A Comissão Especial do Conselho Deliberativo do Inter investiga 15 fatos que se caracterizariam como atos de gestão temerária ou irregulares durante a gestão Vitorio Piffero entre 2015 e 2016 — as contas do segundo ano foram reprovadas pelos conselhos Fiscal e Deliberativo pela primeira vez na história do clube fundado em 1909.
Entre os casos apurados, serviços sem contratos, pagamentos sem apresentação de nota fiscal e adiantamentos (saques de dinheiro no caixa do clube) para bancar despesas que, em parte, não teriam sido comprovadas.
Os adiantamentos estão entre os fatos mais graves. Quase todos os setores do clube fizeram retiradas de até R$ 200 mil no biênio, valor considerado como aceitável às necessidades. A exceção foi a vice-presidência de Finanças, à época sob o comando de Pedro Affatato. A área teve os mais vultuosos saques antecipados e superou a marca dos R$ 5 milhões, que foi o montante de adiantamentos tomados pelo departamento de futebol profissional, incluindo as categorias de base — maior fatia do orçamento do clube.
Grande parte dos adiantamentos seriam para obras justificadas depois com notas fiscais de empreiteiras de sócios em comum, cujo valor total chega a R$ 9,9 milhões. Entretanto, auditorias contratadas pelo Inter não identificaram tais obras.
Um dos fatos sob análise da Comissão Especial é o pagamento de R$ 635 mil à empreiteira Keoma referente a "limpeza da área para sondagem" do Centro de Treinamento de Guaíba. O dono da empresa garante que jamais assinou contratos ou prestou qualquer serviço ao Inter. E, à época, o clube sequer tinha licença ambiental para executar serviço no local. Até hoje, o terreno segue sem qualquer tipo de intervenção. Ao todo, entraram na contabilidade do Beira-Rio 66 notas fiscais da Keoma, cobrando R$ 5,3 milhões.
Outro fato investigado é a suposta instalação de guard-rail pela Rodoseg Segurança e Engenharia Rodoviária Ltda no complexo Beira-Rio. Foram, ao menos, 10 notas fiscais, somando R$ 1 milhão. Neste caso, o problema é que a Rodoseg pertence à família de Affatato, configurando uma irregularidade. De acordo com a lei que estabeleceu o Programa de Modernização da Gestão do Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), clubes não podem celebrar contrato com empresas das quais façam parte seus dirigentes ou familiares.
Na semana passada, a comissão encerrou a fase de coleta de depoimentos. Foram convidados a prestar esclarecimentos oito ex-dirigentes, incluindo o ex-presidente Vitorio Piffero e o ex-vice-presidente de Patrimônio Emídio Marques Ferreira. O único que se negou a falar pessoalmente foi Affatato, alegando que o caso já é alvo de investigação do Ministério Público Estadual. Até o final do mês de junho, a comissão abrirá novo espaço para que todos os depoentes se manifestem por escrito, se assim desejarem.
A previsão é de que o relatório final esteja pronto e entregue em mãos ao presidente do Conselho Deliberativo do Inter, Sérgio Juchem, na segunda quinzena de julho. A Comissão Especial deverá apontar responsáveis pelos 15 fatos investigados em uma escala que varia entre baixa, média a alta gravidade. Os casos de maior contundência podem impedir por 10 anos os ex-dirigentes de ocuparem cargos eletivos e diretivos em qualquer entidade desportiva profissional.
A aplicação das punições sugeridas pela comissão dependerá de julgamento no Pleno no Conselho Deliberativo, composto por cerca de 320 integrantes. Uma cópia do relatório será enviada para a Comissão de Ética avaliar se eventuais fatos que não caracterizam atos de gestão temerária ou irregular podem ser considerados infração disciplinar.
A Comissão
— A Comissão Especial do Conselho Deliberativo do Inter foi criada em outubro, após uma sindicância, também criada pelo clube, listar 12 apontamentos de supostas irregularidades nas contas da gestão 2015/2016.
— A partir de informações preliminares, a comissão, formada por sete conselheiros, reuniu documentos, fotos e inspecionou locais em seis cidades — Eldorado do Sul, Guaíba, Imbé, Viamão, Arroio do Sal e Balneário Gaivotas (SC) —, elencando 15 fatos suspeitos que se caracterizariam como atos de gestão temerária ou irregular.
— Oito dirigentes foram convidados a depor: Vitorio Piffero (ex-presidente), Emídio Marques Ferreira (ex-vice de Patrimônio), Pedro Affatato (ex-vice de Finanças), Giovani Gazen (ex-vice jurídico), Luiz Henrique Nuñez (ex-vice de Marketing), Geraldo Almeida (ex-vice do Parque Gigante), Sandro Farias (ex-vice de Transparência) e Alexandre Limeira (ex-vice de Administração). Apenas Affatato não compareceu. A comissão aguarda manifestação dele por escrito.
— A Comissão deverá encerrar o trabalho na segunda quinzena de julho. O relatório final apontará responsáveis pelos 15 fatos investigados, com base na lei do Profut (13.155/2015). Os casos mais graves podem proibir os ex-dirigentes a ocuparem cargos eletivos e diretivos em qualquer entidade desportiva profissional por 10 anos, independente de eventuais punições cível ou criminal. A decisão final será pelo Pleno do Conselho Deliberativo.
— Cópia do relatório será enviada para a Comissão de Ética para avaliar se eventuais fatos se enquadrariam em infração disciplinar. Se isso for comprovado, a punição aos responsáveis pela Comissão de Ética pode variar de advertência até a exclusão do quadro social do clube.
— Existindo provas de dano aos cofres do clube, a presidência pode buscar reparação de prejuízo na justiça civil.
— Na esfera criminal, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual investiga eventuais delitos praticados por ex-dirigentes, incluindo na gestão do futebol.