No início deste mês de dezembro, o bitcoin ultrapassou a barreira de US$ 100 mil em cotação pela primeira vez na história. Apenas 12 dias depois, foi registrado o atual recorde, com valor de US$ 106,4 mil, ou cerca de R$ 649,9 mil, no encerramento do dia 17. A valorização da criptomoeda mais popular do planeta, impulsionada pela recente eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, simboliza a retomada do crescimento deste mercado global nos últimos meses, inclusive no Brasil, onde movimentou R$ 363,3 bilhões entre janeiro e setembro.
O valor do bitcoin e o mercado de criptomoedas como um todo vêm crescendo desde o final de 2023 (confira variação em gráfico mais abaixo). O setor se beneficiou depois que a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos autorizou, em janeiro de 2024, o primeiro fundo de investimento (ETFs, na sigla em inglês para exchange-traded funds) associado ao bitcoin.
Depois, em outubro, a eleição de Donald Trump consolidou de vez esse crescimento. O novo mandatário norte-americano já anunciou que fará dos Estados Unidos "a capital mundial do bitcoin e das criptomoedas", afirmando que deseja criar uma "reserva estratégica de bitcoins" no país.
Dessa forma, o bitcoin, que valia cerca de US$ 69 mil por unidade em 5 de novembro, dia da eleição nos Estados Unidos, já tem valorização de quase 50% desde a vitória de Trump e de aproximadamente 130% desde o início de 2024.
Outra ação recente de Trump que animou esse mercado foi o anúncio da futura nomeação do advogado Paul Atkins, notório entusiasta de uma maior liberação das operações com criptomoedas, para comandar a comissão reguladora dos mercados financeiros. A notícia da nomeação de Atkins, surgida no início de dezembro, foi o último fator decisivo para fazer o valor do bitcoin ultrapassar a barreira dos US$ 100 mil e se manter nesse patamar — na sexta-feira (27), fechou em US$ 94,5 mil (R$ 585 mil).
O professor do Insper e pesquisador de criptoativos Isac Costa afirma que esse contexto ensejou uma mudança no mercado.
— Houve um influxo relevante de recursos do mercado tradicional, com investidores que decidiram ter exposição a criptoativos, especialmente bitcoin, e os demais foram contagiados por esse movimento.
Criptomoedas no Brasil
No Brasil, as transações realizadas com criptomoedas também têm batido recordes em 2024. Segundo relatório da Receita Federal, entre janeiro e setembro foram R$ 363,3 bilhões em operações, com alta de 82% sobre o mesmo período de 2023. Somente em setembro de 2024, foram registrados R$ 115,7 bilhões em movimentações, a maior para um mês desde que a Receita iniciou este monitoramento, em 2019.
— Esse crescimento em setembro ocorreu também em razão de algumas variáveis específicas, como a redução da taxa de juros pelo FED e Banco Central Europeu, o que leva investidores a buscarem investimentos com maior probabilidade de retorno e, por isso, risco, como as criptomoedas. Essa foi a variável determinante — afirma o advogado Manoel Gustavo Neubarth, também professor de Direito e Criptoativos no mestrado da Unisinos.
Segundo levantamento da consultoria Triple A, até o fim de 2023, o Brasil tinha pelo menos 26 milhões de investidores em criptomoedas. O número, cerca de 12% da população do país, coloca o Brasil entre os 10 maiores mercados de criptomoedas no mundo, tanto em quantidade total quanto em porcentagem de operadores. O total de investidores no país, provavelmente, é ainda superior, pois investimentos abaixo de R$ 5 mil em criptomoedas não precisam ser declarados, de acordo com a legislação brasileira.
Também de acordo com dados da Triple A, no mundo todo, são cerca de 420 milhões de pessoas investindo em criptomoedas. Neste mês de dezembro, o mercado global cripto chegou a US$ 3,8 trilhões, superando os US$ 3,7 bilhões atingidos em 2021.
Pioneirismo do bitcoin
O bitcoin é considerado, no mercado, a primeira criptomoeda que, de fato, se estabeleceu e teve sucesso em sua operação. Sua base foi lançada em 2008, quando seu criador, conhecido apenas pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto, lançou um artigo propondo a utilização da tecnologia "blockchain" para registrar as transações de forma descentralizada.
São linhas de código criptografadas, que só podem ser acessadas com as chaves de cada usuário, e a transação com essas moedas é feita entre os agentes que as detêm, de forma totalmente online. A ideia de seu criador era permitir "que pagamentos online fossem feitos sem passar por uma instituição financeira".
O bitcoin teve um primeiro pico de cotação em 2017, terminando o ano com a unidade valendo US$ 19 mil. A partir de 2020 voltou a subir, chegando a um pico de US$ 60 mil em novembro de 2021. Contudo, em 2022, a mudança no cenário econômico dos Estados Unidos, com o aumento da taxa de juros e casos de falências e prisões de executivos de grandes empresas que operavam neste mercado, afastou os investidores em razão do risco, e a moeda, assim como as criptos em geral, registrou grande queda.
Após um processo de aumento de credibilidade, a projeção de especialistas é que o bitcoin continue crescendo em 2025, podendo chegar até a US$ 250 mil por unidade.
— O preço subir ainda é muito atrativo, principalmente para o investidor de varejo. Muita gente não queria comprar bitcoin a US$ 20 mil, e agora há fila de gente querendo comprar a US$ 100 mil. Muitos investidores são atraídos pela boa performance passada, e tendem a comprar mesmo mais caro agora, o que contribui para continuar subindo — afirma Paulo Boghosian, diretor-executivo da Pandhora Investimentos.
Investindo em criptomoedas
As criptomoedas são um grupo de criptoativos que, na prática, são utilizadas e desempenham praticamente as mesmas funções econômicas das moedas tradicionais, como o dólar, o euro ou o real. Há também outros criptoativos, criados via tokenização. Por meio deste processo, é possível atribuir valor a algo e negociar este item, seja ele existente de modo físico ou não — podendo representar um imóvel ou uma obra de arte digital, por exemplo.
Tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas podem operar criptomoedas. Para iniciar essas operações, é preciso adquirir os ativos no mercado financeiro, principalmente por corretoras, ou "exchanges", com pagamento em moeda corrente, ou fazer a chamada mineração — novas criptomoedas são geradas e pagas a detentores de computadores de alto desempenho, capazes de validar informações criptografadas por meio de operações matemáticas.
Risco
Especialistas indicam que, devido à alta volatilidade do ativo, não é recomendado investir todas suas economias em moedas digitais, pois o risco é mais alto do que em outros investimentos tradicionais. Além disso, pelo histórico de golpes e fraudes neste mercado, os interessados devem procurar orientação com instituições sólidas e profissionais com experiência reconhecida na área.
— O perfil atual de interessados é mais heterogêneo. Há desde investidores profissionais que dedicam um pequeno percentual do seu portfólio para cripto como forma de diversificação, passando por jovens descrentes no sistema financeiro tradicional que investem uma porção relevante dos seus patrimônios, até pessoas interessadas em especulação e multiplicação de capital com critpomoedas novas, um fenômeno bastante visível no Brasil — reforça Paulo Boghosian.
De acordo com os dados da Receita Federal, ao longo de 2024, no Brasil, os investidores do sexo masculino representaram 60% do número de operações e pouco mais de 80% do volume negociado. Nos dados da Receita, aparecem, ainda, pouco mais de 20 mil empresas que declararam ter negociado criptoativos no ano.
Além de criptos como o bitcoin, os investidores também podem direcionar seus negócios a operações realizadas com as chamadas stablecoins, que são criptomoedas lastreadas em algum outro ativo — muitas delas utilizam o dólar. As mais demandadas atualmente são a Tether (UDST) e a USDC da Circle, que lideraram, junto com o bitcoin, os investimentos em criptomoedas no Brasil em setembro.
Regulamentação no Brasil
O Brasil tem avançado de forma significativa na regulamentação do mercado de criptoativos nos últimos anos. A legislação referência para o setor no país é a lei nº 14.478/2022, conhecida também por Marco Legal dos Criptoativos, que entrou em vigor em junho de 2023.
A lei fixa diretrizes para a prestação de serviços relacionados aos ativos virtuais, como a livre concorrência e atenção às regras de prevenção à lavagem de dinheiro, além da regulamentação das prestadoras destes serviços. O projeto ainda inclui os crimes relacionados à negociação de criptoativos no Código Penal.
Em 2023, foi publicado pelo Executivo o decreto nº 11.563, regulamentando essa lei, trazendo como novidade marcante a indicação do Banco Central como competente para regular a prestação de serviços de ativos virtuais, assim como autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços deste mercado.
— O arcabouço jurídico brasileiro para o tema é satisfatório, mas ainda poderá e certamente será melhor desenvolvido — aponta Manoel Gustavo Neubarth.
Em complemento, o professor Isac Costa reforça que o avanço da legislação no setor, com a relação de crimes neste mercado previstos no Código Penal, também favorece uma maior segurança e o combate a crimes e fraudes.
— Ainda vemos a ocorrência de pirâmides, lavagem de dinheiro e outros escândalos que, muitas vezes, contribuem para comprometer a credibilidade do setor, apesar da seriedade e profissionalismo da maioria dos participantes deste mercado. Legislações robustas e transparentes reforçam o combate a essas ocorrências — ressalta.