Natural de Goiânia, a nova secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, assume no lugar de Faisal Karam com o objetivo de combater a evasão escolar causada pela pandemia em território gaúcho. Aos 74 anos, a ex-deputada federal (PSDB-GO) e ex-secretária de Educação de Goiás por duas vezes traz na bagagem o bom desempenho do Estado do Centro-Oeste, que ficou em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no Ensino Médio e atingiu todas as metas do indicador durante sua gestão.
Graduada em Letras, mestre em Letras e Linguística pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Linguística pela Universidade da Califórnia em Berkeley, com pós-doutorado pela Escola de Altos Estudos de Paris, ela afirma, em entrevista a GZH, ser contra obrigar a presença de estudantes em sala de aula, mas diz que escolas precisam abrir para acolher as famílias interessadas. Ao mesmo tempo, afirma ser contra abrir instituições sem condições de seguir protocolos sanitários. Leia trechos da entrevista concedida nesta segunda-feira (5):
A senhora assumiu há uma semana como nova secretária de Educação do Rio Grande do Sul trazendo nas costas a melhora de Goiás no Ideb. Qual será a marca da sua gestão aqui?
São momentos, culturas e realidades diferentes. Em Goiás, eu tinha o desafio de melhorar o desempenho acadêmico e a aprendizagem dos alunos. Tivemos sucesso. Mas, no Rio Grande do Sul, assumo em uma pandemia, algo que a humanidade não via há cem anos. Mais do que resultados de Ideb, o que é prioritário nesse momento são condições seguras para o retorno às aulas. Até lá, ter condições qualitativas de oferecer ensino remoto e híbrido. A escola envolve profissionais da educação, alunos e famílias. Temos que encontrar caminhos que sejam melhores para todos, ou para a maioria. Quando se fala em retorno, se pensa em vacina. Eu, como professora, sou grande defensora da priorização da vacina para professores, já conversei sobre isso com o governador Eduardo Leite e com o Judiciário, mas a situação é complexa. E não só no Brasil. Dos 30 países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 19 priorizaram a vacina para professores. Outros, não. Mesmo lugares bem-sucedidos, como Reino Unido, não priorizaram professores. Eu tenho um neto holandês e, na Holanda, ele não deixou de ter aula, mesmo com os professores não sendo vacinados e não fazendo parte da lista prioritária. Acho, pessoalmente, um equívoco, mas cito isso para mostrar que a resolução não é simples. Acho que não podemos condicionar o retorno à vacina. Há mecanismos de encontrar caminhos em que os professores sejam salvaguardados com as regras tradicionais de distanciamento social, álcool gel e rodízio de alunos. Temos que pensar nos alunos que não têm condição, em casa, de acesso por não ter internet banda larga, computador ou celular.
Como a senhora vê o impasse da volta às aulas, em meio às opiniões divididas do Cpers, Sinepe (Sindicato do Ensino Privado) e das famílias?
Com naturalidade. A pandemia impactou todo mundo e causou insegurança. Professores estão com medo de ir à aula e serem contaminados, embora tenha havido contaminação e mesmo morte de professores, lamentavelmente, com escolas fechadas. O único estudo científico que há no Brasil, feito pela Universidade de Zurique com apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), acompanhou entre setembro e dezembro escolas de 131 municípios de São Paulo, comparadas com escolas de outros 131 municípios em situação similar de população e condições de vida. O resultado é que a escola aberta não determinou mais contaminação nem óbitos. Por quê? Porque atenderam às regras rígidas de segurança. Entendo e compartilho do medo dos professores. Mas, como secretária de Educação, tenho que olhar para o cenário global. Não sou só professora, sou responsável por um sistema que envolve centenas de milhares de alunos. E os alunos claramente estão perdendo muito em termos cognitivos, emocionais, sociais, psicológicos e nutricionais. A pandemia escancarou as desigualdades. Defendo que as escolas estejam disponíveis para os pais que quiserem. Para os pais que optarem pela permanência dos filhos em casa, a secretaria tem que oferecer o ensino remoto.
A senhora vê caminho para a inclusão de professores nos grupos prioritários da vacinação?
Esse é o desejo do governador Eduardo Leite e de todos os governadores e prefeitos que conheço. Mas há um Plano Nacional de Imunização (PNI) que define os grupos prioritários. É uma discussão complexa que não será resolvida amanhã. Meu papel, como secretária de Educação, é encontrar melhores caminhos para as escolas. Como os professores são afetados? Pela possibilidade de contato. Como os estudantes são afetados? É um grupo de menor vulnerabilidade à covid-19. No entanto, é o mais afetado com perdas cognitivas. Por mais que professores tenham feito esforços enormes, sabemos que o ensino remoto não tem o mesmo efeito sobre a aprendizagem. Há efeitos muito graves sobre o socioemocional da criança, há vários dados reportando ansiedade, depressão, irritabilidade e violência. As pessoas estão discutindo volta do culto, e não da escola.
A senhora menciona que não há como priorizar a vacinação dos professores porque isso depende do PNI, que é desenhado pelo Ministério da Saúde...
Não é uma decisão isolada minha nem do governador.
Mas outros Estados decidiram vacinar profissionais da educação antes das pessoas com comorbidades, ou seja, não seguindo à risca o PNI. São Paulo começa já neste mês. Por que o Rio Grande do Sul não faz o mesmo?
Essa foi uma decisão pessoal do governador João Doria. É o único Estado que priorizou, contrariamente ao que os governadores haviam decidido. Foi uma decisão isolada, não quero julgar aqui, mas foi uma decisão do governador João Doria. (Na verdade, além de São Paulo, optaram por vacinar antes profissionais da educação também Espírito Santo e Distrito Federal.)
Não haverá vacina suficiente no curto prazo para todo mundo. Como seria para a senhora a vacinação dos professores?
Eu colocaria uma faixa inicial de 47 anos para vacinar todos os professores das escolas estaduais, municipais e privadas.
E os professores com comorbidades? Eles entram em grupo prioritário depois de 60 anos. Seria um caso de ter atenção especial a professores com comorbidade ou esses devem continuar em trabalho remoto?
Eu defendo que esses grupos de risco sejam preservados enquanto não tivermos condição de retorno seguro, mas essa decisão não é minha, e sim do Gabinete de Crise. Isso implica contratar alguns professores temporários para cumprir carga horária? Sim, o esforço é coletivo.
A Seduc planeja contratar professores temporários para repor no presencial os professores idosos e com comorbidades e que não poderão ir ao presencial?
Claro. Se houver essa necessidade, tem que ser.
A senhora defende o retorno das aulas presenciais antes da vacinação de todos os profissionais da educação?
Temos que encontrar caminhos para fazer esse retorno mesmo antes da vacinação. Por que se defende a volta às aulas com tanta veemência? Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que esse ano de escolas fechadas causa até quatro anos de atraso escolar. Isso tem impacto na formação de jovens, que não estarão preparados para enfrentar o mundo do século 21.
No RS, estamos há várias semanas em bandeira preta, mas os números começaram a melhorar. O que precisa para retomar as aulas na bandeira vermelha?
Condições adequadas nas escolas. Estou discutindo escola por escola o que o Estado precisa fazer. As escolas são muito diversas. Há escolas completamente preparadas, e essas podem voltar. Se uma não puder voltar em condições de fazer distanciamento social e ter um mínimo de ventilação, eu sou a primeira a não querer que essa escola, especificamente, abra. Quero garantir aprendizagem e convívio social dentro da situação precária em que vivemos. Sou a primeira interessada em querer escolas abertas em condições de segurança para profissionais da educação e os jovens.
Vários países continuaram a ter aulas, mesmo com interrupção de outras atividades. Qual seria o modelo ideal para a educação pública e privada?
Eu sou defensora da escola pública, mas acho que ela é a parteira da democracia. Ela é uma oportunidade para todos se desenvolverem. No sistema público, assim que retornar, vou fazer uma avaliação diagnóstica para entender em que nível estão nossos alunos e organizar um programa de recuperação de português e matemática. Acho que, independentemente de ser pública ou privada, o que deveria determinar a abertura é a condição de funcionamento. O que mais me incomoda nessa pandemia é a desigualdade profunda que está se estabelecendo. Já éramos um país extremamente desigual, e essa desigualdade está sendo muito aprofundada. Nenhum país se torna desenvolvido com desigualdade desse tamanho. A cada três meses de escola fechada, significa 3% de impacto na renda do aluno ao longo da vida, segundo estudo da OCDE. O auxílio-emergencial, absolutamente necessário, é temporário. Se não acudirmos alunos das escolas públicas, vamos criar um contingente de pessoas que precisarão, no futuro, de programas de transferência de renda. A escola de hoje é a economia de amanhã.
No pedido feito ao STF para suspender a ação que impede a volta às aulas, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) diz que as regras do Rio Grande do Sul não obrigam a presença dos alunos nas escolas...
A decisão é da família. Mas o Estado tem obrigação de oferecer a condição para a família que optar pela aula presencial. Essa é a questão.
A dúvida é: o governo estava avaliando pedido do Sinepe (Sindicato da Escolas Privadas) para tornar a presença dos estudantes obrigatória. A senhora é a favor ou contra?
Neste primeiro momento, a presença dos estudantes é opcional. As escolas privadas têm condições diferentes, mas mesmo na rede privada entendo que a família tem que ter o poder de decisão se o filho vai ou fica em casa.
Muitas escolas afirmam não ter ventilação nem distanciamento, além de outros problemas que impedem seguir os protocolos sanitários. A senhora afirma que escolas onde, pontualmente, houver esse tipo de problema é melhor não voltar. O que a Seduc fará, concretamente, para resolver esses casos? Vai reformar essas escolas?
Depende da situação de cada escola. Na reunião que terei hoje com os coordenadores regionais, a primeira coisa que estou pedindo é a listagem nominal das escolas que os coordenadores regionais entendam não estar preparadas. Se for uma reforma rápida, priorizaremos essa reforma. Se for outra circunstância, vamos tentar resolver. Não tenho como generalizar uma resposta para uma situação que é variável. Tenho que conhecer, e é o que estou fazendo. Se uma escola não estiver apta a receber alunos com segurança, eu sou a primeira a querer que essa escola não abra. Mas eu quero conhecer exatamente quais são os problemas que a impedem. Estou aberta a priorizar as ações da Secretaria de Educação nessa direção.
A Seduc tem verba para fazer esse tipo de reforma? Tem liberdade para pedir ao Orçamento verba para isso?
Prioridade é prioridade. Teremos que descobrir. Infelizmente, educação não é e nunca foi prioridade no Brasil. Se você pensar que, na nossa história de 500 anos, cumprimos a universalização da educação cem anos depois de países desenvolvidos... No fim do século 19, o Ensino Fundamental já era universalizado nos Estados Unidos, na Europa e em alguns países da Ásia. O Brasil só universalizou o Ensino Fundamental no fim do século 20. Temos cem anos de defasagem, o que mostra o descaso com a educação. Os filhos da elite no Brasil estudavam na Europa. Para dar renda à atividade extrativista não era necessário dar educação para quem era mão-de-obra. No século 21, se não tivermos pessoas altamente capacitadas para o mundo complexo, tecnológico e competitivo, o Brasil estará perdido. Vamos nos alinhar com o que há de mais atrasado. Ou se prioriza a educação ou não construiremos o futuro que o Brasil merece. Eu falo isso porque, se iremos priorizar a aula porque a aula é importante, a secretaria terá que arranjar dinheiro para fazer reformas necessárias.
O que a Seduc sob sua gestão fará para melhorar o problema de conectividade dos estudantes de escolas públicas?
Infelizmente, teremos que lidar com ações estaduais. Isso tinha que ser tarefa do governo federal. Existe, desde 2001, um fundo para tecnologia na escolas, o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Desde que as privatizaram as comunicações, se você olhar na sua conta de telefone, tem um imposto que você paga todo mês para o Fust. Esse imposto foi criado quando eu era, à época, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação) e secretária de Educação em Goiás. Eu que negociei, em nome dos professores, toda a questão do Fust: equipar as escolas com tecnologia. Esse dinheiro está parado, são mais de R$ 36 bilhões parados. O Congresso Nacional aprovou há algumas semanas a utilização de R$ 18 bilhões do Fust para dar equipamentos e banda larga às escolas brasileiras. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, mas o presidente Jair Bolsonaro, lamentavelmente, vetou. Vacinação prioritária de professores deveria vir do Ministério da Saúde, internet nas escolas deveria vir do Ministério da Educação, mas não estamos tendo o apoio necessário neste momento. É uma pena, vamos tentar resolver com os recursos locais. Vai limitar, poderia ser uma ação muito mais ampliada, mas terei que ver com a área econômica e o governador. Estou fazendo o caminho possível.
Mas qual a sua ideia para melhorar a conectividade?
Temos que gerar condições de banda larga. Entendo que o secretário Faisal comandou um trabalho grande de aquisição de computadores para professores, de aumento da banda larga. Estamos avaliando se o que foi feito no ano passado foi o suficiente. Acredito que precise ser incrementado. A área técnica está avaliando para mim.
Quais serão as três prioridades da Seduc sob o seu comando?
Diagnosticar a infraestrutura da escola, dos níveis de aprendizagem e número de professores e alunos disponíveis para o retorno. Quem é grupo de risco, por idade ou comorbidade, quantas turmas precisaremos fazer, quem terá prioridade no retorno da escola. Se eu não souber número de alunos e de professores, terei dificuldade em organizar o retorno.
Muitos professores e pais têm receio do retorno presencial pela nova cepa mais contagiosa e por não termos vacinação prevista para menores de 18 anos, o que demorará ainda, uma vez que farmacêuticas agora começaram a testar vacinas em crianças e adolescentes. O que a senhora tem a dizer a quem teme o retorno por essas razões?
Eu respeito profundamente o receio das famílias e dos profissionais da educação. Por isso, chamo todos a discutir. As famílias que optarem por manter seus filhos em casa poderão fazê-lo. Os profissionais da educação têm uma situação diferente, não têm essa opção, mas serão respeitadas todas as regras de risco e de comorbidade. Quem não é grupo de risco, vamos sentar e discutir. Espero contar com a dedicação e o compromisso dos professores.