— Não tem cronograma, cursinho, auditório climatizado ou professor fantasiado que vá te fazer aprender e absorver o conteúdo. A única coisa que vai te fazer passar é manter a cabeça funcionando, sentar na cadeira e estudar, ninguém pode fazer isso por ti.
É o que diz a empresária Amanda Pizarro, 30 anos, que passou em primeiro lugar no curso de Medicina na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2024. Para ela e Daniel Fagundes de Souza, 25 anos, que ficou em segundo no mesmo curso, não existe pré-vestibular ou segredo para conquistar a tão almejada vaga. Segundo eles, o mais importante foi aprender a adaptar o cronograma de estudos às suas rotinas.
Gaúcha de Santa Maria, Amanda se formou em Engenharia de Produção na UFSM em 2019, e trabalha com ensaios fotográficos desde 2016. Durante a pandemia, veio a vontade de se dedicar a um propósito maior e de voltar a estudar, que sempre foi algo prazeroso para ela.
A jovem começou a se dedicar aos estudos em maio de 2022, mas não chegou a fazer cursinho – todo o período de preparação para o vestibular foi em casa, por meio de plataformas de videoaulas e resolvendo provas antigas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A aprovação veio agora, depois de um ano e meio de dedicação à rotina de estudos, que ela conciliava com o trabalho e as tarefas domésticas.
— O momento mais emocionante, para mim, foi quando saiu a nota do Enem, mesmo tendo que esperar depois o resultado do Sisu. A partir do momento em que vi a nota, eu sabia que teria condições de passar em alguma universidade federal. Mas não fazia a menor ideia de que seria em primeiro lugar, isso nem passou pela minha cabeça. Foi surreal — conta a fotógrafa. Os resultados da edição única do Sisu 2024 foram divulgados na última quarta-feira (31).
No Enem 2023, ela alcançou a maior nota da área de Matemática: 958,6 pontos. Ela conta que, com a nota, poderia ingressar na Medicina em outras instituições, inclusive na Universidade de São Paulo (USP), mas o sonho dela era cursar na UFSM e seguir morando perto da família.
Mudança de rota
Natural de Rosário do Sul, Daniel também mora em Santa Maria e tinha o sonho de cursar Medicina na federal. Antes, ele ingressou no curso de Odontologia, em 2017, e foi longe – foram dois anos na graduação na UFSM. Ele tinha a certeza de que queria algo na área da saúde, mas percebeu que não estava realizado naquele curso. Então, o aluno trancou a graduação e decidiu se dedicar integralmente aos estudos para conquistar a vaga na Medicina.
— Eu me sentia mal, como se estivesse regredindo. Mas percebi que precisava dar alguns passos para trás para ganhar impulso, para poder ir mais longe ainda. E deu muito certo, agora estamos comemorando essa vitória —, celebra. Daniel passou com nota média de 823 pontos.
Sei que o curso de Medicina tem esse estereótipo, de que a pessoa precisa gastar muito dinheiro com cursos, e passar anos e anos estudando. Mas é possível estudar em casa e passar.
DANIEL FAGUNDES DE SOUZA
CALOURO DE MEDICINA NA UFSM
O gaúcho conta que também estudou só em casa, com a ajuda de videoaulas de reforço em algumas disciplinas específicas, e resolvendo questões de provas antigas, que foi seu maior foco. Foram dois anos e meio neste esforço e cerca de R$ 3 mil gastos com as plataformas de aulas. Além de ter realizado um sonho, ele diz que fica contente por poder inspirar outras pessoas que também estudam em casa para o vestibular, sem poder arcar com os custos de um curso.
— Eu sempre estudei em escola pública, fiz Ensino Médio na escola Plácido de Castro. Meus pais não chegaram a concluir o Ensino Fundamental, mas eles sempre incentivaram meus irmãos e eu nos estudos, e puderam nos proporcionar isso. Sei que o curso de Medicina tem esse estereótipo, de que a pessoa precisa gastar muito dinheiro com cursos, e passar anos e anos estudando. Mas é possível estudar em casa e passar — destaca.
Sem estratégia padrão
Mas a rotina de Daniel nem sempre foi a mesma. Desde maio de 2021, quando começou a se preparar, ele foi adaptando seus hábitos e reorganizando seus horários, de tempos em tempos, para garantir o máximo de rendimento possível, prezando também pela saúde mental. Para ele, essa é uma das vantagens de estudar em casa, a autonomia. Ele diz que não existe estratégia que funcione para todos.
— A gente vai aprendendo e vendo o que funciona melhor pra gente. O que funcionava melhor para mim é acordar bem cedo, pelas 5h30min, e fazer pausas ao longo do dia. Eu não fazia longas baterias de estudos, fazia momentos de descanso e cochilava depois do almoço, geralmente. Mas não tem dica que se encaixe na rotina de todo mundo — argumenta.
Para Amanda, não fazia sentido acordar tão cedo e ter uma rotina tão engessada como um cursinho impõe, muitas vezes, por conta dos horários das aulas.
— Para mim, um diferencial foi não focar apenas no conteúdo, nas aulas expositivas e nos exercícios. Eu fazia isso, mas me cerquei de formas diferentes de estudar. Eu gostava de escutar podcasts enquanto lavava a louça, por exemplo, e gravava áudios lendo minhas redações para ouvir e absorver. Eu ia variando as estratégias, não era algo engessado.
Ambos mencionaram outro ponto fundamental: controlar e mensurar os estudos. Ao longo do tempo, Amanda e Daniel foram contabilizando quantas questões resolveram, e quanto tempo levaram estudando cada área, cronometrando o tempo de estudo por meio de aplicativos de celular. Isso serviu para que pudessem identificar quais áreas e disciplinas careciam de mais dedicação e quais eram seus pontos fortes.