O Ministério Público e Comissão do Conselho Deliberativo do Inter apuram como a gestão de Vitorio Piffero permitiu que R$ 18,4 milhões fossem sacados da tesouraria a título de adiantamentos – parte deles sem a devida comprovação da despesa. O valor de R$ 9,9 milhões teria sido aplicado em obras no Estádio Beira-Rio, construções não encontradas por consultorias contratadas para analisar as contas da gestão. Os apontamentos provocaram algo inédito nos 109 anos do Inter: as contas de 2015 e de 2016 foram rejeitadas pelo Conselho.
O Grupo de Investigação (GDI) da RBS teve acesso à Ata 00/2017, que descreve a reunião extraordinária do Conselho Deliberativo do Inter, ocorrida em 5 de setembro de 2017. Na oportunidade, um representante da consultoria EY (antiga Ernest & Young), contratada pela atual gestão, apresentou o diagnóstico da auditoria aos conselheiros. Em determinado momento, o auditor falou referindo-se aos R$ 18,4 milhões sacados junto à tesouraria:
"É muito dinheiro, gente! É muito dinheiro para ser feito pelo processo de adiantamento. (...) Vários serviços, vários pagamentos referentes a serviços de obras foram realizados por meio de adiantamento via caixa. Então, de novo, estamos dando mais um exemplo: eu contratei um serviço de obra e paguei por meio de adiantamento, sem contratos, sem formalização, sem analisar a empresa. Até quando vamos fazer uma obra em nossa casa tentamos fazer um processo de cotação, comparar empresas".
O interlocutor da consultoria arrematou o assunto dos adiantamentos com uma série de exemplificações:
"Então, quando chega a hora de comprar, alguém chega lá (na Tesouraria) e pede, o cara dá. Era costume fazer isso. E aí você perde o controle", disse, quando passou a mostrar em tela aos conselheiros do Inter um dos adiantamentos identificados no valor de R$ 50 mil, retirado de uma só vez em espécie.
Se vocês lerem ali no comprovante, para quem foi? Não sei. Qual é a finalidade desse adiantamento? Eu não sei. Qual que é a nota fiscal de prestação desse serviço? Eu não tenho. (...) Gente, não achamos a nota, não sabemos.
CONSULTOR
ao apresentar uma prestação de contas feita à mão em um recibo, sem comprovante de despesa
"Se vocês lerem ali no comprovante, para quem foi? Não sei. Qual é a finalidade desse adiantamento? Eu não sei. Qual que é a nota fiscal de prestação desse serviço? Eu não tenho. (...) Gente, não achamos a nota, não sabemos", explica o consultor, apresentando uma prestação de contas parcial feita à mão em um recibo, sem nenhum comprovante de despesa.
Depois, o auditor ingressou no caso de uma empreiteira, cujo nome não foi revelado, que apresentou, somente em janeiro e fevereiro de 2016, nove notas fiscais em sequência ao Inter, do número 490 ao 498, por supostos serviços que geraram pagamentos de R$ 799,8 mil.
"Ou seja, esse fornecedor só trabalhou para o Inter ali nessa época. (...) Essa questão da nota sequencial chama atenção. (...) Não encontramos contrato de prestação de serviço, não encontramos nenhuma evidência que o serviço realmente foi realizado", afirmou.
A EY verificou que o Inter teve, em 2016, o ingresso de R$ 46 milhões em notas fiscais de compra, sendo R$ 24 milhões em serviços e R$ 21 milhões em materiais. Do total de gastos nas aquisições, R$ 45 milhões, ou 98%, foram feitos sem a emissão de ordem de compra no sistema informatizado do Inter. Ao abrir um processo formal, são promovidas cotações de preços entre empresas, existe a identificação de quem está requerendo a despesa, a especificação do produto ou serviço a ser buscado. Apenas em 2% dos casos, o que equivale a R$ 1 milhão dos R$ 46 milhões em dispêndios de 2016, houve a ordem de compra no sistema.
"Posso não ter feito a melhor negociação para o clube, não ter selecionado o melhor fornecedor. (...) Temos R$ 45 milhões de compras sem ordem de compra vinculada no sistema do Inter, que é o Totus, e temos R$ 1 milhão de notas vinculadas ao sistema. Esta balança deveria estar inversa", avaliou o consultor da EY.
Recibo com anotações à caneta
O diagnóstico da EY exemplificou o descontrole dos adiantamentos no Inter com a apresentação de um recibo de prestação de contas preenchido à mão.
As únicas informações contidas no documento são o valor tomado R$ 50 mil em espécie e a citação de 4 de fevereiro de 2016 como data de prestação de contas.
No centro do recibo, foi escrito à caneta: "Prestação de contas parcial: R$ 31.305,75. Saldo: R$ 18.694,00."
Duas informações importantes são omitidas no documento: o tomador do recurso não foi identificado e o motivo do adiantamento é desconhecido.
As prestações de contas de adiantamentos eram feitas na vice-presidência de Finanças, então comandada por Pedro Affatato.
Nenhum relatório apontou superfaturamento ou fraudes
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Não houve desvio de recursos
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