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Estrada da Produção
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Duplicação da BR-386 deve ter novos trechos liberados até a metade do ano; veja mapa e situação das obras

Zero Hora percorreu rodovia, que tem pontos já duplicados e locais ainda em obras. Últimas intervenções devem começar em 2029

Guilherme Milman

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Jonathan Heckler / Agencia RBS
Caminhões cruzam a BR-386, que tem diversos trechos em obras de duplicação da pista.

A BR-386, que liga o norte do estado à Região Metropolitana, vive um momento de reconstrução e retomada. A chamada Estrada da Produção sofreu diversos danos estruturais durante a enchente, em meio a um período de obras importantes. Quase 11 meses depois da cheia, são poucos os resquícios deixados pela tragédia, e os trabalhos de melhorias na estrada voltam a ter um ritmo acelerado.

Zero Hora percorreu 372 quilômetros da rodovia, de Canoas a Boa Vista das Missões, entre os dias 19 e 21 de março para conferir as atuais condições da estrada e o impacto para motoristas e as comunidades que dependem dela.

A estrada possui 266 quilômetros administrados pela CCR ViaSul, com quatro praças de pedágio. Nesse bloco, segundo a empresa, passam 16,5 mil veículos por dia. Outros 106 quilômetros são de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Atualmente, a duplicação dos trechos de pista simples é a grande obra aguardada pela população. Boa parte dos trabalhos sofreu atrasos, alguns iniciaram recentemente e outros ainda estão pendentes, com previsão de início para os próximos anos.

"Atualmente, temos mais de 2 mil trabalhadores atuando em todos os trechos em obras na BR-386, desde Tio Hugo até Estrela", diz a CCR ViaSul, em nota. A empresa ainda comenta que "o cronograma prévio de serviços foi prejudicado devido à enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul em maio do ano passado".

Obras em andamento

Os trabalhos de duplicação estão em andamento desde 2021. O primeiro trecho a ser contemplado foi entre Lajeado e Marques de Souza, em um trecho de 20 quilômetros. Inicialmente previstos para o início de 2023, as obras seguem inacabadas.

Moradores, autoridades e profissionais que trabalham no ramo da logística reconhecem que as obras trarão melhorias no deslocamento e enxergam avanços em relação ao período da enchente, que afetou a circulação principalmente no Vale do Taquari, atravessado pela BR-386.

— Com a enchente de maio de 2024, a situação se agravou, principalmente na região de Pouso Novo. Atualmente, o maior impacto é na ponte do Rio Taquari, especialmente a que liga o Interior à Capital. Porém, em breve deve normalizar a situação — afirma Alexandre Leomar, diretor jurídico da Leomar Transportes.

No trecho de Lajeado, são 14 quilômetros já liberados com a duplicação, restando outros seis para concluir essa etapa. A atual previsão da concessionária é que isso ocorra ainda no primeiro semestre deste ano.

Entre os motivos apontados para o adiamento estão, a demora para obter a licença ambiental; a saída da antiga empresa responsável pelo serviço, que não vinha obtendo os resultados esperados pela concessionária; e as enchentes de 2023 e 2024. A antiga empresa havia concluído 11 quilômetros até março do ano passado. Desde então, apenas outros três quilômetros foram duplicados.

Na estrada há cinco décadas, Eli Vieira, 70 anos, vê o trecho em obras como o principal desafio em seu deslocamento. É comum que ele vá até o Paraná transportando grãos de soja e outros produtos.

— Má sinalização, muito buraco na pista, solavancos, essas coisas. Tem que ter muito cuidado.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Caminhoneiro Eli Vieira, de boné escuro, faz reclamações sobre a BR-386.

Enquanto as obras não são concluídas, empresas temem pelo impacto no transporte de cargas e no trabalho dos motoristas.

— O transporte parado é, por si só, prejuízo. A ineficiência no fluxo de caminhões pode comprometer o cumprimento dos prazos de entrega, afetando toda a cadeia produtiva do Estado. Além disso, o tempo parado, seja 30 minutos ou uma hora, pode prejudicar a jornada dos motoristas e resultar em transtornos operacionais, o que tem reflexos diretos na economia local — diz o superintendente Institucional do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas Logísticas no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), Eduardo Richter.

Em comunicado, a CCR ViaSul reconhece "as ações causam transtornos aos envolvidos", mas aponta "que são atividades necessárias que objetivam melhorias das condições viárias proporcionando mais segurança e fluidez". Já sobre as reclamações acerca dos avisos na pista, a empresa diz que "é implantada uma sinalização especial e reforçada, e, quando necessário, dotada de iluminação específica para canteiros de obras".

Obra de viaduto e alagamentos

Com a duplicação, o projeto prevê a construção de passarelas e viadutos em alguns pontos. Uma dessas obras vem causando problemas em Lajeado, conforme relatos de moradores. Um viaduto erguido próximo à RS-130 estaria causando alagamentos na rodovia e no entorno toda vez que chove.

Uma mudança na tubulação feita para construir a estrutura do viaduto teria alterado o fluxo de escoamento da água, que se acumula facilmente na pista quando chove, atingindo também estabelecimentos e residências próximas.

O mecânico Jair Borges, 53 anos, vive nos fundos da BR. Ao lado da casa onde mora, há um córrego que passa por baixo da rodovia. Desde o início das obras, segundo ele, a vazão da água aumentou e, sempre que chove mais forte, o curso transborda. Em maio do ano passado, em meio às enxurradas que culminaram na enchente, sua residência ficou completamente alagada, ele conta, atribuindo o problema aos trabalhos na rodovia.

— Isso foi devido à obra. Porque antes não dava isso, era mais de 15, 20 anos. Com aquela chuva, botaram a tubulação ali, que não deu vazão, e deu o que deu. Alagou todas as casas. Teve casa aqui que entrou mais de um metro de água — conta Jair.

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Córrego ao lado da casa do mecânico Jair Borges.

O viaduto, que também deveria ter ficado pronto junto às duplicações, obriga os motoristas que trafegam no sentido sul a desviarem pela via lateral, onde fica a oficina de Ederson Lunges. Ele se diz prejudicado pelo andamento da obra.

— O acesso a nossa empresa está restrito por causa do não andamento da obra. O fluxo de veículos é muito intenso. A via lateral virou a via principal que liga o Interior a Porto Alegre, que hoje passa na nossa frente — reclama.

Questionada sobre os relatos, a concessionária afirma que "segue com as obras de implantação da nova passagem superior no km 345 da BR-386, em Lajeado. Atualmente, as equipes atuam na execução do aterro e atividades para promover a uniformidade da estrutura. Entre essas ações estão a recuperação do canal de drenagem e adequação da nova drenagem".

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Trecho da BR-386 em Lajeado tem obras em viaduto.

Desafios em Soledade

Outros dois projetos de duplicação da 386 estão em andamento, ambos na região de Soledade, sendo um deles ligando o município a Fontoura Xavier e outro ligando a Tio Hugo. Por conta disso, o trecho da rodovia que compreende a cidade de 31 mil habitantes é o que mais concentra máquinas, canteiros e intervenções.

O segmento Fontoura Xavier/Soledade começou em outubro de 2023 e está 60% concluído. Uma pista nova de duas faixas está sendo construída ao lado da pista simples atual, compreendendo 25,6 quilômetros de estrada. A previsão de conclusão é para o segundo semestre deste ano.

Já a etapa de Tio Hugo, com 30,5 quilômetros, teve início em julho do ano passado e está com apenas 15% das obras feitas. A entrega é estimada para o primeiro semestre de 2026. Até o momento, nenhum ponto desses dois trechos foi liberado.

O andamento das obras tem feito desta parte da estrada uma das mais desafiadoras aos motoristas. Com maquinários, pedras e outros sedimentos nas margens da rodovia, condutores precisam ter atenção e reduzir a velocidade para evitar acidentes. O problema, no entanto, é ainda maior quando há o deslocamento dessas máquinas ou outros trabalhos de intervenção, como recapeamento asfáltico, que causa bloqueios momentâneos e exige paciência dos condutores.

Segundo o comerciante Alduíno Colombo, 72 anos, as paradas se tornaram frequentes nos últimos três meses.

— Você anda sete, oito quilômetros e, de repente, do nada, para tudo. Fica 40 minutos, uma hora parado. Tem dias que daqui a Passo Fundo, que são 100 quilômetros, são três horas de viagem. Normalmente, leva 40 minutos — conta.

Durante a tarde de quarta-feira (19), a reportagem passou por um trecho que operava no sistema "pare e siga", por conta de obras, intercalando os sentidos e formando uma fila de veículos por cerca de dois quilômetros. O representante comercial Adolar Salim decidiu sair do carro com seu filho e um colega de trabalho. Habituado a pegar estrada, ele diz já estar se acostumando com os bloqueios. Segundo ele, uma rota alternativa seria ainda mais demorada.

— Todo mês, fazemos no mínimo duas viagens para cá. Cada viagem dá uma hora, entre três e quatro paradas. A gente já se acostumou, tem que ter paciência. Se deixar o carro ligado é pior — fala.

Sobre os bloqueios, a CCR ViaSul pontua que "todas as intervenções são informadas previamente junto aos públicos relacionados (prefeituras, comunidades lindeiras e imprensa) por meio dos canais de comunicação oficiais da empresa, visando informar as pessoas impactadas pelas obras". 

Outros dois planos de duplicação estão previstos e ainda não iniciaram: entre Fontoura Xavier e Marques de Souza (54,9 quilômetros), previsto para começar no ano que vem, e o trecho entre Carazinho e Tio Hugo (34,6 quilômetros) com previsão de início apenas para 2029.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Rodovia tem pontos com a circulação no sistema "pare e siga".

Trecho sem concessão

Ao fim do trecho sob concessão da CCR ViaSul em Carazinho, a BR-386 segue por mais 106 quilômetros até chegar em Boa Vista das Missões. Nessa parte, a rodovia é administrada pelo Dnit e não possui pedágios. Pelo traçado original, ela seguiria até Iraí, na divisa com Santa Catarina, passando por municípios como Seberi e Frederico Westphalen. No entanto, a partir desse ponto, ela se funde com a BR-158.

Em toda extensão, a rodovia é de pista simples, com exceção de trechos de subida, que possuem uma segunda faixa para ultrapassagem, além de possuir acostamento contínuo. Ainda assim, trata-se de uma estrada muito movimentada, com uma grande quantidade de caminhões e máquinas agrícolas, por ser uma região rodeada por propriedades rurais.

Devido ao fluxo acentuado, prefeitos da região pressionam autoridades para duplicar a rodovia, bem como a BR-158, para que haja mais espaço e tráfego entre os veículos.

— Estamos nos articulando para a próxima ida a Brasília tratar direto com o ministro Renan Filho (dos Transportes) sobre projeto de duplicação de Carazinho a Iraí. Na verdade, esta rodovia é uma das mais movimentadas do Estado, justamente pelo transporte da produção, grãos, animais, leite e máquinas agrícolas, que vão especialmente para o Paraná e Mato Grosso, e pelas indústrias e empresas que se instalaram aqui na região — afirma Adilson Balestrin, prefeito de Seberi e presidente da Associação dos Municípios da Zona da Produção (Amzop).

Um projeto do Dnit já está em andamento para ampliar a pista entre o quilômetro 129, em Barra Funda, e o quilômetro 180, em Carazinho. Conforme o departamento, neste momento, o projeto se encontra na fase de levantamentos e estudos que vão embasar o seu dimensionamento. Não há previsão para o projeto ser concluído. É certo que as obras não iniciarão neste ano.

O órgão já sinalizou que pretende realizar um novo projeto no trecho restante da 386, com melhorias entre Barra Funda e Boa Vista das Missões. No entanto, o estudo de viabilidade não previu a duplicação.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
BR-386 tem alto fluxo de caminhões.

Problemas na via

Questões estruturais ainda são pontos de atenção no trecho não concedido. As condições do asfalto variam ao longo do percurso. Em Carazinho e Sarandi, por exemplo, a pavimentação é boa, sem apresentar irregularidades significativas. Em outros trechos, principalmente após passar o perímetro urbano de Sarandi, a qualidade piora significativamente.

Um dos pontos que mais chama a atenção é no quilômetro 101, em São José das Missões, em que uma grande deformação obriga os motoristas a desviarem para a pista contrária em meio a uma curva. Para os caminhoneiros, o risco de acidente se torna ainda maior.

— A gente tem que desviar, às vezes fazer uma manobra perigosa. Tem muito risco de acidente — relata Oeliton Thais, que utiliza frequentemente esse trecho para transportar cargas.

O Dnit informou, em nota, que "mantém ativos contratos de manutenção e conservação na rodovia que permitem garantir boas condições de trafegabilidade. Nos últimos anos foram entregues mais de 50 quilômetros de restauração rodoviária, o que representa 50% do segmento".

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