Maior produtor de tabaco do país há três safras, Canguçu, no sul do Estado, deve superar a colheita do ano passado e permanecer no topo nacional, conforme projeção da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). A estimativa da entidade é retirar das lavouras 22,5 mil toneladas.
Os produtores canguçuenses, desde que desbancaram em 2016 os concorrentes de Venâncio Aires, do Vale do Rio Pardo, mostram-se mais receptivos às tecnologias e a técnicas de plantio mais avançadas e, com isso, conseguiram avançar na qualidade do produto oferecido às fumageiras. Além disso, o grande número de minifúndios estimula a cultura por sua rentabilidade mesmo em pequenas áreas.
– É um município relativamente novo na atividade, um dos últimos a começar no cultivo do tabaco. Até então, não se colhia um produto de boa qualidade. Quando Canguçu atingiu esse patamar, de colher bem e com a qualidade esperada, tomou conta – explica o inspetor do departamento de Mutualidade da Afubra, Gilson Peglow.
Hoje, Canguçu tem praticamente todas as 7,2 mil estufas com ar forçado, tecnologia que facilita o processo de secagem das folhas e garante aumento da produção. A modernização também é percebida nas lavouras e na qualidade do produto.
Algumas propriedades utilizam ainda o sistema integrado de fertilização e irrigação, chamado fertirrigação, que leva água e nutrientes às plantas pela mesma tubulação, simultaneamente. Quem dispensa essa técnica, precisa preparar pé por pé. A analogia feita por lá é de que, na fertirrigação, o adubo que desenvolve a cultura é “injetado diretamente na veia”.
Quantidade de minifúndios, conhecimento da cultura e assistência técnica também são considerados propulsores da produção do tabaco. Com 56 mil habitantes, Canguçu é dominado por pequenos estabelecimentos rurais.
– É o município com maior número de minifúndios na América Latina. Então, por ser cultivado em pequenas propriedades, por depender praticamente só de mão de obra familiar e pela alta rentabilidade, o tabaco se encaixou muito bem – comenta Peglow.
Supervisor-técnico da Afubra na região sul do Estado, o inspetor pontua que são necessários, no mínimo, 50 hectares de milho para igualar a rentabilidade do tabaco plantado em um hectare. Para chegar ao mesmo rendimento de nove hectares de tabaco, Peglow estima a necessidade de cem hectares de soja:
– O pequeno produtor não tem acesso a essa terra toda. Teria de arrendar para produzir – complementa.
Cultivo é responsável por 30% do ICMS da prefeitura
O prefeito Vinicius Pegoraro (MDB) estima em 14 mil o número de pequenas propriedades rurais. Apenas o tabaco equivale a cerca de 30% do retorno de ICMS. As notas fiscais de venda emitidas pelas seis mil famílias produtoras somam, ao ano, em torno de R$ 200 milhões. Só no município, 22,7 mil pessoas dependem da cultura. Em todo o Rio Grande do Sul, o tabaco envolve cerca de 300 mil pessoas, sendo 75 mil famílias no plantio.
– É o cultivo que gera mais renda na pequena propriedade. Os produtores conseguem alta rentabilidade apesar da pouca terra – avalia o prefeito.
Ele enfatiza que os agricultores têm o hábito de investir na cidade, o que fortalece o comércio local e impulsiona a geração de emprego.
É o cultivo que gera mais renda na pequena propriedade. Os produtores conseguem alta rentabilidade apesar da pouca terra
– A qualidade de vida das pessoas que vivem no campo hoje é muito similar a de quem mora na cidade. O pessoal conseguiu evoluir nas moradias, na qualidade de vida – acrescenta o prefeito Pegoraro.
A atividade está ligada diretamente à indústria fumageira. Mediante contrato com as famílias, por meio da produção integrada, a companhia fornece fertilizantes, defensivos, dá orientação técnica e equipamentos de proteção e, após a colheita, compra o tabaco. No município, a Souza Cruz é a principal indústria atuante e adquire entre 60% e 70% do tabaco plantado.
Brasil exporta 85% da produção, o equivalente a 461 mil toneladas
O Brasil embarcou 461 mil toneladas de tabaco em 2018, gerando praticamente US$ 2 bilhões em receita. Só dos portos dos três Estados da Região Sul, onde se concentra o cultivo, saíram 457 mil toneladas, com receita de US$ 1,95 bilhão. O resultado faz do país o maior exportador de tabaco do mundo, mantendo a liderança há 26 anos.
O tabaco representa 0,8% do total das vendas externas brasileiras e 3,9% dos embarques da Região Sul. No Rio Grande do Sul – maior produtor do país – o produto foi responsável por 7,4% do total de exportações em 2018.
Conforme o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke, o Brasil detém de 25% a 30% dos negócios mundiais de fumo.
– Em 2018, tivemos uma pequena queda nas exportações em relação ao ano anterior, quando foram exportadas 462 mil toneladas, movimentando US$ 2,09 bilhões – conta.
Da produção brasileira de tabaco, mais de 85% é destinada à exportação, que vai para cem países em todos os continentes. O principal mercado é a Bélgica, seguida por Estados Unidos, China e Indonésia.
Os cerca de 150 mil produtores brasileiros cultivaram 289 mil hectares com fumo em 556 municípios. No total, são 600 mil pessoas envolvidas na produção rural e 40 mil empregados nas indústrias.
Estufas de ar forçado aceleram a secagem
A disseminação de estufas de ar forçado é um dos diferenciais da produção de tabaco em Canguçu. A família Pieper, da localidade de Chácara Paraíso, instalou duas unidades com a tecnologia, que agilizam o processo de secagem e exigem menos trabalho na propriedade. Também utiliza dois tratores comprados em 2008 e 2018. Tudo isso fez com que, em 30 anos, cada hectare passasse a render de 1,7 mil quilos para 2,8 mil quilos de tabaco.
A adoção do fumo levou a família a deixar de cultivar feijão, trigo, ervilha, pêssego e ovos. Após três décadas, restou apenas o milho, plantado hoje em 10 hectares – um a mais do que o tabaco. Mas a lucratividade é incomparável: 94% da receita vem do fumo e apenas 6% do milho. Ainda assim, o grão é considerado essencial.
– Onde plantamos milho neste ano, vamos plantar tabaco no próximo. Essa rotação conserva o solo – explica Dilnei Pieper, 46 anos.
A migração de culturas começou com o pai, Nuno Pieper, 71 anos, como forma de aumentar a renda. O filho, com ajuda da mulher, Lesandra, 40, e uma das filhas do casal Marjana, 21, deu seguimento à mudança.
– Percebemos o que estava dando mais lucro e abandonamos as culturas que não rendiam tanto – conta Pieper.
Há três décadas, os 25 mil pés de tabaco ocupavam 1,5 hectare. Agora, são 150 mil pés em nove hectares. Neste período, a produção saltou de três para 27 toneladas. Intenção é, na próxima safra, aumentar ainda mais, desta vez para 200 mil pés em 12 hectares, equivalente a 30 toneladas.
A expansão só não será maior por falta de mão de obra na família. Marjana, a filha mais velha, estuda agronomia na Universidade Federal de Pelotas e faz estágio em Rondonópolis, em Mato Grosso. Quando voltar, em março, quer aplicar o aprendizado na academia na lavoura da família.
– A gente dá todo o apoio para que as nossas filhas estudem, se formem e tragam coisas novas, de fora, para dentro da propriedade – comenta Pieper.
Agricultores migram da fruticultura para o fumo
A família Strelow trabalha para aprimorar a qualidade do tabaco. O produto entrou na vida de Patrique Strelow, 24 anos, em 2010, quando seu pai ainda era vivo. Mas a morte inesperada do idealizador da lavoura, poucos meses após o primeiro plantio, fez com que o jovem, de ajudante, passasse a dividir o compromisso sobre o cultivo de fumo com a mãe e o avô.
Dois anos depois, foi a vez do avô morrer e, em 2013, a mãe mudou-se para Pelotas, deixando toda a responsabilidade com ele e a mulher, Tamara, 21 anos. Hoje, o casal tem cinco hectares de tabaco, três a mais do que em 2013.
– Antes da decisão do meu pai, a gente tinha pêssego. Mas ele achou que o tabaco iria ser mais lucrativo e investimos – conta Strelow.
Parte da estrutura utilizada no cultivo de 20 hectares de pêssego foi adaptada para o fumo, como uma das estufas de ar forçado. A intenção do jovem agricultor, antes de aumentar a produção, é melhorar a qualidade, investindo na área atual.
– Temos fertirrigação em uma lavoura. Queremos ver se colocamos em mais áreas, mas temos de ir aos poucos – diz Tamara.
– Dá para melhorar o produto e até aumentar a colheita na mesma área plantada – complementa.
Dos 70 mil pés, 20 mil são irrigados por tubulação. A projeção, nesta safra, é colher 13 toneladas.