Apontada popularmente como uma solução para as inundações no Rio Grande do Sul, a dragagem de grandes rios pode não ter o efeito esperado, mesmo que o poder público arque com as centenas de milhões de reais para a realização desse serviço em larga escala. Isso é o que diz a nota técnica do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS acerca da discussão.
“O contrato de serviço de dragagem é bastante oneroso (da ordem de centenas de milhões de reais) para os casos aventados. (...) Ainda, os rios modificam naturalmente o leito periodicamente e, em alguns casos, esta dinâmica leva ao assoreamento dos trechos dragados em curto intervalo de tempo, induzindo à necessidade de novos levantamentos e, eventualmente, novos serviços de dragagem”, diz trecho da nota técnica.
Os integrantes do IPH acrescentam que a dragagem pode provocar a desestabilização das margens dos rios e inundações de locais que antes do serviço não eram registradas.
“Cita-se adicionalmente a necessidade de estudos abrangentes de impacto ambiental dos processos de dragagem, cujos efeitos podem ser duradouros e gerar problemas ambientais diversos, como desestabilização de margens, inundações de locais, perda de ecossistemas”.
No documento, os 12 pesquisadores destacam que a dragagem costuma gerar bons resultados para pequenos rios, mas que não tem necessariamente os mesmos efeitos e custo-benefício para grandes cursos d’água. Na nota técnica, que se refere ao “ Guaíba, Jacuí, Taquari, entre outros grandes rios do Estado”, os pesquisadores destacam que não há informações, até o momento, que indiquem a necessidade de dragagens em larga escala desses cursos d’água.
“A dragagem é uma medida reconhecidamente positiva para pequenos rios e córregos, principalmente em bacia com significativa urbanização, como o caso do Arroio Dilúvio, em Porto Alegre. Já para trechos de grandes rios ela, eventualmente, também pode ser uma medida nos casos em que houve um processo de assoreamento significativo. Porém, essa necessidade deve ficar demonstrada por meio de medições ao longo do leito do rio. No momento não temos, ou não está disponível publicamente, este tipo de informação para recomendação desta medida”, diz trecho do documento emitido na terça-feira (11).
Também é destacado que não se deve confundir a dragagem de canais de navegação, aplicada a uma área limitada do rio, com a mesma atividade realizada em larga escala.
“Não se pode confundir o processo de dragagem de canais de navegação, que é uma atividade rotineira de manutenção do calado de hidrovias e executada em uma área limitada e com colocação do material dragado dentro do corpo hídrico, com processos de desassoreamento para controle de cheias com maior abrangência espacial e com retirada do material dragado para fora do corpo hídrico”, diz outro trecho da nota.
Na conclusão, os pesquisadores destacam que a recomendação de dragagem não deve ser feita com base em suposições, e que a medida deve ser adotada pelo poder público caso haja resposta positiva para três questões:
“Recomenda-se que pelo menos três questões sejam respondidas antes que seja proposta a alternativa de dragagem como medida de o controle de cheias: 1) Houve assoreamento? 2) Em caso positivo, a dragagem vai ser eficaz em termos de redução dos níveis e duração da cheia? 3) Em caso positivo, a medida é boa do ponto de vista econômico e ambiental comparada com outras alternativas? Ainda, em uma análise de longo prazo se fará a possível necessidade de dragagens periódicas no futuro?”, indicam os integrantes do IPH.
Leia abaixo a íntegra da nota técnica do IPH sobre dragagem
Considerações sobre a dragagem como medida de redução das cheias no RS
Instituto de Pesquisas Hidráulicas Universidade Federal do Rio Grande do Sul
11/06/2024
Fernando Mainardi Fan, Rodrigo Paiva, Fernando Meirelles, Walter Collischonn, Joel Goldenfum, Leonardo Laipelt, Gean Paulo Michel, Rafael Manica, Anderson Ruhoff, Eduardo Puhll, Elírio Ernestino Toldo Junior, Fernando Dornelles
O grupo de Professores, Técnicos e Discentes do IPH/UFRGS segue acompanhando o evento climático extremo que atingiu grande parte do Rio Grande do Sul e as ações dos governos nas fases de resposta e recuperação ao desastre. Entre as propostas que estão sendo apresentadas para a redução dos efeitos de uma nova cheia está a da dragagem do Guaíba, do Jacuí, do Taquari, entre outros grandes rios do estado.
A dragagem é uma medida reconhecidamente positiva para pequenos rios e córregos, principalmente em bacia com significativa urbanização, como o caso do Arroio Dilúvio em Porto Alegre. Já para trechos de grandes rios ela, eventualmente, também pode ser uma medida nos casos em que houve um processo de assoreamento significativo. Porém, essa necessidade deve ficar demonstrada por meio de medições ao longo do leito do rio. No momento não temos, ou não está disponível publicamente, este tipo de informação para recomendação desta medida.
Outro ponto a considerar é que o contrato de serviço de dragagem é bastante oneroso (da ordem de centenas de milhões de reais) para os casos aventados, devendo este ser otimizado, selecionando trechos específicos dos rios que terão maior contribuição à finalidade da dragagem. Ainda, os rios modificam naturalmente o leito periodicamente e, em alguns casos, esta dinâmica leva ao assoreamento dos trechos dragados em curto intervalo de tempo, induzindo à necessidade de novos levantamentos e, eventualmente, novos serviços de dragagem. Cita-se adicionalmente a necessidade de estudos abrangentes de impacto ambiental dos processos de dragagem, cujos efeitos podem ser duradouros e gerar problemas ambientais diversos, como desestabilização de margens, inundações locais, perda de ecossistemas, etc.
Não se pode confundir o processo de dragagem de canais de navegação, que é uma atividade rotineira de manutenção do calado de hidrovias e executada em uma área limitada e com colocação do material dragado dentro do corpo hídrico, com processos de desassoreamento para controle de cheias com maior abrangência espacial e com retirada do material dragado para fora do corpo hídrico.
Sendo assim, a dragagem como medida para prevenção de efeitos das novas cheias não deve ser executada apenas com base em suposições e em observações subjetivas únicas do sistema natural, sem estudos técnicos detalhados, evitando desperdício de recursos financeiros públicos e impactos ambientais negativos. Recomenda-se que pelo menos 3 questões sejam respondidas antes que seja proposta a alternativa de dragagem como medida de o controle de cheias: 1) Houve assoreamento? 2) Em caso positivo, a dragagem vai ser eficaz em termos de redução dos níveis e duração da cheia? 3) Em caso positivo, a medida é boa do ponto de vista econômico e ambiental comparada com outras alternativas? Ainda, em uma análise de longo prazo se fará a possível necessidade de dragagens periódicas no futuro?
Portanto, para que este assunto seja discutido e analisado com rigor adequado, entendemos que as seguintes medidas devem ser adotadas pelos gestores responsáveis:
1. Realização de levantamento batimétrico completo de toda a área de interesse com disponibilização pública, para verificação e comprovação de possíveis locais de assoreamento e erosão do corpo hídrico. A batimetria deve incluir, inclusive, toda a extensão a jusante que promova efeitos de remanso significativos sobre as áreas em que se pretende reduzir os níveis de cheias.
2. Realização de estudos de modelagem hidrodinâmica através de simulações físicas ou computacionais que integrem dados da batimetria da área e que permitam a verificação da influência do leito e de outras feições do sistema natural sobre os níveis máximos e duração das cheias. O modelo hidrodinâmico deve ser devidamente validado com observações de níveis d’água de eventos passados, com avaliação de sua incerteza.
3. Avaliação dos benefícios e custos destas propostas de intervenção e comparação com outras ações de prevenção de riscos de desastres, em um planejamento de longo prazo, que leve em conta a necessidade de refazer a dragagem periodicamente, caso seja demonstrada necessária e eficaz.
Adicionalmente devem ser considerados estudos hidrossedimentológicos para análise da duração do efeito da dragagem devido a possíveis assoreamentos futuros e avaliação de impacto da dragagem na estabilidade das margens de rios e de ilhas, com caracterização representativa do sedimento de fundo e em suspensão.
Entendemos que todas as alternativas de medidas de controle técnicas, quando analisadas de forma aprofundada e seguindo os melhores preceitos da Engenharia e da Ciência, colocadas em perspectiva comparativa, poderão oferecer medidas de controle adequadas para os problemas relacionados às inundações no Rio Grande do Sul.