguaia em território brasileiro.
Barros ressalta que vários crimes são cometidos na montagem de uma fábrica clandestina de cigarros: sonegação, trabalho análogo ao de escravos e sanitários (tanto nos locais de trabalho, insalubres, quanto na montagem do cigarro com produtos proibidos e/ou sem condições sanitárias, incluindo insetos e fumo mofado). O diretor do Idesf diz que a mão de obra paraguaia tem sido exportada para América Central e Europa, já que muitas das 60 indústrias tabaqueiras do Paraguai faliram, deixando máquinas e pessoas na ociosidade.
Barros afirma que um "buraco" (fábrica ilegal) fatura, em média, R$ 1,5 milhão por dia. No Brasil, calcula que existam 30 fábricas desse tipo. A marca ilegal mais vendida é a Eight, da Tabacalera del Este, do ex-presidente paraguaio Horacio Cartes.
O que diz a lei
Falsificação – Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Artigos 129, 189, 190 e 195, com pena prevista de dois a quatro anos de detenção.
Sonegação fiscal – Lei nº 4.729/1965. Pena de detenção de dois meses a seis anos e multa (artigo 1º, I).
Crimes contra a saúde pública – Artigos 274, 277, 278 e 280 do Código Penal. Pena de reclusão de um a cinco anos.
Descaminho (importação ilegal das máquinas de fabricar cigarro) – Artigo 334 do Código Penal. Pena de reclusão de um a quatro anos. -
Organização criminosa e associação criminosa – Lei 12.850/13, artigos 1º e 2º: quando quatro ou mais pessoas se unem para cometer um crime. Pena de três a oito anos de reclusão multa.
Trabalho escravo – Artigo 149 do Código Penal. Pena de dois a oito anos de reclusão e multa.
Números da ilegalidade
- 54% dos cigarros consumidos no Brasil em 2018 eram piratas.
- R$ 11,5 bilhões em impostos deixaram de ser arrecadados no Brasil em decorrência da pirataria de cigarros
- 82% é a tributação sobre o cigarro no Brasil
- 45% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), 11% de PIS/Cofins e 26% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
- 18% é a tributação sobre o cigarro no Paraguai.
- No país vizinho, um dos cigarros mais baratos custa o equivalente a R$ 0,50 enquanto o mesmo produto no Brasil sai por R$ 3
- Conforme o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), a evasão fiscal gerada pelo comércio clandestino de cigarros chegou a R$ 11,5 bilhões no Brasil e a arrecadação com cigarros legais foi de R$ 11,4 bilhões.