Encaminhava-se para o final o Gre-Nal mais importante da história do Sport Club Internacional. As arquibancadas do Beira-Rio apresentavam uma mistura de euforia pós-gol e temor pré-fracasso típica dos minutos derradeiros de um jogo contra o Grêmio. Confirmar a vitória significaria liderança, permanência do bom momento, uma felicidade pornográfica. Entregar um empate, àquelas alturas, seria fiasquento, lamentável, recolocaria o Inter no rumo do caos e do desespero do “meu-deus-nós-nunca-vamos-ganhar-este-campeonato”.
Encaminhava-se para o final o Gre-Nal mais importante da história do Sport Club Internacional quando o melhor jogador do Grêmio avançou na direção do nosso gol. Melhor do Grêmio não, o melhor do país, o melhor da América. Melhor tão melhor que o elegeram o Rei do continente. Pois vossa majestade caminhava a passo largo na direção das nossas redes.
Neste momento todos os colorados piscaram ao mesmo tempo. Todos. Pela TV, nas arquibancadas e no campo de jogo. Um cerrar e abrir de pálpebras rápido, mas assustador: ao abrirmos os olhos nos deparamos com o horror. O Rei estava só. A linha de marcação vermelha havia sido superada, o símbolo máximo da monarquia futebolística do continente sulamericano adentrava a nossa área com um raio de pelo menos quatro metros de liberdade.
Um Rei jovem, alçado ao trono depois de imprimir campanhas destruidoras a povos valentes da mais bonita das Américas. Um Rei que disseram ser impiedoso, cruel, não temer adversário algum. Um Rei cantado em versos e rimas, bajulado em estádios e páginas. A nação azul avançava sem marcação em direção ao triunfo na figura do seu símbolo-maior, do representante máximo do seu reinado neste continente.
Ao seu lado, dois dos seus companheiros de nobreza. Trajados de um azul digno das mais requintadas monarquias, eram agora três. Três jogadores do Grêmio livres dentro da área do Internacional. Foi um lapso, uma curta distração, uma piscada de olho coletiva. Os olhos do povo vermelho agora arregalavam-se com a contemplação da evidente catástrofe que se seguiria.
Restava uma única esperança.
A última barreira defensiva do Sport Club Internacional. O último representante do povo vermelho. Victor Cuesta, exemplo personificado de tudo o que há de mais valoroso no rubro que vestimos, era o único defensor restante no caminho arrasado pelo Rei.
Capa, mastro e coroa seguiam seu caminho imutável, incorrigível. Utopia, delírio e vermelho o aguardavam. A comitiva da monarquia gremista posta em frente ao arco da vítima da vez. O plebeu de vermelho disposto a dar o golpe de estado.
Luan gingou, ameaçou sair para um lado e entortou seu corpo para outro. Cuesta leu o lance à precisão. Como que prevendo o bailar das pernas do Rei, o peão se antecipou. Compreendeu o lance três movimentos antes. Abriu o compasso, esticou a perna esquerda, ocupou a casa certa e parou o ataque, a investida e o tempo-espaço.
A bola ficou parada no pé esquerdo do nosso zagueiro por segundos-séculos. Estáticos também ficaram os seguidores do rei azul que, livres, aguardavam o desenrolar do lance. Era um jogador de vermelho parando a investida de três azuis reforçados pelo personagem máximo das suas conquistas. Foram caindo no solo sagrado do Gigante da Beira-Rio os elementos que identificavam Luan como o Rei a ser seguido e temido.
Primeiro, o cetro.
Depois, a capa.
Por último, a coroa.
O Rei estava nu, exposto ao ridículo pelo plebeu rebelde que se apossava do estado à força, na marra. Cuesta saiu jogando para o povo vermelho enquanto o castelo tricolor desabava. As torres ruíam, os súditos azuis calados acompanhavam o desmanchar de tudo aquilo que haviam esperado tanto para erguer. Aquilo que imaginavam que era seu por direito. Aquilo que acreditavam que jamais perderiam de novo.
E perderam.
Do lado de lá não há mais Rei, castelo ou súditos fieis.
Do lado de cá, a revolução do povo através dos seus aguerridos peões é celebrada um pouco mais a cada dia que passa. A população vermelha sorri, celebra, grita, berra. É felicidade que não cabe mais em nós.
Ao final dessa epopéia de incomparáveis dimensões, que o reino todo brilhe com o vermelho mais lindo que essa Terra já viu.