Integrante do grupo Inepar, a Iesa Óleo e Gás S/A estava impedida, nos idos de 2011 e 2012, de contratar empréstimos no BNDES porque a sua controladora estava com pendências cadastrais no banco. O Badesul, decidido a apoiar a implantação do estaleiro da empresa em Charqueadas, resolveu tirar R$ 40 milhões das suas reservas, do próprio bolso, para emprestar. Inicialmente, o banco gaúcho custearia a operação enquanto a situação não se regularizasse no BNDES. Como isso não ocorreu, o Badesul assumiu o negócio definitivamente com capital próprio, uma transação direta com empreendimento rejeitado pelo BNDES, o que é incomum na história da agência.
Os repasses foram divididos em três parcelas, "tranches" na linguagem do mercado financeiro. Foram R$ 20 milhões em setembro, R$ 5 milhões em novembro e R$ 15 milhões em dezembro de 2012.
Zero Hora teve acesso com exclusividade a contratos problemáticos assinados pelo Badesul à época em que era presidido pelo engenheiro mecânico e mestre em Engenharia de Produção Marcelo Lopes: o dos R$ 40 milhões para a Iesa e outro da Wind Power, que entraram com pedido de recuperação judicial meses depois de receberem valores do banco.
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No papel, a Iesa iria se instalar no polo naval de Charqueadas e construir equipamentos para a Petrobras e outras líderes da indústria naval. A promessa era de desenvolvimento, geração de emprego, tecnologia e pujança. Se desse certo, poderia contribuir com a revitalização da economia do Estado. Na realidade, a empresa entrou em recuperação judicial – deferida em 15 de setembro de 2014 – e o empreendimento não vingou. Considerando encargos contratuais, a Iesa deve R$ 65 milhões ao Badesul. Pelos valores da correção da recuperação judicial, R$ 43,7 milhões.
Os pagamentos feitos pela Iesa a título de quitação do financiamento somaram R$ 4,1 milhões, pouco se comparado aos R$ 40 milhões repassados à empresa.
O item das garantias bancárias chama atenção no fechamento do negócio. Em geral, o mercado financeiro aplica a seguinte regra: o beneficiado por empréstimo tem de apresentar garantias que somem 130% o valor que está tomando – norma citada em resolução interna da agência. Isso significa que, se uma empresa pedir R$ 10 milhões, terá de empenhar garantias de R$ 13 milhões. O Badesul flexibilizou isso na resolução interna 232/2013, que atribuiu a sua superintendência a tarefa de aceitar garantias "não averbadas" e com salvaguardas inferiores aos 130%. A Iesa se beneficiou de R$ 40 milhões e, como garantia, registrou em contrato terreno avaliado em R$ 13,9 milhões, conforme a cédula de crédito bancário. A área está sob a matrícula 23.628, no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo. A avaliação do seu valor em R$ 13,9 milhões representou garantia de cerca de 34,7%.
Os detalhes do terreno também são reveladores. Na verdade, nem sequer pertencia à Iesa. Originalmente, era de propriedade da empresa Granja Carola S/A. A prefeitura de Charqueadas, que entrou no negócio como interveniente, providenciou a "desapropriação amigável" do imóvel, mediante indenização, e posterior doação à Iesa, que se instalaria no local. Toda essa documentação foi homologada no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo e, depois, anexada ao contrato com autenticação do 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre.
Terreno valorizou R$ 10 milhões em um
ano antes de ser dado como garantia
Os documentos juntados ao financiamento, com registro em cartório, afirmam que o terreno repassado à Iesa valia R$ 3,9 milhões. Esse foi o valor de indenização combinado com a Granja Carola no ato de desapropriação, em 9 de dezembro de 2011. Quando o terreno foi dado como garantia ao Badesul, em 2012, a avaliação subiu para R$ 13,9 milhões, conforme registrado em contrato – valorização de R$ 10 milhões em menos de um ano. A justificativa é de que a Iesa ergueu atracadouro e benfeitorias no local.
O acordo acerca do terreno, homologado no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo, diz que, caso a Iesa descumprisse obrigações como funcionar na cidade pelo período mínimo de cinco anos, a área deveria ser integralmente devolvida ao município, inclusive com as construções. Isso indica que, com o entrave do empreendimento, o terreno poderá ser alvo de disputa judicial. Além disso, o banco está na classe 2 de credores. Antes dele, estão na fila para receber os antigos trabalhadores da empresa.
Em aditamentos feitos na "cédula de crédito bancário", a Iesa incluiu como garantias futuros "recebíveis" pela sua participação no consórcio QGI (Iesa/Queiroz Galvão), que havia firmado contrato com a Petrobras para a integração das plataformas P-75 e P-77. Com os problemas financeiros e a crise do petróleo, o consórcio acabou fragilizado e o negócio com a Petrobras, dado como garantia bancária ao Badesul, não se concretizou até hoje.
O banco de fomento sabia das dificuldades financeiras da Iesa. Mesmo assim, dava continuidade ao negócio. A expectativa era de que a construção da planta, com equipamentos de primeira linha e edificações, redundaria naquilo que é chamado de "garantia evolutiva". A própria estrutura montada com o dinheiro do empréstimo seria a salvaguarda. Mas, como o plano fracassou, o terreno tem hoje apenas estruturas que estão se depreciando. Como o polo naval de Charqueadas não decolou, a área desvalorizou. O prejuízo recaiu no Badesul.
"As partes em comum acordo, tendo em vista as dificuldades operacionais da beneficiária na implantação e execução de seus projetos junto ao polo naval do Estado, que vem provocando a sua inadimplência, firmam o presente aditamento", diz a revisão contratual.
Com a situação já em estado crítico, o banco definiu, no adendo ao contrato da última parcela, que a Iesa deveria apresentar garantias mais factíveis.
"Fica acordado que a beneficiária obriga-se a apresentar ao Badesul a comprovação dos investimentos já realizados na sua unidade no município de Charqueadas. No prazo de 90 dias, será apresentado pela beneficiária garantia real hipotecária complementar no valor mínimo de R$ 26 milhões", diz trecho do aditamento assinado em 14 de março de 2014.
Tarde para correções. O calote já estava desenhado.
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PASSO A PASSO DA DECADÊNCIA
- Em julho de 2014, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), em auditoria ordinária no Badesul, pediu acesso a 55 operações do banco por meio da "Requisição 09/2014".
- O objetivo era verificar os critérios de concessão de crédito. Algumas dessas medidas foram tomadas após pedidos de providência do deputado estadual Marlon Santos (PDT). Em 2014, o TCE teve as solicitações negadas sob alegação do sigilo bancário.
- Ainda assim, abriu o processo 9607-0200/13-5, inicialmente baseado em análise de balanços da agência. Os apontamentos (veja abaixo) já indicavam o processo de deterioração financeira. Com o ingresso da atual diretoria em maio de 2015, o TCE passou a ter acesso aos documentos antes negados.
- Uma inspeção extraordinária foi aberta para analisar exclusivamente os casos da Iesa e da Wind Power. O relator do caso, que tramita em sigilo, é o conselheiro Iradir Pietroski. O Banco Central também abriu apurações acerca das duas negociações.
Veja algumas das informações que constam no relatório de auditoria ordinária do TCE nas contas do Badesul no exercício de 2013
- Faz referência ao forte crescimento do saldo da carteira de operações. Em apenas dois anos, o volume mais do que duplicou (104,7%). "Este tipo de ocorrência é atípica no mercado financeiro, por insustentável no médio prazo. Normalmente, o que se verifica são carteiras de crédito com taxas de crescimento estáveis e moderadas", registra o parecer.
- "No mesmo período em que se observou um crescimento vertiginoso da carteira de crédito do Badesul, o nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos (PCLD, que significa uma reserva para eventuais calotes), foi reduzido em 20,7%, de 3,2% da carteira no final de 2011 para 2,6% da carteira no final de 2013."
- "Restou óbvia a redução da proporção das operações menos arriscadas na carteira da agência de fomento. As operações mais seguras, as AA, eram 31,7% do saldo da carteira no final de 2011, e apenas 19,7% no final de 2013, uma queda de 37,9%. Cresceram as operações de risco.
As operações 'b ou pior' eram 23,1% do saldo da carteira no final de 2011 e passaram para 42,1% no final de 2013, elevação de 82,2%."
- Diz ainda o relatório: "Cruzando o incremento das operações mais arriscadas na carteira de crédito com a demonstrada redução de 20,7% no nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos, ficou entabulada uma marcante contradição, podendo significar que a instituição financeira pública está subestimando o nível de risco de sua carteira de crédito".
- "No final de 2011, as operações "B ou pior" tinham saldo de R$ 389,351 mil ou 69,7% do patrimônio líquido de R$ 558,395 mil do Badesul. Já no final de 2013, o saldo das operações 'B ou pior' era R$ 1.451,826 mil ou 198,2% do patrimônio líquido de R$ 732,290 mil do Badesul. Ou seja, se metade dessas operações 'B ou pior' desse perdas efetivas, o patrimônio líquido do Badesul estaria completamente liquidado", acrescenta o relatório da auditoria promovida pela área técnica do TCE.
CONTRAPONTOS
O que diz a IESA
A reportagem de Zero Hora enviou e-mail, na última sexta-feira, com questionamentos sobre os contratos com o Badesul para a assessoria de imprensa da Iesa. Até a noite deste domingo, a empresa não havia retornado o contato.
O que diz a Wind Power
ZH também enviou e-mail, na sexta-feira, com questionamentos para o setor de comunicação da Impsa, empresa argentina controladora da Wind Power. Até a noite de domingo, a reportagem não havia recebido retorno.