
Insepulto há dois anos e meio, mantido congelado nos Estados Unidos, o corpo do engenheiro da Força Aérea Brasileira (FAB) Luiz Felippe Dias de Andrade Monteiro voltará a pautar uma discussão judicial. O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro julgará nesta quarta-feira à tarde o recurso apresentado por duas filhas do militar, a dona de casa Denise Nazaré Bastos Monteiro, 48 anos, e a professora Carmen Monteiro Trois, 53 anos, que moram no Rio Grande do Sul e exigem o enterro em Canoas. A caçula, do segundo casamento, a servidora pública federal Ligia Cristina Mello Monteiro, 36 anos, alega estar cumprindo o desejo do pai, morto aos 83 anos, de ser preservado pela técnica de criogenia para que, com futuros avanços da ciência, fosse ressuscitado. Até o óbito, porém, as meias-irmãs desconheciam essa vontade.
Em primeira instância, foi autorizado o funeral. Ligia, entretanto, apelou da decisão e conseguiu enviar o cadáver para o Cryonics Institute, em julho de 2012. Denise e Carmen tentam a repatriação do corpo. No TJ-RJ, os votos dos desembargadores marcarão o fim da tramitação do processo em segunda instância, mas caberá recurso à decisão.
O idoso não deixou um registro formal do que gostaria que fosse feito. Denise conta que, em viagens a Canoas, o pai visitava o jazigo pelo qual pagava mensalidades no Cemitério Parque Jardim São Vicente, ao lado do túmulo da primeira mulher. A dona de casa lamenta jamais ter tido a oportunidade de se despedir.
- Ficou um vazio. Os comentários maldosos e a exposição que isso trouxe abalaram bastante a nossa família. É muito doloroso. Ele era um homem bom - afirma Denise.
- Ele jamais, jamais, jamais escolheria o congelamento. Era extremamente organizado e precavido, deixaria algum documento. Ela (Ligia) quer aparecer. Na verdade, acho que é ela que quer ser imortal. Por que usou o pai nisso? - revolta-se.
Até o embarque para os EUA, Monteiro foi conservado à base de gelo seco em uma funerária carioca, ao custo de R$ 900 por dia, durante cinco meses. Depois, a instituição americana, no Estado do Michigan, cobrou o equivalente a R$ 56 mil, em pagamento único, para preservar indefinidamente o corpo do brasileiro, o que elevou o total do investimento para cerca de R$ 190 mil, pagos por Ligia. "Nosso objetivo principal é dar às pessoas uma segunda chance", diz o site do Cryonics.
Representantes legais dos envolvidos recorreram a pessoas cientes dos planos do engenheiro para seu destino final. De um lado e de outro, os advogados reuniram declarações indicando as duas possibilidades: alguns alegam que Monteiro gostaria de atos fúnebres convencionais, e outros recordam a intenção de se submeter à criogenia.
- A Ligia quer fazer valer a vontade do pai a todo custo. Cuidou dele na doença, tinha uma procuração para gerenciar a vida dele. A ligação era muito forte - justifica Renata Mansur, advogada da servidora pública, que não foi localizada pela reportagem.
Entrevista: "O que estão fazendo é um engodo, uma fantasia"
Médico e diretor clínico de uma instituição que preserva células-tronco no Brasil, Carlos Alexandre Ayoub afirma que não há registros científicos sequer da preservação de órgãos complexos, muito menos de todo o corpo.
Há possibilidade de Luiz Felippe Monteiro ressuscitar?
Nenhuma. Em 24 horas após a morte, os tecidos já estão mortos e o sangue, coagulado. Não sobrou resquício neurológico vivo, portanto, mesmo que encontrem a tecnologia (para ressuscitar), ele nunca será recuperado. A não ser que peguem o DNA dele e façam um clone, mas para isso não é necessário congelar o corpo inteiro, só o DNA.
O que vocês fazem?
Nosso carro-chefe são células-tronco do sangue do cordão umbilical. Coleta-se sangue do doador e, em laboratório, se retira o plasma e as células vermelhas, restando apenas células brancas. Há uma substância química utilizada para envolver as células antes de irem para o freezer. Quando a temperatura atinge -12ºC, a água não sai da célula, que permanece intacta mesmo após o descongelamento. Sem essa substância, as células não vivem, pois a água sairia delas e, ao congelar, formaria cristais que perfurariam as membranas.
Por que não se aplica para corpos?
Se aplicaria se a pessoa chegasse ao instituto um mês antes de morrer e tivesse todas as células do seu corpo preparadas com essa substância para a criopreservação. Ainda assim, as chances seriam mínimas, pois se consegue criopreservar células e tecidos, mas não há registros concretos de que se consiga o mesmo efeito com órgãos complexos como cérebro ou pulmão.
Então a filha jogou dinheiro fora?
Eu compreendo que as pessoas têm ilusões e que existem empresas que atendem a essas ilusões. Mas é preciso entender que a vida é o que você armazena no cérebro. Este senhor, se voltasse à vida, voltaria sem identidade, não seria mais quem ele era. O que estão fazendo é um engodo, uma fantasia.
Entenda o processo

-Monteiro morreu em fevereiro de 2012, no Rio de Janeiro. Muito debilitado depois de mais de um acidente vascular cerebral (AVC), ele não resistiu a uma pneumonia.
-Monteiro deixou duas filhas do primeiro casamento, a dona de casa Denise Nazaré Bastos Monteiro, moradora de Canoas, e a professora Carmen Monteiro Trois, de Novo Hamburgo, e uma da segunda união, a servidora pública federal Ligia Cristina Mello Monteiro, do Rio.
-Denise e Carmen queriam o enterro no Cemitério Parque Jardim São Vicente, onde o engenheiro teria até pagado prestações de um jazigo. Segundo Ligia, o desejo dele era ser congelado para, um dia, ter a chance de voltar à vida.
-Em primeira instância, a Justiça autorizou o sepultamento. Ligia apelou e enviou o corpo para os Estados Unidos, em julho de 2012. O Tribunal de Justiça do Rio julgará nesta quarta-feira um recurso (embargos infringentes) apresentado por Denise e Carmen, que desejam repatriar o cadáver.