Marcelo Lopes, gestor do Badesul entre 2011 e início de 2015, conversou com ZH sobre concessão de empréstimos à Iesa e à Winder Power que resultaram em desfalque de R$ 140 milhões. Confira a entrevista concedida por telefone.
O Badesul teve a nota rebaixada a zero pelo BNDES. Sua gestão foi temerária?
O Badesul foi colocado em posição estratégica dentro da política industrial. Tínhamos estratégia para o desenvolvimento do Estado, e o Badesul era parte. Entendemos que o financiamento de projetos era fundamental, a exemplo do que o BNDES fez, passando de R$ 35 bilhões para cerca de R$ 200 bilhões em desembolsos no período de 2003 a 2015. E isso foi feito de forma planejada, técnica. Recebemos recursos do Tesouro do Estado, que foi capitalizando o Badesul. Todas as operações que nós fizemos e todos os volumes de crédito sempre foram feitos dentro dos limites, dos regramentos do Banco Central.
A sua gestão trabalhou com aumento exponencial da carteira de crédito, rentabilidade (spread) baixa, crescimento dos negócios de risco e concentração de volume em alguns clientes. Houve subestimação de riscos?
O spread médio praticado pelo Badesul ficou em torno de 2,9%. Não existe essa história de spread zero. Isso é falácia. Teve um movimento do governo federal sobre a Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil pela redução dos spreads. Os bancos não estavam repassando a redução da Selic ao tomador de empréstimo. Então houve um movimento de mercado, liderado pela Caixa e pelo Banco do Brasil, de redução dos spreads. Obviamente isso pressionou o Badesul. Sobre as operações, tínhamos 96% da carteira com operações de risco AA, A, B e C. O auditor (do Tribunal de Contas do Estado) diz que C não é qualidade de carteira. A equipe técnica do Badesul, da área de risco, trouxe como usual dentro do sistema de financiamento que a qualidade de carteira vai até o C. Se diz que diminuiu o cliente AA e aumentou o B, mas o B ainda é qualidade de carteira. Ele (auditor) está criando uma definição diferente da de qualidade de carteira que trabalhamos.
O grupo Inepar estava impedido de contratar com BNDES. O Badesul não tinha histórico de operar com clientes rejeitados. O empréstimo para a Iesa foi decisão política?
Outros bancos financiaram a Iesa, não foi só o Badesul. O BNDES tinha pendência com uma empresa de energia que estava dentro do grupo Inepar. A informação que tivemos era de que se tratava de pendência em discussão e que deveria ser resolvida. Era um projeto importante para o Estado. A discussão não foi política, isso não teve nenhuma interferência no crédito. O setor de óleo e gás era um dos setores estrela da política industrial. E já tinha no próprio município de Charqueadas esforço feito pelo prefeito, que tinha desapropriado a área. Havia discussão com todas as empresas que poderiam compor o Polo do Jacuí, que deveria ter quatro ou cinco empresas na época. A Iesa foi a primeira que definiu por se instalar, chegou a entrar em operação com 1,6 mil empregos gerados. Era uma carteira de projetos grande, na casa do bilhão de dólares. Fazia todo o sentido vendo com os olhos daquela época.
O Badesul trabalhava com exigência de garantia de 130%, mas o senhor flexibilizou isso. A intenção era diminuir o rigor na análise de risco e facilitar os empréstimos?
O que é usual nos projetos de longo prazo é ter o terreno mais as (garantias) evolutivas. Se inicia o projeto com o terreno como garantia, depois ele vai ter outro valor no final da operação. Isso é aceito. Tu consideras isso dentro da mensuração da garantia. Tenho posição bastante tranquila. A recuperação judicial do grupo Inepar, no acordo com os credores, coloca o Badesul com garantia real. Esse terreno foi incluído, avaliado em R$ 85 milhões, mais de duas vezes o valor financiado pelo banco. E ele está alienado em um acordo que houve com credores. O Badesul pode, a qualquer momento, propor a venda para o seu ressarcimento prioritário.
Mas o Badesul não está na primeira linha de credores, que é a dos trabalhadores. O banco está na classe 2.
Lembro que são três credores na classe 2. O Badesul, o Bndes e uma outra empresa menor do Rio Grande do Sul.
Em resoluções, o senhor excluiu a área de risco da Comitê de Crédito, última análise de instância antes da diretoria. É normal alijar esse setor justamente do momento em que se avalia a conveniência de emprestar?
A composição dos comitês, em determinado momento, fizemos uma avaliação. No Banco do Brasil, por exemplo, todas as cadeiras na análise de crédito são da área operacional. No Bndes, isso fica na área de planejamento do banco. Não tem um modelo e sequer uma determinação do Banco Central sobre como deve ser feita a composição do comitê. Fizemos da forma que entendíamos mais adequada. Mas todas as operações de processo de crédito passam obrigatoriamente pela área de risco, que emite opinião técnica sobre cada uma das operações. Na deliberação sobre as operações de crédito, todos os diretores tem voto igual, inclusive o presidente. E, depois, vai para o Conselho de Administração, que está acima da diretoria. Nenhuma pessoa decide isoladamente.
O contrato com a Wind Power é apontado como caso de grande dano. O Banco Central, em relatório, destacou que o próprio Badesul listou dificuldades da empresa em parecer, mas, ainda assim, decidiu emprestar grande quantia. Houve erro?
O analista de crédito, que estudou muito o setor eólico na época e se aprofundou no tema, e considero ele um dos melhores analistas...
A responsabilidade é do analista?
Não, acho que a responsabilidade é coletiva. Mas, quando chega na diretoria e no Conselho de Administração, tem área técnica profissional que estudou. Não é o presidente que vai fazer análise de crédito. Chega um processo analisado pela equipe profissional do banco. Foi muito estudada essa operação pelo analista. Passou por todas as instâncias, foi para o Conselho de Administração. Tinha conjunto de garantias, inclusive a hipoteca do terreno. Depois, teria as (garantias) evolutivas. A fábrica que seria construída seria garantia. Isso é usual. A Impsa nos apresentou na época a perspectiva de fazer negócios com parques eólicos no Uruguai. Queriam atender, a partir da planta no Rio Grande do Sul, projetos que estavam vencendo com a Eletrosul. Tinham R$ 1 bilhão em contratos com a Eletrosul. Inclusive quando a gente já tinha detectado que estavam com dificuldades, eles foram vencedores de mais de R$ 1 bilhão em contratos com Furnas. Em 2012, o grupo Impsa era o segundo maior investidor argentino no Brasil. Fazia todo o sentido. Não feriu nenhuma regra.
O senhor admite equívocos na gestão?
Não podemos desconsiderar que, no caso da Iesa, tem deliberação do processo de recuperação judicial de que o Badesul tem garantia real para a integralidade do seu crédito. E nenhuma das empresas faliu, nem a Iesa nem a Wind Power. Recuperação judicial não significa falência. E, portanto, não significa que temos perda definitiva. Temos perda contábil que, pelas regras do Banco Central, temos de lançar no balanço. Sobre a questão de fundo, de eventuais equívocos, o que teve, na verdade, é que em 2012, 2013 e até o primeiro semestre de 2014, havia cenário da economia brasileira com perspectiva de crescimento e ação de política industrial que entendia que o Rio Grande do Sul só sairia da crise crescendo. E, para isso, precisava atrair investimentos. O Badesul se integrou nesse processo. Vivíamos cenário completamente diferente, com perspectiva de crescimento e não de recessão e queda da atividade econômica. Ninguém fazia seus projetos imaginando que o país iria entrar em crise como essa que entramos.