Entre os 31 atletas nominados pelo Grêmio para iniciar a pré-temporada, lá estava ele, sentado bem ao fundo, ao lado do goleiro Paulo Victor. Quem entra no site oficial do clube também vê seu rosto estampado entre os zagueiros Geromel e Kannemann. Com as saídas de Marcelo Grohe, Ramiro e Bressan, ninguém está no elenco principal há mais tempo do que ele.
Contudo, já se vão cinco anos e quatro meses da última vez que pisou em um campo de futebol. Sua maior aparição pública recente foi em 2016, quando ergueu a taça da Copa do Brasil sem ter atuado em uma única partida. No restante dos dias, frequenta a academia do CT Luiz Carvalho, em dois turnos, para realizar fisioterapia no joelho operado. Trata-se do zagueiro Gabriel, 29 anos, vinculado ao Grêmio até dezembro de 2019.
— É um baita guri. Humilde, brincalhão e dedicado. Podia estar depressivo, mas não está — relata um funcionário do clube, que pediu para não ser identificado.
Aliás, aí está mais uma dificuldade em tratar do tema. Foram procurados mais de 10 personagens envolvidos no imbróglio — sejam dirigentes das atuais ou antigas gestões de Grêmio e Lajeadense. A maioria não aceita falar. "Caixa-preta", "pepino" e "problemão" foram adjetivos usados para classificar o assunto Gabriel, antes que a conversa fosse encerrada. A situação dele é um assunto praticamente intocável pelos corredores da Arena.
Ele próprio já foi convidado a conceder entrevistas, mas refutou todas. Especulou-se inclusive a existência de uma cláusula contratual impedindo qualquer declaração — fato que é negado por todas as partes. Minimamente, dá para dizer que se está diante de um assunto tabu.
— Conosco, o Gabriel sempre fala. Mas, quando se toca no assunto do joelho, ele não gosta muito — comenta Felipe Schmitt, repórter da Rádio Independente, de Lajeado.
Nascido em Marques de Souza, cidade com pouco mais de 4 mil habitantes e situada a 130 quilômetros da Capital, Gabriel se destacou com a camisa do Lajeadense no Gauchão de 2013 — chegando a marcar um gol no Inter. Chamou a atenção de Grêmio e Flamengo, mas deu preferência ao clube pelo qual torcia na infância.
Assim, desembarcou por empréstimo no Estádio Olímpico em abril daquele ano. Dias depois, vestindo a camisa 22, fez sua estreia entrando no segundo tempo das oitavas de final da Libertadores, contra o Santa Fe, da Colômbia. O time, então treinado por Vanderlei Luxemburgo, acabaria eliminado, e o técnico, demitido. Porém, o que era um mau momento para o clube representou o auge da carreira do atleta.
Algo deu muito errado. Ele teve uma infecção que comprometeu a cartilagem
SOBRE GABRIEL
Fonte que frequentava o vestiário à época e preferiu não se identificar
Com a chegada de Renato Portaluppi, virou um dos componentes do trio de defesa. Quando se preparava para disputar o quarto jogo como titular, seu drama começou. Antes de encarar o Vitória pelo Brasileirão, em setembro de 2013, Gabriel saiu carregado de um treinamento em Salvador. Teve diagnosticada ruptura em um ligamento do joelho esquerdo e retornou imediatamente a Porto Alegre para ser submetido a uma cirurgia com o médico Fábio Krebs, profissional indicado pelo clube.
— Não sei o que aconteceu, mas algo deu muito errado. Ele teve uma infecção que comprometeu a cartilagem do joelho — limitou-se a dizer uma pessoa que frequentava o vestiário à época e que preferiu manter a identidade sob sigilo.
Procurado pela reportagem, Fábio Krebs optou por não falar sobre o caso. Como esperado pelo diagnóstico inicial, Gabriel perdeu o restante daquela temporada — em que o Grêmio acabou como vice-campeão nacional. Resguardado pela lei, contudo, teve o contrato de empréstimo renovado por mais um ano. Mas os dias passavam sem que as dores cessassem.
Por conta própria, Gabriel procurou uma segunda opinião médica, em São Paulo, com o médico Renê Abdalla — um dos maiores especialistas em articulações do joelho. Foi submetido a uma nova operação e, ainda assim, seguia convivendo com dores.
Em maio de 2014, Gabriel seguia fora dos treinamentos. Restavam mais seis meses para o fim do empréstimo, e o drama apenas começava. Nervoso com sua situação e emocionado, Gabriel chegou a abordar um dos componentes da direção de maneira brusca, em tom de voz mais alto. Uma fonte próxima do atleta, entretanto, alega que ele teria sido mal interpretado. Ainda assim, foi pedido que ele se retirasse da sala para que seu futuro fosse selado. Estavam presentes nesta reunião o empresário do jogador e dirigentes dos dois clubes. A princípio, internamente, teria sido cogitada até a possibilidade de devolvê-lo ao Lajeadense. Logo em seguida, porém, temendo uma ação judicial futura, os dirigentes voltaram atrás.
— Isso não aconteceu. O Grêmio assumiu a bronca desde o início que deu o problema com ele — garantiu o então presidente do time de Lajeado, Mário Dutra.
O processo foi conduzido pelos homens à frente do departamento de futebol gremista à época, Rui Costa e Marcos Chitolina, que já não estão mais no clube. Para dar suporte emocional e financeiro ao atleta, foi decidido que o clube compraria seus direitos econômicos e federativos, pagando o valor fixado em contrato: R$ 1 milhão, de maneira parcelada.
Além disso, o jogador teve um aumento salarial, passando a receber cerca de R$ 30 mil mensais. A dúvida, no entanto, estava no tempo de contrato firmado com o Grêmio. Diante do sigilo absoluto que envolve o caso, criou-se o boato de que um acordo verbal previa um vínculo vitalício. Mas, de acordo com Ricardo Mello, agente de Gabriel, a informação não procede.
— Na época, fizeram uma promessa de um contrato de 10 anos, mas legalmente isso é inviável. O máximo que se pode é firmar um contrato de cinco anos. Não existe este acordo verbal — assegura Mello. — Existe, sim, um contrato de cinco anos. Este contrato regia que, se o Gabriel não voltasse a jogar em dois anos, teria direito à indenização, e o contrato dele seria rescindido. Isso não aconteceu, nem por motivação do clube ou do atleta, que ainda tem esperança de que vá se recuperar e voltar a jogar — relata o empresário.
Embora ninguém assuma publicamente, o retorno de Gabriel aos gramados é considerado difícil. Ainda assim, foi procurado pelo técnico Renato em março do ano passado para ser reintegrado ao elenco. Chegou a aparecer em atividades no campo, mas acabou arquivado outra vez.
— Gabriel é gremistão doente. Hoje, dá para dizer que ele é um torcedor que frequenta o vestiário do time do coração — avalia uma pessoa próxima, que pediu para não ser identificada.
O Grêmio vai tratar o processo como tratou no início: dando assistência ao jogador
ROMILDO BOLZAN JÚNIOR
Presidente do Grêmio
O contrato de Gabriel com o Grêmio chega ao fim em dezembro deste ano. Sem um acordo verbal, e com os dirigentes que lhe abraçaram fora do clube há mais de duas temporadas, o zagueiro tem o futuro indefinido. Neste tempo em que esteve frequentando as dependências tricolores, não deu continuidade aos estudos. Cita-se a ausência de um diploma de Educação Física, por exemplo, como um impeditivo para que fosse admitido como profissional das categorias de base. Contudo, nos bastidores, e de maneira velada, fala-se em um novo contrato — sem definições sobre duração ou salários.
— O Grêmio vai tratar o processo como tratou no início: dando assistência ao jogador — assegurou o presidente gremista, Romildo Bolzan Júnior.
Ao que tudo indica, Gabriel continuará sendo pauta na Arena. Uma pauta praticamente proibida.