Qual é o time titular do Inter? Esta é uma resposta sem consenso até mesmo dentro do Beira-Rio. Prestes a completar três meses de trabalho, o técnico Miguel Ángel Ramírez não repetiu a formação em nenhuma das 21 partidas realizadas nesta temporada — incluindo a vitória de 4 a 2 sobre o Ypiranga, em março, pelo Gauchão, quando o elenco principal estreou sem a presença do espanhol à beira do campo, mas já sendo escalado por ele.
Não à toa, um dos pedidos que teriam sido feitos pela direção ao treinador durante reunião neste semana diz respeito à definição de uma base de equipe e que ela ganhe uma sequência maior de jogos.
— O futebol tem algumas regras muito claras. A primeira delas é definir os 11 titulares e depois apontar cinco ou seis jogadores que serão opções imediatas no banco. Depois, é preciso dar entrosamento a este time. Isso é básico. Pode até ter um modelo de jogo, mas sem tempo para treinar e mudando a escalação a cada partida, como vai entrosá-los? — questiona o comentarista da Rádio Gaúcha, Adroaldo Guerra Filho.
Em sua defesa, Ramírez justifica que as mudanças são feitas por conta do desgaste físico dos atletas ou baseadas na análise dos pontos fracos do adversário.
Ainda assim, sete jogadores estiveram em mais da metade das apresentações, o que poderia indicar ao menos uma espinha dorsal. O problema é que nem todos eles são unanimidades.
— Ele poderia ter mantido o que o Abel Braga havia feito e depois ajustar aos poucos. Mas ele mudou tudo e gerou intranquilidade. O esteio do Inter era o Cuesta, que virou praticamente um lateral-esquerdo. Ele liquidou com o Patrick e com o Edenilson, tirou a característica destes jogadores. Não é uma questão de escalação, mas de continuidade e concepção de futebol. Qualquer treinador jovem quer fazer igual ao Guardiola, mas precisa ter qualidade técnica. Quando não se tem isso, compensa com competitividade, jogando para a frente. Não sou contra o Ramírez, mas ele vai ter que recuar sob pena de ficar desmoralizado com o grupo. Se não contornar isso com humildade, perguntando aos jogadores o que está acontecendo, aí sim vai ter que sair — comenta o ex-treinador e hoje vereador Cassiá Carpes.
Nas 21 partidas no Inter, Ramírez escalou 29 jogadores diferentes como titulares. Víctor Cuesta e Edenilson estão entre os que mais vezes iniciaram: 17 jogos. Em seguida, com 16, aparecem Moisés e Lomba — que pode ser desbancado por Daniel. A lista ainda é concluída por Zé Gabriel (14), que já perdeu a posição para Lucas Ribeiro, Dourado (13), que vê a sombra de Johnny aumentar, e Galhardo (11), que tem se revezado com Yuri Alberto.
— Cada treinador tem sua forma de entender o jogo. Eu sou da aldeia, mas ele veio da Europa, com uma metodologia diferente. Penso que se o clube tiver condições de contratar um jogador que se encaixe na sua forma de jogo, melhor. Ele propôs uma ruptura ao Inter. Para isso, teria que mandar todos os jogadores embora. Então, penso que ele precisa entender o perfil dos atletas que tem. Por exemplo, não dá para jogar com pontas, que façam o um contra um, porque ele só tem o Caio Vidal com essa característica — opina Daniel Franco, ex-lateral e atual comandante do União Frederiquense.
Influência do jogo de posição
Coincidência ou não, o último técnico espanhol que passou pelo futebol brasileiro também tentou aplicar o jogo de posição e impôs uma espécie de rodízio no elenco. Porém, a passagem de Domènec Torrent pelo Flamengo durou apenas 24 jogos.
— São situações parecidas, mas com uma diferença grande: o Flamengo tinha um entrosamento quase perfeito na época do Jorge Jesus, em que os jogadores sabiam onde se encontrar em campo, e o Dome decidiu mudar. Por isso, durou tão pouco tempo. Uma coisa é mexer em um time que vem de um sucesso estrondoso, outra é o que está acontecendo no Inter, onde os jogadores, ao que parece, até compraram a ideia, mas não estão conseguindo pôr em prática — analisa Sérgio Xavier Filho, comentarista do SporTV. — Essa história de repetir o time é cultural do Brasil, mas o Ramírez mexeu demais. Parece uma questão de tentativa e erro. Não para escolher a melhor equipe, mas para encontrar os jogadores que se encaixem no esquema dele — completa.
Quem segue corrente semelhante é o jovem treinador gaúcho Gustavo Nabinger, que passou pelas categorias de base do Figueirense e Guarani, aplicando a mesma filosofia de jogo de Ramírez.
— O método se encaixa em qualquer cultura. Ele deve utilizar o elenco, imaginando o que o adversário vai oferecer de força e fraqueza. Mas, se o treinador identificar que não tem o mesmo nível de jogadores para diferentes funções, talvez seja mais interessante não ter uma rotação tão grande, se adaptando aos jogadores que rendem melhor. Por ser início de trabalho, ele ainda está conhecendo cada jogador. Isso não se constrói em dois ou três meses. É uma questão cultural no Brasil, mas prejudica muito. Se não posso ter uma sequência de maus resultados, vou buscar coisas mais fáceis de assimilar. Por isso, muitos treinadores optam pelo jogo reativo, que é menos complexo do que criar conexões dentro da equipe. Mas, se a diretoria o contratou, é porque tinha convicção e tem que buscar jogadores que se adaptem a este modelo — conclui Nabinger.
Contra o Vitória, nesta quinta-feira (10), no jogo de volta da terceira fase da Copa do Brasil, Ramírez terá a oportunidade de escalar o Inter pela 22ª vez. Depois da goleada aplicada pelo Fortaleza e o aumento das cobranças — internas e externas —, resta aguardar quem serão os novos eleitos e se o espanhol dará sinais de que caminha para definir um time titular.
Confira quais jogadores mais atuaram sob o comando de Ramírez:
- Goleiros
Marcelo Lomba: 16 jogos (1440min)
Daniel: 3 jogos (270min)
Danilo Fernandes: 2 jogos (180min) - Laterais-direitos
Rodinei: 10 jogos (878min)*
Heitor: 6 jogos (541min)
Saravia: 5 jogos (462min)** - Zagueiros
Víctor Cuesta: 17 jogos (1526min)
Zé Gabriel: 14 jogos (1209min)
Lucas Ribeiro: 9 jogos (829min)
Pedro Henrique: 2 jogos (142min) - Laterais-esquerdos
Moisés: 16 jogos (1388min)
Léo Borges: 5 jogos (457min) - Meias
Edenilson: 17 jogos (1325min)
Rodrigo Dourado: 13 jogos (1207min)
Mauricio: 10 jogos (916min)
Praxedes: 8 jogos (787min)
Nonato: 8 jogos (719min)
Rodrigo Lindoso: 6 jogos (623min)
Taison: 6 jogos (489min)***
Johnny: 1 jogo (133min) - Atacantes
Patrick: 10 jogos (770min)
Palacios: 10 jogos (676min)
Caio Vidal: 10min (706min)
Marcos Guilherme: 5 jogos (423min)*
Peglow: 2 jogos (94min) - Centroavantes
Thiago Galhardo: 11 jogos (946min)
Yuri Alberto: 9 jogos (888min)
Paolo Guerrero: 2 jogos (224min)
Abel Hernández: 1 jogo (92min)*
*Já deixou o clube
**Estava lesionado no início da temporada
***Foi contratado depois e não atuou no Gauchão