Em dia de jogo do Ypiranga em Erechim, a casa dos Barreto vira uma extensão do Colosso da Lagoa. A residência fica a dois quilômetros do estádio, mas é como se fosse o próprio lugar atrás do gol à esquerda de quem vê pela TV. É nesse ponto da arquibancada, de cimento, é claro, que eles se posicionam para gritar, cantar, xingar, reclamar, incentivar, arremessar papel picado, tocar instrumentos, lançar fumaça colorida. Torcer, enfim.
Mas até que tudo isso ocorra, existe a preparação. Por isso, a casa dos Barreto é tão importante no clube. Para lá se deslocam todos aqueles que gostam, mesmo, de fazer barulho no estádio. Desde o final das manhãs (nos jogos de dia) ou das tardes (nas partidas noturnas), o jardim fica lotado de tambores, bumbos, instrumentos de sopro, papel picado, latas e o que mais for preciso para criar uma festa bonita.
Atualmente, o centro da organização dessa “bagunça” é Priscila Barreto. Aos 29 anos, ela coordena a chegada dos torcedores, a ordem das músicas, a ida para o estádio e as excursões para os confrontos fora de casa. É também uma espécie de relações públicas da torcida Los Imigrantes, cujo presidente é Atanan, seu irmão. A “barra do Canário” bem que poderia ser “a barra dos Barreto”.
— A gente é raiz, né? É o povo. A gente vai com chimarrão no estádio, família sempre junto. Era um time pequeno e que agora está se tornando grande, estamos acompanhando e ajudando nisso tudo, seja na manutenção do estádio, na venda de rifas e ingressos, no que precisar — conta Priscila.
Concurso
Até porque a história das uniformizadas do Ypiranga passa por eles. Em 1979, o pai de Priscila e Atanan, Atanázio Augusto Pereira, e o tio, Antonio Celso, fundaram a primeira torcida organizada do clube, a Verde e Amarela. Era ano de Gauchão, e a direção do clube havia criado um concurso: quem fizesse a bandeira mais bonita receberia um valor em dinheiro. A Verde e Amarela confeccionou duas. Tirou primeiro e segundo. Com o dinheiro do prêmio, comprou os primeiros instrumentos.
— Já vi o Ypiranga com 26 mil torcedores aqui no Colosso. Isso nunca tinha acontecido. E viajar para ver fora também é muito bom — afirma Antonio Celso.
Enquanto o pai e o tio de Priscila são o passado e o irmão é o presente, o futuro da torcida do Ypiranga pelos Barreto está depositado nos pequenos Valentina, nove anos, e Iago, 12. Valentina é a filha de Priscila, canta todas as músicas da torcida, chuta a gol no intervalo e brinca com o mascote (o Canarinho Pistola de Erechim). Iago, maiorzinho, filho de Patrícia Barreto (irmã de Priscila), é o “homem” do trompete na banda. Mas não faz tanto tempo assim.
— Toco só há dois anos — diz um humilde Iago: — Antes do trompete, eu ajudava quando alguém cansava ou cortava o dedo, daí ficava no lugar deles batendo no tambor.
Como sempre estou envolvida, vendo rifa, ingressos, basicamente tudo sai daqui. Papel picado é a gente que faz, por exemplo. Então eu fui nomeada, indicada a musa do Ypiranga. Não teve um concurso, simplesmente me escolheram".
PRISCILA BARRETO
torcedora do Ypiranga
A presença de todos faz parte do ritual em um dia de jogo. Depois de juntar todos na casa dos Barreto, arrumar o material, afinar os instrumentos, picotar papéis e preparar tudo, é hora de se deslocar para o estádio. No caminho, uma breve pausa para comprar carne e cerveja. O canteiro da avenida da frente da porta serve de ambiente para o churrasco que antecede a partida. Ao menos, vão todos nutridos e hidratados.
— Ah, coloca uma frase aí para encerrar tua reportagem — pede Atanan: — Não somos Deus, mas estamos em todos os lugares.
Uma voz não identificada no pátio dos Barreto Pereira completa:
— Menos na Igreja.
Viagens ajudam a fazer amizades
Há outra atividade tão prazerosa e frequente para os Barreto como é ocupar o canto da arquibancada no Colosso da Lagoa: ver o Ypiranga fora de casa. No Gauchão, eles vão a todas as partidas. Mesmo. Erechim é a cidade mais ao norte do campeonato, o que nada os impede de atravessar o Rio Grande do Sul para torcer por seu time. No último final de semana, Priscila foi constantemente flagrada pelas câmeras na sofrida semifinal em Caxias do Sul.
— É muito bom viajar. Fazemos amizade com pessoas de outras torcidas, conhecemos gente boa — sentencia a torcedora.
O tio Antonio Celso completa:
— Viajamos bastante, vamos muito para fora. Já conseguimos grandes vitórias, são grandes lembranças da estrada.
Entre essas memórias, estão a vitória de 1 a 0 sobre o Glória (e o 4 a 2 nos pênaltis) que valeram o retorno ao Gauchão no ano passado. O primeiro turno deixou os torcedores mais tranquilos para o primeiro objetivo que têm todos os clubes do Interior, o de escapar do rebaixamento. Agora, o foco será repetir no returno o mesmo desempenho e, talvez, ter mais sorte no mata-mata, já que, contra o Caxias, a eliminação veio com um gol nos acréscimos. Aquele cabeceio de Da Silva, aos 46 minutos do segundo tempo, frustrou (ou adiou) o sonho dos Barreto Pereira.
— Quero, mesmo, é ser campeão gaúcho e depois conseguir subir à Série B do Brasileiro. Já chegamos perto, falta pouco. O que não quero mais é Divisão de Acesso, dessa eu já estou cheio — diverte-se Antonio Celso.
Musa
No vídeo acima, Priscila ostenta uma faixa à frente da camisa do Ypiranga. É o certificado de escolha como musa do clube. Mas a história é mais complexa.
— Como sempre estou envolvida, vendo rifa, ingressos, basicamente tudo sai daqui. Papel picado é a gente que faz, por exemplo. Então eu fui nomeada, indicada a musa do Ypiranga. Não teve um concurso, simplesmente me escolheram — sorri.
Ídolo comum de todas as gerações, Paulo Gaúcho foi goleador em 1994
Tem uma pergunta que arranca resposta uníssona da família Barreto Pereira. Quem é o maior ídolo deles a ter vestido a camisa do Ypiranga?
— Paulo Gaúcho!
Paulo Rogério Tramontini Valério, o “Velhinho Bom de Bola”, como ficou imortalizado no Rio Grande do Sul, foi atacante de várias equipes do Interior, como São Luiz, Inter-SM, Passo Fundo, Santo Ângelo e Gaúcho. Mas foi no Ypiranga que alcançou sua maior façanha.
No (chamado) "interminável" Gauchão de 1994, marcou 24 gols pela equipe de Erechim, tornando-se o primeiro goleador que o clube teve na competição. O gol mais comemorado foi assinalado em 27 de novembro, em Erechim. Diante do Grêmio, marcou nos acréscimos e deu a vitória por 2 a 1. O resultado ajudou o time a ficar em terceiro no campeonato.
A curiosidade é que Paulo Gaúcho inaugurou uma trilogia de artilheiros do Ypiranga. No ano seguinte, Ailton (que depois andou no Inter e fez fama no futebol alemão) fez 16 gols e ficou no topo da tabela. Em 1996, Sandro Pires (mais tarde conhecido como Sandro Gaúcho, campeão da Copa do Brasil com o Santo André), com 12, foi o goleador.