O procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, emitiu parecer opinando pela indisponibilidade de bens e aplicação de glosa de R$ 40 milhões aos ex-gestores do Badesul que atuaram na concessão de empréstimo à Iesa Óleo e Gás.
Em 2012, para liberar o financiamento à empresa, que se instalou em Charqueadas para fabricar módulos à indústria naval, a direção do Badesul desconsiderou normas internas e do Banco Central para flexibilizar as análises de crédito e de risco, além de aceitar garantia insuficiente e acelerar o processo de liberação.
Depois do período de carência, a Iesa não pagou as prestações devidas, encerrou as atividades em Charqueadas e entrou em recuperação judicial. O Badesul ficou com o prejuízo de R$ 40 milhões, valor repassado pela agência de fomento do governo gaúcho em três parcelas entre setembro de 2012 e janeiro de 2013.
O caso foi revelado em reportagem de Zero Hora em setembro de 2016. Pelo menos outras duas empresas — Wind Power e D'Itália Móveis — se beneficiaram de empréstimos concedidos sem observação de regras bancárias. Nos três episódios, o calote ao Badesul somou R$ 157 milhões.
Antes do parecer de Da Camino, a operação entre o Badesul e a Iesa foi examinada por auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
"Nas 79 páginas do relatório técnico, a equipe de auditoria abordou a matéria de forma percuciente, evidenciando, à exaustão, as irregularidades que, ao arrepio dos normativos internos do Badesul aplicáveis às operações de crédito, permearam todas as fases das transações realizadas e que culminaram na ocorrência do prejuízo apontado. Concluindo pela alta reprovabilidade das condutas e elevado prejuízo, a equipe destacou que 'o prejuízo reconhecido não pode ser atribuído apenas aos riscos normalmente associados às operações de crédito da agência de fomento estadual. Ao contrário, restando configurada situação passível de sustentar a nulidade absoluta das operações em comento, elas sequer deveriam ter ocorrido", diz trecho do parecer de Da Camino.
O terreno em que a a Iesa Óleo e Gás operou em Charqueadas, hoje abandonado, registrou alta valorização em curto espaço de tempo. Em dezembro de 2011, pertencia à Granja Carola e foi desapropriado com a indenização de R$ 3,9 milhões. Doado à Iesa, foi preparado para receber a produção de componentes da indústria naval. Quando a empresa assinou o financiamento de R$ 40 milhões com o Badesul, em setembro de 2012, a área foi dada como garantia, no valor de R$ 13,9 milhões. O salto de R$ 10 milhões ocorreu, segundo a empresa, pela construção de um atracadouro.
Em setembro de 2014, a Iesa paralisou atividades e não pagou o Badesul. No processo de recuperação judicial, a própria empresa avaliou o terreno em R$ 75 milhões, com a pretensão de vender o patrimônio e ratear a cifra entre os credores. O Badesul, que depende da área para ser ressarcido, concordou com a análise, mesmo que técnicos tenham alertado a diretoria do banco sobre a possibilidade de supervalorização.
O MPC requereu o bloqueio de bens de Lindamir Verbiski, Luís Alberto Bairros, Marcelo Lopes, Mario Oliveira e Pery Sperotto Coelho, todos ex-diretores do banco durante o governo Tarso Genro. A indisponibilidade requerida deve prosseguir "até o trânsito em julgado da decisão do presente processo e a quitação dos respectivos débitos que lhes sejam fixados" .
Da Camino entende que a glosa de R$ 40 milhões deve ser repartida em três partes, de acordo com os repasses que chegaram à Iesa, e fatiados entre Lindamir, Bairros, Lopes, Oliveira e Sperotto Coelho.
A partir do parecer do MPC, o processo segue para o pleno do TCE, onde o caso será julgado, sem data prevista. O relator é o conselheiro Iradir Pietroski.
HISTÓRICO DO DESCALABRO
-No governo Tarso Genro (PT), de 2011 a 2014, o Badesul multiplicou a liberação de financiamentos para clientes de risco.
-A política resultou em calotes porque empresas não fizeram os investimentos projetados nem pagaram as prestações.
-A aposta do governo era injetar recursos na modernização da economia do Estado, mas houve equívocos de avaliação de garantias, alta concentração de empréstimos em poucos clientes e baixas taxas de rentabilidade.
-Três exemplos de inadimplência são os financiamentos à Iesa Óleo e Gás (R$ 40 milhões), à Wind Power Energia (R$ 50 milhões) e à D'Itália Móveis (R$ 10 milhões). As três devem, em valores corrigidos, R$ 157,6 milhões.
-O Banco Central pediu explicações sobre as operações com a Iesa e a Wind Power. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) abriu duas inspeções extraordinárias.
-Após ZH revelar as operações de risco e os calotes sofridos pelo Badesul, o Piratini abriu sindicância, coordenada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
-O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) rebaixou, em 14 de setembro de 2016, a nota da agência gaúcha a zero, impossibilitando a captação de recursos da instituição federal. Isso praticamente inviabilizava o Badesul, que busca 98% dos seus capitais no BNDES.
-No dia 28 daquele mês, o Badesul apresentou plano de contingência e recuperou a nota de 2,2, o que garantiu margem para tomar cerca R$ 130 milhões no BNDES.
-Em 13 de março deste ano, a sindicância da PGE responsabilizou 23 pessoas, a maioria por improbidade administrativa, pelas falhas nos contratos de financiamento. A PGE informou que, em alguns casos, poderá haver pedido de indisponibilidade de bens.
CONTRAPONTO
Ricardo Giuliani, advogado de Luís Alberto Bairros, informou que não seria feita nenhuma declaração.
Contatado pela reportagem, Mário Oliveira não retornou o pedido de contraponto.
Pery Sperotto Coelho não foi encontrado pela reportagem até às 18h22 desta terça-feira.
Aloísio Zimmer Júnior, advogado de Marcelo Lopes e Lindamir Verbiski:
"O teor do parecer do Ministério Público de Contas foi recebido com total naturalidade, especialmente se considerada a tradicional posição ocupada pelo órgão Ministerial no palco processual. De fato, a declinação da competência para apreciação das inspeções extraordinárias envolvendo as operações realizadas pelo Badesul já era medida esperada e que se mostra totalmente adequada à complexidade das transações realizadas.
Quanto à opinião do Ministério Público de Contas para que se analise a adoção de medidas judiciais voltadas à decretação de indisponibilidade de bens dos gestores envolvidos até o trânsito em julgado dos processos, trata-se de pedido já constante das peças inaugurais dos feitos de inspeção extraordinária em tela cuja apreciação pelos conselheiros relatores resultou no seu inevitável indeferimento, sob o correto argumento da precariedade do debate realizado até aquele momento e da necessidade de efetivação de uma ampla instrução probatória, inclusive com garantia do direito ao contraditório e à ampla defesa. Entende-se que tal posição será mantida, especialmente em razão da necessidade de continuidade do aprofundamento da matéria, cujo debate está ocorrendo em diversas instâncias e poderes simultaneamente, bem como da ausência de qualquer perigo de demora ou risco de dilapidação patrimonial, postura que jamais foi apresentada por qualquer um dos interessados, tanto prévia como posteriormente à instauração dos processos administrativos.
Finalmente, Marcelo de Carvalho Lopes e Lindamir Teresinha Verbiski reafirmam sua convicção na condução dos processos pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul com total imparcialidade, técnica e responsabilidade, restando convictos de que, após a apreciação das defesas apresentadas, a verdade dos fatos prevalecerá.”