Cerca de um mês após a retomada das aulas presenciais, escolas privadas de Porto Alegre receberam mais de 6,7 mil estudantes, mostra levantamento de GZH com base em 15 grandes instituições da cidade (Farroupilha, Dom Bosco, Israelita, Província de São Pedro, Santa Doroteia, Concórdia, Assunção, Champagnat, Ipanema, Rosário, Leonardo da Vinci Alfa e Beta, Anchieta, Monteiro Lobato e João XXIII). Na maioria, entre 25% e 50% dos estudantes já retornaram — a maior adesão é de crianças de até 10 anos.
A avaliação da nova realidade depende do ponto de vista: o modelo funciona na visão de diretoras, é melhor do que o remoto para pais e tem a ressalva de professores.
A maior presença de alunos é na Educação Infantil e, em menor quantidade, do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, informaram as instituições e o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), que representa escolas.
O Colégio Batista optou, junto com pais, por não retomar as aulas presenciais, destacando que nenhum aluno ficou “um dia sequer sem aula”. Sévigné não respondeu. O atual modelo de educação no qual parte dos estudantes está na escola e parte está em casa é chamado de “híbrido”. A divisão da turma ocorre quando a procura é grande e os jovens precisam ser separados para não lotar a sala — um grupo frequenta a escola uns dias e, depois, quem estava em casa vai para o presencial.
Cada instituição tem sua regra, mas o mais comum é que o professor seja filmado e a aula seja transmitida ao vivo em plataformas como Google Meets ou Microsoft Teams, ao estilo de faculdades EaD.
Em alguns casos, uma câmera filma o professor na lousa dando a aula normalmente. Em outros, o docente fica sentado na mesa e usa o notebook, cuja tela é projetada no quadro-negro para quem está na escola enquanto é também compartilhada com o computador de quem está em casa. Ao falar pelo microfone, é escutado por todos.
Na Educação Infantil e Ensino Fundamental 1, escolas transmitem entre uma a duas horas de aula pela internet, já que os menores não prestam atenção por muito tempo. No resto do tempo, quem fica na escola tem reforço do conteúdo dado no ano e, para os alunos remotos, são enviados exercícios. Os estudantes mais velhos têm carga horária normal.
Exemplo da realidade das escolas particulares, o Colégio Dom Bosco teve adesão de cerca de 350 dos seus quase 1 mil alunos. A Educação Física não tem bola e, na aula de Música, cada aluno leva sua flauta. Em uma turma do 1º ano, 20 alunos foram divididos em dois grupos presenciais– um terceiro conjunto ficou em casa, no ensino remoto.
Na tarde de quarta-feira (11), a professora Cláudia Velho dava uma aula de Matemática para o grupo de oito crianças por duas horas. Neste período em que todos estão juntos e a aula é filmada, a combinação é de que os estudantes presenciais façam pouco barulho para não dificultar a escuta de quem está em casa. As classes mantêm distância e os pequenos usam máscaras coloridas.
Após perder alguns minutos com problemas para fazer login, Cláudia entra no Google Meets, projeta, na lousa, a imagem dos estudantes que estão em casa e saúda todos. Em seguida, a projeção muda para uma imagem que simula um caderno, no qual está a data. Ela pede para os estudantes começarem a copiar.
Cláudia enfrentou o desafio de alfabetizar a turma remotamente. Teve sucesso: quase todos já aprenderam a ler e escrever. Ela destaca que os alunos na escola estão felizes de voltar a conviver com os amiguinhos.
— Foi um desafio. Tive que me adaptar. Percebi que tiveram mais facilidade de se alfabetizar aqueles que tinham maior suporte dos pais — diz a professora.
— Tem criança que tem problema com a própria imagem e não gosta de abrir a câmera e se ver. Aí eu tenho que pedir para abrir, senão não sei qual a reação dela na aula — acrescenta Cláudia.
A comunicação online traz situações fofas, como uma aluna que aparece na câmera para mostrar que o dente de leite está caindo (“olha como está”, diz, abrindo a boca para todos em um largo sorriso).
O expressivo Eduardo, sete anos, mostra pela câmera um gatinho que desenhou para uma tarefa. A professora elogia, mas a tecnologia e a máscara atrapalham a comunicação.
— Conseguiu apontar todos os lápis?
— Não entendi — responde o menino.
— Conseguiu apontar todos os lápis?
Barulho inaudível.
— Não entendi, Dudu — diz a professora.
Silêncio.
— Conseguiu, Dudu?
— Uhum — responde o garoto.
Em outra sala, 10 alunos do 5º ano aprendiam presencialmente Geografia com a professora Daniela Carpes, enquanto um grupo assistia à transmissão de casa. Ela levanta um globo terrestre e aponta para a webcam, explicando o que é o meridiano de Greenwich. Comportados, os estudantes presenciais fazem silêncio.
— A gente precisou se adaptar e tentamos fazer da melhor forma — diz Daniela.
O que pensam as mães?
A volta à escola deixou Marcelo, aluno do terceirão do Ensino Médio do Dom Bosco, e Miguel, no 5º ano, muito mais felizes, conta a mãe, Adriana Pereira. No ensino remoto, o caçula estava desmotivado e o primogênito só seguia em frente graças ao pré-vestibular.
— A gente via que eles estavam bem desanimados. Agora, voltaram a ser meus filhos. As condições eram: vocês querem voltar? Vai ter distanciamento, não vai ter bola no pátio. Mesmo assim, quiseram. Estão adorando, estavam de saco cheio da aula em casa e loucos para voltar — conta Adriana.
Marcelo, que estuda para o vestibular de Medicina, diz que o novo modelo é completamente diferente de antes da pandemia, mas bem melhor do que as aulas só a distância.
— É bom ver os professores, anotar no quadro, poder conversar com os colegas. A pior parte é usar máscara por cinco horas — diz o estudante do terceirão.
O pequeno Eduardo, que mostrou aos colegas o desenho de um gatinho, não retornou às aulas presenciais porque a mãe, Roberta Flores, entendeu que não valeria a pena: o ano letivo acaba no próximo mês, a pandemia segue ativa e o filho pode ficar na avó. Ela diz que as aulas 100% online estão funcionando, elogia o trabalho da professora em alfabetizar os estudantes e diz que 2020 não foi um ano perdido.
— Meu filho aprendeu a ler rápido, as aulas começaram em fevereiro e em abril ele estava lendo. Em alguns momentos, a aula pode ficar cansativa e eles dispersam, mas a professora conduz bem e com carinho. O Eduardo às vezes sai da cadeira, pega um boneco e começa a brincar enquanto a professora fala com outro colega, mas imagino que, na aula presencial, não seja tão diferente. Pode ser que não consigam passar toda a matéria do ano, mas é bem recuperável no ano que vem — avalia.
O que pensam professores?
A sobrecarga frente à época em que precisaram aprender a lidar com tecnologias e produzir vídeo aulas reduziu, mas agora professores sentem que precisam "equilibrar malabares", segundo entrevistados ouvidos por GZH na condição de anonimato.
As dificuldades incluem atender a estudantes presenciais e a quem está em casa falando pelo microfone, cobrar que os jovens na escola respeitem protocolos sanitários, registrar burocracias na internet, enviar atividades para quem está em casa e lidar com a convivência com muitas pessoas – em grandes escolas, alguns docentes chegam a ver mais de 100 alunos por dia.
— Muitas famílias tomam o uso de máscara como uma questão ideológica, e o professor precisa lidar com isso em sala de aula. Eu diria que o modelo híbrido funciona, mas não de uma forma tão eficiente. Talvez o mais importante seja a continuidade da interação do aluno com professor e outros colegas, pela questão mais emocional. Dentro do nosso contexto, o híbrido é a melhor solução. Para alguns alunos, o distanciamento é extremamente prejudicial — avalia a diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro) Cecília Faria.
Uma professora de línguas de um colégio conta que o novo cenário é desafiador, mas que achava que o cenário “seria mais caótico do que está sendo”.
— Não é o ideal, não é como a gente mais gosta, mas acho que está ok. Estamos conseguindo levar. Eu tinha receio de que os pequenos seriam a parte mais difícil, mas estava redondamente enganada. A faixa etária entre primeiro e o segundo ano do Ensino Médio são os piores, porque não são tão pequenos a ponto de terem medo de fazer algo de errado, mas não são tão maduros quanto o terceiro ano, que entende as coisas de forma séria — diz.
Um professor de uma escola de elite da zona norte de Porto Alegre dá aulas ao vivo para mais de 30 alunos presencialmente e outros 30 que assistem de casa. Ele também testemunha desrespeito às regras sanitárias.
— O distanciamento existe na organização da sala, mas os adolescentes não se comportam assim: eles se abraçam, chegam próximo aos professores e funcionários. Os protocolos são objetivos, mas, na prática, não são obedecidos. Se eu parar a aula a cada vez que vejo uma máscara mal colocada, não consigo trabalhar. Preciso fazer vista grossa — diz.
Uma professora de uma escola de elite, por outro lado, diz que já havia se acostumado às aulas 100% a distância e que as condições de trabalho agora estão piores. Seu maior medo é pegar coronavírus.
— Não aumentou o trabalho em comparação às aulas remotas. O que aumentou é a parte estressante do dia a dia: falar cinco períodos sem parar com uma máscara e estar com uma escola com muitos alunos durante a pandemia. Uma coisa é colocar a mesa num quadrado, outra coisa é garantir que a criança fique naquele quadrado. Alguns não ouvem o que pergunta quem tá em casa, e eu tenho que repetir. A qualidade do meu trabalho piorou, tenho que trabalhar mais e render menos — afirma.
O que pensam as escolas?
As escolas ouvidas pela reportagem afirmam que o modelo híbrido funciona e contribui para fortalecer os laços dos estudantes com professores e outros alunos. A pandemia impôs bastante trabalho: em 2019, planejaram um ano, depois arquitetaram um ano só online e, agora, foi preciso se adaptar a um sistema híbrido.
— Esse foi um ano de reinvenção. Claro que a educação presencial, do olho no olho, é melhor. No virtual, a aprendizagem depende da família. Talvez a gente tenha que revisar alguma lacuna em 2021, mas a gente tentou se adaptar e fazer da melhor forma. No fim, entendemos que a decisão dos alunos virem é dos pais, que tínhamos que abrir as portas para quem queria trazer os filhos — diz Maria Elvira Jardim, diretora do Dom Bosco.
O Colégio Israelita é um dos que teve a maior adesão ao modelo híbrido – dos 950 alunos, cerca de 70% já voltaram com alguns dias de aula presencial e outros, online. O superintendente da instituição, Janio Alves, reconhece que o cenário é desafiador, mas afirma que aprender a dar aulas no formato, neste fim de ano, também ajudará no começo do ano que vem – a perspectiva é de que haja vacina entre o fim do primeiro semestre e a segunda metade de 2021.
— No Fundamental 1 e na Educação Infantil, o aproveitamento é excelente, as crianças precisavam retornar para ter a interação mais face a face. No Médio, não vamos problemas de aproveitamento. Claro que estamos aprendendo e se adequando, mas não apareceu interrupção no trabalho pedagógico. É mais complexo, mas a comunidade escolar está consciente das dificuldades — afirma o superintendente do Israelita.
No Colégio Santa Doroteia, a coordenadora de curso, Andréia Kunzler, cita que o grande ganho do aluno é estar com colegas e professoras no ambiente da escola. Os menores, notaram professoras, já tinham perdido o hábito de copiar no caderno. No Ensino Médio a adesão é menor, reflexo, segundo ela, da adaptação dos estudantes ao ambiente online.
— A gente conseguiu com a plataforma ter muitos ganhos e resultados. Quando o professor retorna ao presencial, o desafio é maior: tem alunos do presencial, tem que cuidar os protocolos e ainda dar conta de quem está em casa. São desafios grandes. Claro que às vezes tem uma dificuldade de um professor dar aula, um aluno cai e a família liga dizendo que não consegue acessar. Mas temos suporte técnico para isso, para quando o microfone não funciona ou dá algum problema.
*Colaborou Jhully Pinto.