A relação dos Hein com o São Luiz é quase a mesma do São Luiz com Ijuí. Se não dá para pensar no clube sem associar à cidade, igualmente é impossível desvincular a família da agremiação esportiva. Da arquibancada ao departamento médico, não há lugar no Estádio 19 de Outubro que Celso, Ruth, Matheus, Alexandre e Evelise não tenham pisado. Querem ver?
Comecemos pelos guris. Matheus e Alexandre são os filhos de Celso e Ruth. Os meninos, como os pais chamam, não moram mais em Ijuí, mas mantêm contato com a cidade do noroeste gaúcho mesmo vivendo em Cuiabá e Porto Alegre. Eles são o maior elo da família com o time, porque estiveram do lado de dentro do campo. Os dois jogaram nas categorias de base do clube: são os clássicos casos dos jovens que tentaram a sorte no futebol, percorreram o Estado correndo atrás da bola e representando uma região, arriscaram-se em peneiras em centros maiores e, no fim das contas, descobriram que a felicidade pode estar em outras funções, perto ou longe do esporte.
Matheus acabou no Mato Grosso e hoje trabalha em um escritório. Alexandre mudou-se para a capital gaúcha e, por causa da Educação Física, segue de perto sua paixão de infância e adolescência. Ainda que curta, a carreira de ambos foi intensa e traz tantas memórias positivas. Hoje está arquivada, e os recortes de jornais são cuidadosamente guardados, com as fotos e matérias relatando as histórias e partidas.
— Claro que a gente queria que eles tivessem seguido carreira, mas o caminho deles foi outro, que sejam felizes — diz Ruth, 54 anos.
Por causa dos filhos, Celso e Ruth seguiram o slogan daquele antigo comercial: não basta serem pais, têm de participar. Os Hein nunca deixaram de apoiar o time, e não só gritando na arquibancada. Foram bolos para vender, sanduíches para alimentar, rifas para sortear, água para refrescar. Ofereceram camas para os guris que vinham de fora poderem ficar na cidade, sem ter de viajar para suas casas nas estradas perigosas do RS. O lar dos Hein sempre foi um QG dos colegas de equipe.
— A gente trazia o piazedo que era da base para almoçar aqui — continua Ruth, com agradável sotaque e a divertida expressão, típicos da região.
Estilos diferentes, uma mesma paixão
Quando a história dos meninos nas categorias de base acabou, os pais mudaram o estilo de apoiar. Saiu a versão pai e mãe do comerciante Celso e da professora Ruth, entrou a modalidade sócio do clube. Os dois fizeram suas carteirinhas e passaram a frequentar o lado de fora do 19 de Outubro. Cada um ao seu estilo. Enquanto o pai é mais tranquilo, preferindo analisar o jogo e entender o que ocorre em campo, a mãe é passional, intensa, barulhenta.
— Nas partidas da base, quando tinha pouca gente vendo, os meninos diziam: "Dá para ouvir a mãe gritando lá de dentro do campo" — brinca Celso.
A presença deles no pavilhão social do 19 de Outubro ganhou a companhia da caçula. Evelise, 22 anos, também virou figura frequente e puxou pela mãe. Nada das observações frias do pai. Com ela, o esquema é pular na arquibancada, pressionar o juiz, incentivar o time da casa, intimidar os visitantes. Ao menos a gritos. É barulhenta no estádio e birrenta na internet:
Quando ia ao colégio e vinham jogar o Inter ou o Grêmio, eu dizia para os colegas: "Tudo bem, mas vocês vão torcer para o São Luiz, né?"
EVELISE HEIN
— Quando ia ao colégio e vinham jogar o Inter ou o Grêmio, eu dizia para os colegas: "Tudo bem, mas vocês vão torcer para o São Luiz, né?". Nas redes sociais, se começa o debate, pode ver que está lá minha foto defendendo o clube do Interior.
A passional torcedora Evelise, porém, precisou descer da arquibancada. Ela saiu do pavilhão e foi contribuir para o time dentro do departamento médico. Estudante de fisioterapia, fez um estágio no clube e cuidou da recuperação dos jogadores no ano passado.
Pela proximidade com os atletas e pelo jeitão simpático, fez mais do que ser "apenas" fisioterapeuta. Ser ijuiense ajudou a dar uma orientação aos jogadores, principalmente aos que vieram de longe, para se adaptar à cidade, conhecer os hábitos locais e entender o espírito do clube.
— Aqui no Interior, a gente cria um vínculo, convive com o pessoal, com os jogadores. É o lado familiar, e no que puder ajudar, tentamos. Uma pena é eles não ficarem mais tempo aqui, para podermos ter ídolos do time — complementa Celso.
Chance única na região
Em 2020, a torcida é a mesma de vários clubes do Gauchão. Os ijuienses querem que o time faça os pontos suficientes para escapar do rebaixamento. O São Luiz foi eliminado da Copa do Brasil pelo América-RN ao empatar em 0 a 0 e estará na Série D nacional no segundo semestre.
Em uma cidade como Ijuí, ter uma equipe para torcer, acompanhar, sofrer e sorrir é um luxo. Na região, os poucos municípios que têm time estão em divisões inferiores, o que faz o São Luiz não ter um rival local. E transforma as partidas da equipe em atrações.
— Não é só ir ver um jogo. É o lado do lazer, é ter algo a fazer, comer um cachorro-quente, uma pipoca — comenta Ruth.
Celso completa:
— Se quiser ver futebol, olha na TV. Daí tira dúvida, replay. Na arquibancada, não. Se olhar para o lado, perde. Isso é o estádio. Tem que gostar, e a gente gosta.