Os alunos de instituições da rede estadual que retomam as aulas nesta segunda-feira (26) encontrarão realidades diferentes, que vão desde escolas significativamente reformadas até aquelas que ainda aguardam a realização de obras importantes. Será um início atípico: em alguns colégios, onde a greve no ano passado chegou a 94 dias, as aulas do último ano letivo só terminam em março, com as lições do ano letivo de 2018 começando apenas em abril.
Nesta entrevista, concedida na última quarta-feira (21) na sede da Secretaria Estadual da Educação, em Porto Alegre, o titular da pasta, Ronald Krummenauer, fala sobre o atual cenário da educação no Rio Grande do Sul. Afirma que a diminuição no número de alunos nos últimos anos – fruto, também, da queda na taxa de natalidade – deve inevitavelmente levar ao fechamento de mais escolas. Garante que vai colocar em discussão neste ano o atual sistema educacional, propondo uma revisão do plano de carreira dos professores, e explica que foi mal interpretado ao regulamentar a atuação de professores voluntários.
A queda no número de matrículas na educação básica deve significar o fechamento de mais escolas?
O fato é que diminuiu barbaramente o número de alunos. Vou te confessar uma coisa: eu me arrependo de não ter fechado mais escolas nesse primeiro momento. Não porque eu gosto ou porque acho correto, mas porque tu tem uma possibilidade de utilizar aqueles professores em uma outra escola, onde está faltando. Às vezes é um deslocamento muito pequeno. Sem falar naquelas escolas que eu acabei não fechando porque a sociedade, deputados, veículos de comunicação (se opuseram). Hoje tu tem, em algumas cidades – Porto Alegre entre elas – uma capacidade física maior do que o número de alunos, até porque caiu 600 mil alunos no Estado nos últimos 15 anos. Na essência, fechar escola é legal? Não é. Alguém gosta? Absolutamente não. Mas tem sentido, como estão nascendo menos pessoas, como há menos alunos, tu manter a mesma estrutura física? Claro que não. A Maria Thereza (Escola Estadual Maria Thereza da Silveira, em Porto Alegre) teve mais ou menos o mesmo número de alunos (inscritos) do ano passado, 120 a 150, e tem capacidade para 620. Ela só vai ter alunos porque vamos na central de matrículas migrar alunos para lá. Procura espontânea, não tem. O Protásio Alves (Colégio Estadual Protásio Alves, também na Capital) tem capacidade para 2.175 e teve 1.043 alunos inscritos em 2017. A Ernesto Dornelles (Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles, na Capital): capacidade para 1.221, tinha 1.038. O Julinho (Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, com capacidade) para quase 5 mil alunos, tem 1.593 alunos (inscritos especificamente para essa escola). É um caso que, se for bem organizado, vamos combinar que poderia absorver talvez umas duas ou três escolas ali por perto. Não precisa ser em 2018, e não estou nem dizendo que tem que ser em 2019, mas inevitavelmente vamos ter que fazer isso (fechar mais escolas). Qual é o sentido de tu ter uma escola com capacidade para 620 que tem 120 alunos? Se tu tem outras quatro ou cinco escolas ali por perto que poderiam (transferir os alunos para lá)? Não tem lógica isso.
Foi possível dar início a discussões sobre o plano de carreira dos professores, como o senhor pretendia? Após uma greve que chegou a durar 94 dias no ano passado, o senhor mantém essa ideia?
Não vejo alternativa para um dia o Rio Grande do Sul pagar o piso nacional sem se trabalhar o plano de carreira, que é de 1974. Tu tem um orçamento de R$ 9 bilhões na Secretaria de Educação, R$ 2 bilhões a mais que toda a prefeitura de Porto Alegre, e quase R$ 8,1 bilhões são da folha de pagamento. Se dermos R$ 500 de aumento, entre ativos e inativos, vamos acrescentar R$ 1,3 bilhão no orçamento do Estado. E mesmo assim não pagaríamos o piso. Não há como, sem rediscutir. Há ainda outras coisas: o sistema educacional, que é da década de 1960. O difícil acesso, que foi atualizado pela última vez em 1992 e que deveria ser atualizado todos os anos. Mas eu não acho que essas coisas têm que ser tratadas isoladamente. O sistema educacional é que precisa ser revisto. Porque, isoladamente, parece que tu está querendo punir. Essa discussão vai ser colocada ainda em 2018.
O senhor já disse que considera a palavra "meritocracia" muito vinculada à iniciativa privada. Mas cogita aplicar algum tipo de remuneração aplicada ao desempenho nas escolas do Estado?
Eu acho absolutamente injusto considerar todo mundo, em qualquer área, inclusive na educacional, como se tivesse desempenhos equivalentes, ou esforços equivalentes. Se tu és um professor dedicado de matemática, que busca alternativas, tuas avaliações são ótimas, teus alunos têm um aprendizado bom – porque eu vejo isso pelo sistema de avaliação –, têm um ótimo resultado, passam de ano e vão muito bem no ano seguinte, tu ganha (por exemplo) R$ 1 mil. Um professor de matemática também no mesmo nível que tu, em termos escolares, mas que não tem um desempenho tão bom, não está muito preocupado, ele também ganha os R$ 1 mil. Na minha avaliação, tu está financiando ele. Porque talvez ele tivesse que ganhar R$ 700 e tu, R$ 1,3 mil, desses mesmos R$ 2 mil. Isso não é uma coisa fácil de ser feita. Tem que ser discutida, sem dúvida. O momento político para fazer isso vai ter de ser decidido pelo governo.
Como o senhor avalia a iniciativa de convocar o trabalho de professores voluntários nas escolas da rede pública?
Em nenhum momento pensei naquilo como voluntário substituindo professor. Minha intenção era abrir a possibilidade de se poder regulamentar o trabalho voluntário na educação. Pode ser uma aula que não esteja sendo dada de história que a gente vá preencher, um trabalho a ser feito na própria escola, uma atividade de esportes no contraturno. Eu acho que nós nos explicamos mal. Até porque era durante a greve, o que talvez tenha colaborado para isso. O que estamos fazendo para retomar (o projeto): temos uma parceria com a ONG Parceiros Voluntários, que vai nos ensinar a trabalhar com voluntários. Agora vamos ver como o voluntariado pode funcionar.
Não vejo alternativa para um dia o Rio Grande do Sul pagar o piso nacional sem se trabalhar o plano de carreira, que é de 1974.
A secretaria tem avaliado outras formas de suprir a carência de professores?
Estamos estudando a possibilidade de se utilizar professores inativos, a partir de uma remuneração, para suprir carências de professores. Essa negociação está sendo feita com a Secretaria da Fazenda. Infelizmente a gente ainda não conseguiu encontrar a maneira de regulamentar isso. Se um professor teve um problema de saúde e apresenta um atestado de 30 dias, de 45 dias, para ficar afastado, o tempo que eu levo para buscar um professor temporário, ainda que da mesma disciplina, na mesma cidade, morando até no mesmo bairro, é mais do que esses 45 dias. Vai ser uns 60 dias, por uma série de questões burocráticas. Com esse banco de inativos, quase como um grande banco de reservas – naturalmente, se o professor tem interesse, e não estou querendo pegar alguém que está há 20 anos afastado –, eu poderia rapidamente suprir isso. Voltou o professor titular, a vida continua. Queremos tentar "jogar" entre utilizar um banco de inativos remunerados e, eventualmente, um professor voluntário. Mas absolutamente para suprir (a ausência de) professores.
A proposta de buscar parcerias com setores como organizações não governamentais, universidades comunitárias e o Sistema S, entre outros, avançou? Por que é importante?
É difícil, hoje, algum governo, municipal, estadual ou federal, não levar a sério essa questão de parceria. O que cabe ao gestor público é tentar deixar o processo o menos burocrático possível. Avançamos em alguns pontos: no projeto, o "Escola Melhor, Sociedade Melhor", as empresas ajudam no desenvolvimento das escolas. Fechamos parceria com o Sistema S: temos formação de educação profissional em parceria com o Senac e o Senai, gratuitamente; formação de gestão para todos os professores, diretores e servidores aqui da Seduc com o Sesi, em EAD. Anunciamos uma nova parceria com algumas universidades do Rio Grande do Sul, a maioria dela comunitárias, para um mapeamento de projetos elétricos, porque chegamos a averiguar que em torno de 85% a 90% das escolas estaduais têm problemas desse tipo. E ainda, em março ou abril deste ano, teremos cursos para formação continuada de professores, em parceria com o Comung (Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas). Serão 5 mil ou 6 mil professores neste primeiro momento.
O Estado conseguiu, como o senhor pretendia ao assumir a secretaria, maior envolvimento com os pais e familiares no dia a dia das escolas?
Eu esperava uma participação maior, principalmente de Círculos de Pais e Mestres (CPMs). Fiquei surpreso, talvez até por ignorância. Pensei que isso era algo que já estava melhor organizado dentro do sistema educacional. Na minha época de estudante, era algo que funcionava em conjunto com as escolas de maneira até bastante harmônica. Para minha surpresa, tem muitos CPMs em escolas que são só uma formalização. Ele de fato não acontece, seja por ninguém ter interesse de liderar ou por os pais estarem voltados a outras questões. Não estou nem criticando os motivos, só apontando que eles não funcionam. Busquei ajuda no momento crítico da greve, quando a gente poderia ter feito reuniões em conjunto, tanto com o comando de greve quanto com CPMs, pelo interesse dos pais de os filhos terem aulas. E não houve eco.
Quando assumiu a pasta, o senhor disse que o foco de sua gestão seria retomar a qualidade da Educação no Estado. Esse objetivo se mantém? Como tem sido feito?
A medida vai ser feita quando aplicarmos o Saers, o sistema de avaliação do Estado em setembro, no máximo em outubro deste ano, e compararmos com os resultados de 2016. Então poderemos dizer se teve ou não teve melhora. Eu não me preocupo tanto com o fato de ter melhorado. Evidentemente queremos melhorar, e espero que tenhamos resultado positivo, mas também quero saber onde eventualmente se errou, onde tem problema, para poder corrigir. Se não é como não saber por que perdemos de 1 a 0 ou ganhamos de 1 a 0. Outra questão é o uso da tecnologia: vamos utilizá-la mais em sala de aula. Precisamos estreitar esse laço. Não dá para fazer de conta que isso não existe, até porque as coisas mudam independente de a gente querer ou não, independente de governo e de partido.
Em março, 2.163 alunos do 1° ano do Ensino Médio passarão a cumprir 1,4 mil horas anuais nas escolas do Estado. A rede pública gaúcha está preparada para o turno integral?
Foi feita uma escolha inicial pelo Ministério da Educação (MEC) de 30 escolas (que passariam a oferecer o Ensino Médio em tempo integral). Por que nós ficamos com 12, e não com as 30: algumas das escolas que foram escolhidas pelo MEC eram as únicas de suas cidades. Aí não tem como, não pode ter escola de tempo integral e, no mesmo local, uma escola que não é de tempo integral. E a comunidade escolar, principalmente pais, até mais que professores e diretores, precisa estar disposta a isso (ter ensino em tempo integral). Porque daqui a pouco um menino de 15 ou 16 anos que vai começar a fazer um estágio não poderá estar na escola em tempo integral, onde ele teria que ficar oito horas de segunda a sexta. Não é um negócio tão fácil assim de ser implementado.
Ainda há escolas com infraestrutura precária, ou em situação difícil depois de serem atingidas por temporais. Por que muitas obras não andam?
Algumas escolas já estão em muito boas condições, algumas outras estão em obras e outras ainda têm obras que estão por iniciar. As situações são as mais variadas possíveis. Isso prejudica, não há dúvida nenhuma. Qual é o mundo ideal: que todas elas estivessem em ótimas condições. Mas temos um histórico de deficiência significativo: 90% das escolas têm problemas elétricos. Algumas foram danificadas por temporais, e a solução para elas passa a ser prioritária. Em uma rede de 2.545 escolas, mais de mil com certeza necessitam de obras. Nós pretendemos, da metade de 2016 até o final de 2018, ter perto de mil escolas reformadas. Desde pequenas questões até projetos mais importantes.
O fato de 2018 ser um ano eleitoral muda sua atuação à frente da Secretaria da Educação?
O mundo não termina no dia 31 de dezembro de 2018. Alguém vai ser secretário e alguém vai ser governo em janeiro de 2019 e pode dar continuidade a isso. Eu, particularmente, se não acredito nisso, perco a vontade de ser secretário da Educação, porque tu sabe que não vai ter um resultado imediato. A educação não é uma coisa finita. O aluno que está ali hoje e que vai estar no ano que vem continua tendo importância, e a escola tem que estar em condições independente de quem vai estar ocupando a Secretaria de Educação ou o governo do Estado. Eu não tenho essa preocupação. Sequer político sou, no sentido de ter filiação partidária, de ter pretensão política, então um ano eleitoral não interfere na minha atividade. Eu vou ficar muito triste se fizer alguma coisa que é boa e vai se encerrar em dezembro de 2018. Em algum momento, vai ser preciso entender essa continuidade. Não só na área de educação. É algo que o Rio Grande do Sul parece que ainda não entendeu. Uma coisa é trocar de governador a cada quatro anos, é decisão da democracia. Outra coisa são os bons projetos que podem e devem ser continuados. Se depois quiserem inventar um outro nome, isso é o de menos. Mas em janeiro de 2019 não tem que começar uma nova era. Em áreas como educação, que tem necessidade de continuidade, não vai haver ter soluções mágicas em quatro anos.