Nascer em Porto Alegre e não torcer para Grêmio ou Inter é uma missão complicada. Começar a torcer por Grêmio e Inter e depois abandoná-los é ainda mais difícil. Mas essas circunstâncias fazem parte da história da família Leipnitz Reis com o São José. Ewerton Reis, 44 anos, Cristine Leipnitz Reis, 45 anos, e Bernardo Leipnitz Reis, 12 anos, não nasceram torcedores do Zequinha.
Aprenderam a amar o clube há pouco mais de um ano, mas juntos entenderam que o Passo D’Areia é praticamente uma segunda casa. A incursão deles ao time da zona norte de Porto Alegre teve algumas paradas, mas todos se encontraram na Rua Padre Hildebrando, 1.100, no bairro Santa Maria Goretti e, dessa vez, é o fim da linha.
— Esse vínculo com o Zeca nunca vai acabar — sintetiza Bernardo.
Natural de São Francisco do Sul, Ewerton veio para o Rio Grande do Sul aos oito anos, quando seu pai foi transferido para Porto Alegre a trabalho. Em uma terra em que se tem que escolher entre Grêmio e Inter, optou por ser tricolor. Cristine é gaúcha de nascença, toda sua família é colorada e, mesmo não ligando muito, também se considerava torcedora do Inter. Bernardo, o filho dos dois, nasceu e recebeu inúmeras roupas do Grêmio, mas assim que teve mais noção do que era o futebol, optou por torcer para o Inter. Criou-se o primeiro problema dentro da família Leipnitz Reis: a rotina entre pai e filho foi quebrada. Agora, Ewerton e Bernardo não poderiam mais assistirem a jogos juntos no estádio. No entanto, o filho não se sentia confortável em torcer para o Inter, não pelo pai, mas por se sentir apenas mais um torcedor em uma multidão de colorados. Tinha uma mania peculiar para um garoto – talvez para qualquer pessoa no mundo: gostava de assistir aos jogos de times considerados pequenos no cenário nacional.
Por isso, pai e filho peregrinaram em estádios do Estado, olhando jogos “raiz”, como define Bernardo. Um clube em especial chamou a atenção do guri. A menos de 2,5 quilômetros da casa da família, ele achou um time para chamar de seu. Ali no Passo d’Areia, Bernardo e Ewerton passaram a ter um interesse futebolístico em comum: o São José. Ainda faltava inserir Cristine na rotina do futebol da família. A matriarca resistia a ir, afinal não tinha muito interesse em estádios e em acompanhar time, mas de tanto que o filho insistiu, ela deu o braço a torcer.
— Fui convidada pelo Ewerton e pelo Bernardo para ir a um jogo e disse que não gostava, mas eles insistiram muito e o Bernardo argumentou: “Mãe, lá tem um pastel tão bom”. Eu acabei indo pela comida, mas saí torcedora do São José — conta, entre risos, Cristine.
A partida entre Zequinha e Luverdense, no dia 4 de maio de 2019, pela Série C do Brasileirão, mudou a relação dos Leipnitz Reis. Eles passaram a ter outras oportunidades de convivência e uma rotina baseada no time da zona norte da Capital. Novos momentos foram criados. Depois da janta, sentados à mesa, falam sobre o São José, em assuntos que vão de contratações a próximos jogos. O que se estendia por 30 minutos passou a durar horas.
— Acabávamos as refeições e cada um ia fazer uma coisa. Depois de descobrirmos o Zeca, passamos a conversar muito sobre a equipe, projetar nossa relação com o clube e também programar viagens para ver eles jogarem — salienta Ewerton.
A paixão se tornou tanta que, em paralelo ao grupo da família tradicional, Bernardo criou um grupo no WhatsApp apenas para falarem sobre o São José. Diariamente e independentemente do horário, um dos três posta no “Grupo do Zeca”. Seja para falar sobre novidades em relação ao clube ou então para relembrar algum ex-técnico ou um ex-jogador. O que importa é que o assunto seja o time.
Da Zona Norte para a Europa
Depois que as idas ao Passo d’Areia foram se tornando cada vez mais frequentes, que a família virou sócia da equipe, um passo maior foi dado. Começaram a planejar viagens pelo interior do Estado para acompanhar o Zeca nas partidas da Copa Seu Verardi (no ano passado) e no Gauchão deste ano. Onde o São José estivesse, eles estariam.
— Aqui dentro do Estado a gente procura sempre estar nas partidas apoiando. Para a gente, é muito importante que os jogadores entrem em campo e nos vejam em partidas fora do Passo. Parece que isso motiva eles. Geralmente, somos nós três e mais dois ou três torcedores. É um compromisso com o clube — explica Cristine.
Há duas semanas, ocorreu um fato que deixou os três em um encruzilhada. A partida contra o Juventude (vitória por 1 a 0) caiu no mesmo dia do aniversário de um amigo de Bernardo, muito próximo à família, e não havia como deixar de ir. Como eles deixariam os jogadores lá em Caxias? Será que eles reparariam na ausência dos três? Não conseguiram comparecer e a consciência pesou. Essas viagens propiciam ainda mais convivência entre eles e também fazem com que conheçam outras cidades.
— A gente começou a fazer um grande planejamento para os jogos fora de casa. Semanas antes, começamos a ver em que hotel ficar, o que fazer na cidade. Virou um programa de família — completa Ewerton.
Acompanhar o time de norte a sul propicia uma maior aproximação entre os três e dirigentes, jogadores e comissão técnica do São José. Assim, eles se sentem ainda mais parte do clube e sentem alegria e tristeza com mais intensidade nas vitórias e derrotas do Zeca.
— Em um dos jogos fora de casa, acho que em Pelotas pela Copinha, comentei que talvez a programação ficasse apertada e que talvez não conseguíssemos ir. A Cristine virou para mim e disse “Não sei vocês, eu vou”. Bom, se ela falou isso, a gente vai dar um jeito, né? Ela foi picada pelo mosquito do São José — afirmou Ewerton, rindo.
Aquele jogo, pela final da Copinha de 2019, apesar da derrota, marcou também para a família. Como viajaram antes da torcida organizada, chegaram sozinhos ao estádio da Boca do Lobo. Sem estarem identificados com a camisa do São José, ficaram misturados à multidão em meio a xingamentos. O medo de uma agressão surgiu, mas conseguiram entrar antes de que alguma coisa acontecesse. Dentro do estádio, puderam cumprimentar e apoiar todos os jogadores que desciam do ônibus.
O próximo objetivo deles, principalmente de Bernardo, é sair do Estado para ver o Zequinha atuar. Isso esteve próximo de acontecer. Era o segundo jogo das quartas de final da Série C, setembro de 2019, jogo contra o Sampaio Corrêa no Maranhão. Na partida de ida, os times haviam empatado no Passo d’Areia. A vitória era fundamental para a equipe de Porto Alegre, caso passassem dos maranhenses, estariam na Série B. Entre os duelos, a ansiedade de Bernardo era tanta que ele chegou a ver hotel, deslocamento e o valor das passagens para São Luís. Pela escola e pelo valor envolvido, tiveram que abortar a missão, que resultaria na eliminação do clube da competição nacional.
— Se dependesse de mim, eu iria a todos os jogos do Zeca. Meu sonho é ver um jogo nosso fora do país — exalta Bernardo.
Enquanto o time não se aventura pela América do Sul ou pelo mundo, o garoto de 12 anos assegura de levar o nome e o símbolo da equipe para os quatro cantos. Dono de sete camisetas do Zequinha, o garoto fez, recentemente, uma excursão para a Europa e não deixou de vestir as camisas em nenhum dia (como as imagens mostram). De Zagreb a Londres, Bernardo expôs o símbolo do São José.
Alimentando um sonho nacional
Pelo curto espaço de tempo que os três torcem para o São José, os jogos mais marcantes para eles são recentes. Um deles levou o clube para a terceira fase da Copa do Brasil. O Zeca, dentro de casa, eliminou a Chapecoense nos pênaltis, depois de segurar o time catarinense no tempo normal. O outro é ainda pela Série C do Brasileirão. Pela última rodada da fase de grupos, a equipe precisava vencer para se classificar para as quartas de final.
— Acho que eu nunca tinha visto o estádio tão cheio. Foi muito legal ver outras pessoas dentro do Passo da Areia. A atmosfera que se criou foi mágica, a torcida entendeu que o time precisava daquilo ali. Abrimos 4 a 1, depois sofremos um gol e a torcida não parava de cantar um minuto — conta Ewerton.
O jogo acabou 4 a 2 e a classificação foi alcançada, mas mais tarde o time acabaria sendo eliminado pelo Sampaio Corrêa, postergando, assim, sua ascensão à Série B. Para a família Leipnitz Reis, a classificação para a divisão acima é questão de tempo. Não só pela organização que o clube vem tendo nos últimos anos, mas também pela determinação da torcida e dos jogadores.
— A gente vem mostrando um desempenho acima da média, tenho certeza de que vamos conseguir subir para a Série B. Adoraria ver o São José na Série A, mas tudo com o seu tempo — completa o pai.
Bernardo é um pouco mais ousado no seu objetivo: ver o São José disputar um Mundial de Clubes. Não importa contra quem seja e nem quando. Inclusive, seus pais já prometeram que ele estará lá.